A escuridão parecia eterna, mas não era absoluta. Ela tinha nuances, camadas que se revelavam apenas para aqueles que permaneciam tempo suficiente para enxergá-las. Quando a figura surgiu diante de mim, no entanto, não houve nuances. Não houve dúvida. Era uma luz tão pura e intransigente que parecia ferir mais do que qualquer fogo ou lâmina.
Um anjo.
A figura era alta, imponente, e carregava uma presença que parecia dobrar o espaço ao seu redor. Suas asas brilhavam como estrelas recém-nascidas, mas havia algo nas suas feições - uma severidade, uma autoridade que fazia meu corpo inteiro estremecer. Ele não era a visão romântica que os livros descreviam, mas algo muito mais real e terrível. Não havia misericórdia em seu olhar, apenas a verdade inegável.
Naka estava inconsciente em meus braços. Os pecados - Luxúria, ainda brilhante em sua pureza, e os outros, sombras desmaiadas - estavam espalhados ao meu redor. Tudo estava quieto, mas o silêncio não era pacífico. Era o tipo de silêncio que precede o julgamento.
- Você tentou destruir o que não é seu para destruir, - disse o anjo, sua voz ressoando em minha mente, como se não precisasse ser dita em palavras para existir. - Não se trata apenas do Inferno. Você foi longe demais.
- E você não entende nada sobre isso, - respondi, tentando me levantar, mesmo com meu corpo enfraquecido. - Nada disso importa. Nada disso é real. Este lugar, essas regras, essa... criação. Tudo é apenas um reflexo distorcido de algo que nunca deveria ter sido. Eu só quis ver até onde ia o vazio que vocês chamam de divino.
Os olhos do anjo brilharam, como se minhas palavras fossem uma afronta pessoal, mas sua voz permaneceu imperturbável.
- Você fala como alguém que pensa ter todas as respostas, mas nem sequer entende as perguntas. - Ele ergueu a mão, e as sombras dos pecados começaram a se erguer do chão, como se fossem atraídas por um ímã invisível. Luxúria foi a última a ser tocada por sua luz, mas não resistiu. Simplesmente se deixou levar, olhando para mim uma última vez, como se dissesse que aquilo era inevitável.
- Espere! - gritei, avançando um passo, mas o anjo ergueu a outra mão em minha direção, parando-me no mesmo instante. Foi como ser atingido por uma muralha invisível. - Eles não têm escolha! Você sabe disso! Eles não podem mudar! São parte de tudo isso, parte da criação que você tanto venera! Você os fez assim!
- E você acha que isso os absolve? - perguntou o anjo, inclinando a cabeça ligeiramente, como se estivesse curioso com minha lógica. - Cada um de vocês carrega o peso de suas escolhas. O que você fez aqui... você cruzou um limite que não deveria ter sido cruzado. Todos vocês serão julgados. Mas você... você terá uma escolha.
- Eu não quero sua escolha, - rebati, tentando avançar novamente, mas minhas pernas tremiam e mal consegui dar mais de dois passos antes de cair de joelhos. - Não quero sua misericórdia. Não quero nada de você ou do seu Criador.
- Isso não importa, - respondeu o anjo, e sua voz parecia pesar ainda mais no ar ao meu redor. - A escolha será feita, queira você ou não. Você será levado.
Foi nesse momento que decidi lutar. Não por orgulho, mas porque não havia nada mais que eu pudesse fazer. Minha mão agarrou uma pedra do chão, uma tentativa desesperada de causar qualquer tipo de dano àquela figura intocável. Avancei, com toda a força que ainda me restava, e atirei a pedra contra ele. Ela se desintegrou no ar antes de sequer tocá-lo.
Então, saquei a adaga que ainda carregava comigo - uma lâmina roubada de algum canto esquecido do Inferno, agora completamente inútil. Mas ataquei mesmo assim, sabendo que não havia esperança. O anjo não se moveu até o último instante. Foi quando sua espada apareceu.
Não houve som. Apenas luz. A lâmina perfurou meu peito como se fosse feita de puro fogo, e a dor foi indescritível. Ela não cortava apenas carne, mas algo mais profundo. Minha alma, talvez. Senti cada pedaço de mim sendo dilacerado, cada pensamento, cada memória, tudo reduzido a fragmentos que pareciam queimar antes mesmo de serem consumidos.
