Capítulo 8 marinho
Um dia antes…
Hermanito saiu de casa e caminhou pelas ruas de Mauricéia até chegar ao cais de Santa Rita. O cheiro de maresia e óleo diesel se misturava ao barulho das embarcações que atracavam e partiam.
Ao longe, ele avistou um homem icônico: um sujeito de chapéu de palha gigante e sorriso preguiçoso.
— E o Cupim? Como ele está se saindo? — perguntou Hermanito.
O homem sorriu de canto, pegou uma arma e, sem hesitar, apontou-a para a própria cabeça.
Um disparo seco ecoou pelo cais.
O sangue espirrou no rosto de Hermanito, que permaneceu impassível. Ele apenas limpou o rosto com a manga da camisa, ajeitou a saia e seguiu seu caminho como se nada tivesse acontecido.
Ele tinha um encontro.
O parque estava movimentado naquela tarde. Casais de mãos dadas, crianças correndo, jovens rindo e bebendo cerveja. Hermanito sentou-se em um banco de madeira, esperando.
Pouco depois, sua namorada apareceu.
— Por que você nunca me apresenta para seus amigos de infância? — perguntou Hermanito. — É porque sou trans?
A garota suspirou, cruzando os braços.
— Você não me ama, né, Nito?
Hermanito a encarou.
— Eu nunca menti pra você.
Ela desviou o olhar.
Ele segurou o rosto dela com delicadeza e a beijou.
Depois do beijo, encostou a testa na dela e murmurou:
— Tenho dois amigos sumidos... um psicopata e uma louca. E agora estou prestes a viajar com eles.
Ele riu sem humor.
— Na verdade, eu tenho medo do que pode acontecer com você. Não com eles... mas com todas as mazelas que estão ao meu redor.
Hermanito olhou para o parque. Jovens como ele saindo para beber, casais de idosos comendo juntos, pessoas jogando bola.
O mundo parecia tão comum... tão tranquilo.
Ele sentiu um nó apertar seu peito.
— Tenho medo que tudo isso acabe.
Seus olhos ficaram vazios.
— Nesse tempo... envelheci anos.
Ele respirou fundo.
— Adquiri uma maturidade que eu nunca tive.
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De volta à floresta…
A mata era fria e úmida. O vento cortava como lâminas finas.
Joaquim ajeitou os lençóis improvisados e cobriu Maria e Hermanito. O amigo estava queimando de febre.
Hermanito começou a murmurar palavras desconexas, os olhos revirando.
— A colheita... a colheita está próxima... O vinho que eu bebo não cabe mais no meu copo... transborda... transborda...
Joaquim sentiu um arrepio.
Começou a suar, lembrando da caverna. Lembrando de Hermanito murmurando coisas sem sentido.
A noite seguiu tensa.
Então, Joaquim ouviu.
Uma voz familiar.
— Joaquim...
Ele abriu os olhos num sobressalto.
O monstro João os chamava na escuridão da floresta.
Joaquim se levantou num salto.
Olhou para a lua.
Sentia-se fraco, vulnerável.
Sem pensar duas vezes, segurou Maria e Hermanito e os transportou para dentro da vila mais próxima.
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Dentro da vila…
O calor de uma fogueira gigantesca iluminava a praça central.
Joaquim, Maria e Hermanito, ainda cobertos pelos lençóis, se esconderam rapidamente dentro de uma casa velha e em ruínas.
O que viram fez seus estômagos revirarem.
Uma multidão se reunia ao redor da fogueira, onde um corpo humano assava lentamente.
Pessoas arrancavam pedaços da carne carbonizada e os consumiam com expressões de êxtase.
Joaquim arregalou os olhos, prendendo a respiração.
Maria olhava sem compreender.
— Como chegamos aqui...? — sussurrou, trêmula.
Joaquim não respondeu.
Com os olhos fixos na janela, ele observava a cena absurda.
Maria engoliu em seco, levantando-se devagar.
Ela espiou pela janela.
E então, viu.
A comunidade de Cavalo Marinho devorando um corpo humano como se fosse um banquete sagrado.