- Você ainda não entende, - disse o anjo enquanto eu caía de joelhos novamente, a espada ainda atravessando meu corpo. - Você terá tempo para compreender.
Com um movimento, ele retirou a espada, e meu corpo caiu para trás, mas eu não morri. Não podia morrer ali. Não naquele lugar.
Quando abri os olhos novamente, tudo ao meu redor estava diferente. Não havia mais fogo, nem sombras, nem escuridão. Apenas uma luz branca, ofuscante, interminável. O anjo estava ali, e os pecados também - presos em correntes de luz que brilhavam como o próprio sol. Até Naka estava preso, seus olhos fechados, sua expressão tranquila, como se estivesse apenas dormindo.
- Você terá milênios, talvez mais, para pagar sua dívida, - disse o anjo. - Mas apenas você terá a chance de sair.
- Por quê? - perguntei, minha voz mal passando de um sussurro. - Por que só eu?
- Porque o peso da criação está em suas mãos agora. - Ele olhou para mim com algo que parecia quase pena. - Você será o guardião de tudo o que tentou destruir. Até que compreenda o que significa criar e suportar. Até que compreenda o fardo que carrega Aquele que você tanto despreza.
Eu não respondi. Não havia o que dizer. Sabia que as palavras não mudariam nada. Olhei para os outros - Luxúria, ainda pura, mas acorrentada como os outros; Naka, imóvel em sua prisão de luz. E então, aceitei o peso das correntes que começaram a se formar ao meu redor, apertando meu corpo, prendendo-me na eternidade que eu sabia que estava apenas começando.
Eu não ousava olhar diretamente para seus rostos. Quando o fazia, parecia que minha alma se despedaçava sob o peso de sua pureza. Seus olhares eram como lâminas afiadas, cortando através da carne e do espírito, revelando minha impotência diante daquilo que eles representavam: uma força cega e implacável, que não se importava com minhas angústias, com minha dor ou com minha raiva. Eles estavam além de qualquer compaixão ou entendimento humano, como algo primordial, eterno, cuja única função era observar e executar o que o Altíssimo decretara, sem piedade.
Mais de dezenas de anos no céu... Não era o que eu imaginava. Preso em sua vastidão etérea, cercado por uma luz imaculada e incontestável, eu vivia como uma contradição: um homem limitado pela eternidade. O cárcere celestial não é feito de grades ou correntes; é feito de imobilidade, de um brilho tão intenso que consome qualquer tentativa de dúvida.
Era um lugar de adoração incessante, e o eco dos hinos preenchia o ar como o pulsar de um coração. Cada nota, cada verso, era um lembrete da grandeza do Criador, mas também do peso que ela lançava sobre nós, mortais. Frequentemente, eu ouvia cânticos como este, um dos muitos que agora estão gravados em minha alma:
"Quando te levantas, belo, no horizonte do céu,
Ó Deus vivo, aquele que deu início à vida,
Quando brilhas no horizonte do Oriente,
Enches todas as terras com a tua perfeição.
Tu és belo, grande, refulgente,
Elevado acima de todas as terras.
Teus raios cingem as terras
até aos confins de tua criação.
Em tua qualidade de Sol,
Atinges os seus confins
e os submetes ao teu filho amado.
Embora estejas longe,
teus raios chegam à terra
e a todos acariciam-lhes as faces.
Inumeráveis são as tuas obras,
Mas ocultas à vista,
Ó Deus único sem igual!
Criaste, sozinho, a terra
segundo tua resolução,
Assim como os humanos,
Todos os animais maiores e menores,
Tudo o que vive sobre a terra
e caminha sobre patas,
Os que estão no alto e voam com asas,
As terras da Síria e de Cuxe,
E a terra do Egito.
Tu colocas cada homem em seu lugar
e crias o que lhe é necessário:
Cada um dispõe de seu alimento
e o seu tempo de vida está exatamente calculado;
As línguas são diferentes,
Pois distingues os povos estrangeiros
Tu estás em meu coração
e não há outro que te conheça,
Fizeste com que seus filhos estejam instruídos
em teus desígnios e em teu poder.
A terra vem à existência por obra tua,
Já que crias as pessoas.
Quando te levantas, elas vivem;
Quando repousas, morrem.
És tu o tempo de vida em ti mesmo:
Vive-se por meio de ti.
Os olhos estão fitos em tua perfeição
até que te deitas.
Todos os trabalhos são interrompidos
quando repousas no Oeste."
Essas palavras eram tão sublimes quanto esmagadoras. A perfeição que exaltavam era algo que eu, com todos os meus defeitos, jamais poderia alcançar. À medida que os hinos continuavam, meu espírito os absorvia, mas não com devoção; era com uma contemplação amarga. Quem poderia existir sob a sombra de um Deus tão perfeito?
Outro Hino em reverencia ao divino, também constantemente repetido:
"Ó Essência que tudo permeia,
A Origem sem origem, o Verbo silencioso,
Tu és o antes do começo,
E o depois que nunca termina.
Em teus desígnios repousam as estrelas,
E em teu sopro se desdobram os mundos.
És o vazio que contém o todo,
O mistério que se revela apenas ao ser oculto.
Tu que desenhaste o infinito com mãos invisíveis,
Que espalhaste o tempo como um rio inevitável,
E nos moldaste do pó com o mesmo cuidado
Com que criaste o universo que nunca dorme.
Como podemos cantar-te, ó Inefável,
Quando cada nota é apenas uma sombra de tua voz?
Como podemos louvar-te,
Quando até o silêncio é mais digno do que nós?
Tu és o fogo que não consome,
A luz que cega e ilumina.
A mão que guia e a mão que liberta,
O paradoxo em que tudo encontra unidade.
Humildes, nos curvamos perante tua eternidade,
Pois somos fagulhas tentando compreender o sol.
És a pergunta e a resposta,
O que não pode ser concebido, mas é sentido.
Tu és o Criador que nos observa em nosso desespero,
E ainda assim nos permite caminhar,
Pois somente no abismo do erro
Aprendemos a voar em direção à tua verdade.
A ti, rendemos nossa existência fragmentada,
Porque mesmo na queda, há tua presença.
És o início e o fim,
E tudo o que é eterno reside em ti. Amém."
Novamente, seguindo deste cântico veio uma oração:
"Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso.
Louvado seja Deus, Senhor do Universo.
O Clemente, o Misericordioso.
Soberano do Dia do Juízo.
Só a Ti adoramos e só a Ti imploramos ajuda!
Guia-nos à senda reta.
À senda dos que agraciaste, não à dos abominados, nem à dos
extraviados."
Passei o que pareceram anos de tormento, como uma carne viva em chamas, apodrecendo lentamente em um inferno particular. O tempo se arrastava enquanto minha alma se desintegrava, consumida por um vazio insuportável. Não havia mais forças, não havia mais respiro, apenas o vazio nauseante que me afogava. Me tornara uma ferida aberta, sangrando por dentro e por fora, um corpo que já não parecia mais humano, mas uma massa de carne podre, de dor líquida e raiva em forma de sangue.
A raiva se transformou em um monstro devorador, uma fúria insana que me corroía por dentro, tornando-me incapaz de distinguir dor física da mental. Rasguei a pele com unhas e dentes, arranquei pedaços de mim mesmo, como se ao dilacerar meu próprio corpo eu pudesse libertar a alma torturada que, em algum lugar profundo, ainda gritava. Minhas unhas se enfiavam nas feridas, rasgando carne, como se eu quisesse expurgar de mim o ódio que me consumia. Mas a dor só aumentava, como uma chama que nunca se apaga, um fogo que alimenta o próprio abismo.
Então, tudo se revelou diante de mim, como um estalo de realidade que me cortou de dentro para fora. Pela primeira vez, eu não estava apenas reagindo, eu estava sentindo. Raiva. A raiva queimava em cada fibra do meu ser, tão crua, tão pura. As lágrimas rolavam sem cessar, mas, no fundo, eu sabia... nada nem ninguém poderia me tirar disso. Não havia um salvador à vista, nenhuma mão amiga, nenhum ombro onde me apoiar. Eu estava sozinho, perdido dentro de mim mesmo, e percebi, com um peso esmagador, que a única coisa que poderia me tirar daquele abismo era eu, NADA MAIS ALÉM DE MIM... NADA MAIS ALÉM DE MIM... NADA MAIS ALÉM DE MIM. Nada, Além, de, mim. Mas, naquele momento, a verdade soava como um eco distante, cruel e inevitável. E, de repente, a dor me invadiu ainda mais, e as lágrimas voltaram, mais fortes, mais desesperadas, como se não houvesse fim.
Mordi minha própria carne até os dentes sangrarem, mastigando pedaços de mim, tentando engolir a raiva que borbulhava em meu peito. Cada pedaço que engolia parecia se transformar em mais raiva, mais sofrimento. Eu me tornava um monstro, um cadáver ambulante, uma aberração que não mais compreendia o que significava ser humano. A dor não era mais uma sensação, era um estado de existência, como se cada célula de meu corpo estivesse gritando por alívio, por uma fuga impossível.
Logo a raiva se transformou em tédio.
Ali, no silêncio do céu, minha mente vagava. Pensei nas sete leis herméticas, aquelas que eu havia estudado na Terra, escondidas entre as páginas empoeiradas da biblioteca. "O Todo é mente; o universo é mental." Esta era a primeira lei. Mas aqui, parecia que eu estava cercado por uma mente tão vasta, tão incompreensível, que me fazia sentir como um fragmento insignificante, uma faísca esquecida em meio à eternidade.
A lei da correspondência também ecoava em meus pensamentos: "O que está acima é como o que está abaixo; o que está dentro é como o que está fora." Mas como isso se aplicava aqui? O céu não era um reflexo da Terra, nem o Criador um reflexo de nós. Havia uma ruptura, um abismo intransponível entre nós, e ele era ampliado pela perfeição divina.
Pensava também na pedra filosofal, não como algo físico, mas como um símbolo. O ouro que os alquimistas buscavam não era ouro literal; era o ouro da mente, a transmutação do espírito bruto em algo puro, eterno. Eu me perguntava: será que minha prisão era o fogo alquímico necessário para me transformar? Seria esta a Obra ao Negro, o início do processo?
Os hinos continuavam, e eu me perguntava quantas vezes mais os ouviria antes que minha mente se rendesse ao esquecimento. Mas algo em mim resistia. Algo em mim recusava-se a ser purificado pelo fogo do céu.
Foi então que percebi: o céu, com toda a sua perfeição, não era um lugar de liberdade. Era uma moldura rígida, uma obra imutável. Não havia crescimento ali, apenas existência. E isso, por mais paradoxal que fosse, não era algo que eu poderia aceitar.
Por vezes, olhava para os anjos que me vigiavam. Suas formas eram belas, mas impassíveis, como estátuas vivas. Eles carregavam espadas de luz e olhares que perfuravam a alma, mas, no fundo, eu os via como prisioneiros também. Diferentes de mim, mas ainda assim limitados por seu propósito.
E foi assim que minha resolução começou a crescer. Eu sabia que meu tempo aqui não seria infinito, porque eu recusava a ideia de permanecer imóvel. Lembrei-me de outra lei hermética: "Nada está parado; tudo se move; tudo vibra." Mesmo no céu, a vibração de minha mente continuava, resistindo à estagnação divina.
As palavras dos hinos, por mais belas que fossem, tornaram-se ecos vazios para mim. Eu não queria ser como aqueles que louvavam cegamente. Eu queria transcender. E, para isso, eu precisaria encontrar a chave.
Essa chave estava em uma ideia que amadureceu lentamente em meu coração ao longo dos anos: o ouro que eu buscava não estava no céu, nem na terra. Ele estava em minha própria essência, na capacidade de questionar, de resistir e de criar.
O céu não era meu destino. Era meu cadinho, minha fornalha. E eu sabia que, assim como a pedra filosofal, eu precisaria suportar o calor até que estivesse pronto para me transmutar. Não pela graça divina, mas pela minha própria vontade.
Enquanto o tempo se estendia diante de mim como um oceano infinito, comecei a recitar em minha mente as palavras que um dia li, escondidas nas margens de um manuscrito:
"Pode ser engenhoso identificar dificuldades, mas é mais engenhoso ainda encontrar uma maneira de evitá-las."
Eu não seria derrotado pela eternidade. Eu a moldaria, até que ela se curvasse diante de mim.
Diversos anos se passaram. Aqui, preso no céu, sou forçado a testemunhar a perfeição de uma criação que me rejeita. O tempo, se é que existe tempo aqui, dilui-se como areia levada pelo vento, tornando-se um ciclo interminável de luz, música e vazio.
Os hinos ecoam constantemente, moldados em versos que exaltam a glória de Deus. Inicialmente, resisti a eles, mas logo percebi que lutar contra algo tão vasto e imutável era tão inútil quanto tentar conter o oceano com as mãos. Ouvindo-os, minha mente os decompôs em significados, buscando rachaduras no mármore da perfeição. Uma oração, ainda ressoa com força:
"Tu que habitas sob a proteção do Altíssimo, que moras à sombra do Onipotente, dize ao Senhor: Sois meu refúgio e minha cidadela, meu Deus, em que eu confio. É ele quem te livrará do laço do caçador, e da peste perniciosa. Ele te cobrirá com suas plumas, sob suas asas encontrarás refúgio."
Essas palavras, repetidas incontáveis vezes, tornaram-se uma lâmina invisível, cortando lentamente a carne de minha consciência. Eu existo, mas apenas como testemunha de um espetáculo do qual fui banido. Sou como um pássaro com asas de ouro, aprisionado em uma gaiola feita do próprio céu.
É então que em volta de adorações e cânticos de tua imagem, Deus, resolvi criar meu próprio cântico atribuído ao Divino:
"Ó Deus único, tu és o positivo e o negativo,
A essência de tudo, sem começo ou fim,
Em ti, o universo se encontra e se dissolve,
Pois tu és o Todo, o Nada, o Ser e o Não-ser.
O vento que jamais cessa, sussurra tua vontade,
O fogo que nunca se apaga, arde com tua essência,
A terra que não cansa de gerar vida,
E as águas que, em sua dança eterna, refletem tua presença.
Eu sou apenas a sombra da tua criação,
Feito de poeira, buscando o infinito em mim,
Mas sei que sou limitado, um ser finito,
Na busca insaciável pela verdade que não alcanço.
A cada passo, tento entender o teu enigma,
Mas percebo, com dor e humildade,
Que a mente humana, em sua limitação,
Jamais conseguirá compreender o incompreensível.
Tu és o impossível, Deus, o silêncio no caos,
A luz que cega, a escuridão que revela,
E a sabedoria que escapa das mãos do sábio,
Pois quem pode entender o mistério do próprio mistério?
E, no entanto, sigo, em busca do teu saber,
Sabendo que, ao buscar-te, encontro apenas mais perguntas,
Pois no fim, o que resta é o vazio da compreensão,
E a aceitação de que tudo o que é divino é além do ser.
Ó Deus, tu és o criador e a criação,
O começo e o fim, o espaço e o tempo,
E, apesar de ser só um reflexo de tua glória,
Em ti, tudo se encontra e se perde, sem nunca deixar de ser."
Olho para os pecados ao meu redor, sombras quebradas que outrora foram forças avassaladoras. Agora, são espectros murmurantes, despidos de propósito. Mesmo eles não são imunes à paralisia do céu. E Naka... ela dorme, sempre dorme. Talvez seja um alívio para ela, mas para mim, sua quietude é um lembrete cruel de minha solidão.
Penso no que somos - eu, os pecados, Naka, até mesmo os anjos que passam como cometas luminosos, ignorando nossa existência. Então, minha mente se prende a uma única imagem, uma metáfora que define minha visão da realidade:
"Não vedes que somos meras larvas, rastejando em nossa insignificância, buscando um propósito que nunca alcançaremos? Nascemos apenas para formar uma angélica borboleta que, desprotegida, voa para a Justiça, apenas para ser esmagada por ela. Por que vos iludis com a grandiosidade, quando não sois mais que insetos defeituosos, destinados a cair nas fissuras de uma criação perfeita? As almas que vejo aqui são como estátuas esculpidas para suportar o peso de uma cornija celestial - curvadas, oprimidas, dobrando os peitos até os joelhos, sustentando algo que jamais poderão compreender ou abraçar."
Essa imagem me atormenta. Talvez eu esteja errado. Talvez exista algo além desse ciclo eterno de hinos, orações e luzes. Mas quanto mais reflito, mais percebo que não há espaço para o erro aqui, nem para a dúvida. O céu é uma máquina impecável, girando em sincronia divina, e qualquer desvio é esmagado sob seu peso.