Perséfone mal conseguira dormir na noite seguinte. Seus pensamentos eram um turbilhão, entrelaçados com as vozes do passado que pareciam sussurrar das páginas do diário de Lorenzo. Enquanto encarava o teto de seu quarto, ela sentia uma pressão no peito, como se cada segredo revelado estivesse pedindo mais dela, puxando-a para um abismo de mistérios que ficava mais escuro a cada passo.
Ela pensou em Helena. Como aquela mulher havia suportado tudo? O peso da perda, o isolamento, a constante sensação de estar sendo observada? E Arthur... que tipo de homem seria capaz de desafiar um império como os Castellani por amor?
"O que me torna tão diferente deles?" Perséfone se perguntou, enquanto virava de lado na cama. Havia algo na força de Helena que a fazia questionar suas próprias escolhas. Teria coragem de ir tão longe, de enfrentar as sombras do passado para descobrir a verdade, mesmo que isso a machucasse?
O Peso da Descoberta
Na manhã seguinte, a luz que entrava pela janela parecia mais fria, como se o dia refletisse o estado de sua alma. Perséfone levantou-se devagar, seus movimentos pesados com o peso das descobertas do dia anterior.
Enquanto tomava café na cozinha, Miguel apareceu na porta, trazendo consigo uma energia contrastante. Ele carregava o mapa de Lorenzo, as marcas vermelhas praticamente queimando através do papel amarelado.
– Dormiu? – ele perguntou, mas a preocupação em sua voz entregava que já sabia a resposta.
– Pouco – respondeu Perséfone, empurrando sua xícara de café meio cheia para o lado. – Esse mapa... cada marca é uma peça do quebra-cabeça, mas sinto que, quanto mais eu descubro, mais me perco.
Miguel se sentou em frente a ela, sua expressão mais suave do que o habitual. Ele estendeu a mão, tocando levemente a dela.
– Eu não sei o que você está procurando exatamente – disse ele –, mas sei que isso importa para você. E se importa para você, eu vou te ajudar a encontrar.
As palavras dele eram um conforto inesperado. Perséfone sentiu os olhos arderem com lágrimas que não permitiu cair.
– Obrigada, Miguel – sussurrou. – De verdade.
Ele sorriu, um sorriso que parecia aquecer o ambiente. – Vamos começar pela praia?
1
Uma Segunda Visita à Caverna
O caminho até a praia parecia mais longo naquele dia. Perséfone olhava para o mapa constantemente, como se as marcas pudessem saltar do papel e oferecer respostas. Ela sentia uma mistura de ansiedade e medo, ambos lutando para dominar seus pensamentos.
Ao chegar à caverna, o som das ondas ecoava como um tambor surdo contra as paredes de pedra. Perséfone sentiu um arrepio percorrer sua espinha enquanto olhava para a abertura escura que antes abrigara a caixa metálica.
– Tudo bem? – perguntou Miguel, notando sua hesitação.
Ela respirou fundo e assentiu. – Sim. Só... parece que a caverna tem vida própria, como se estivesse esperando por nós.
Enquanto entravam, a escuridão parecia mais pesada do que na última vez. O cheiro salgado do mar misturava-se com o aroma de terra úmida, criando uma atmosfera quase opressiva. Perséfone tocou as paredes da caverna, sentindo a textura áspera sob seus dedos.
"Helena esteve aqui," pensou ela, quase como uma oração. Era como se pudesse sentir a presença da mulher, seu desespero e sua coragem impregnados na rocha.
Quando chegaram ao fundo da caverna, Miguel encontrou um pedaço de tecido enterrado na areia. Era pequeno, mas claramente antigo, e trazia bordados delicados nas bordas.
– Isso é dela – Perséfone afirmou, sem saber exatamente como sabia.
– Como pode ter tanta certeza? – perguntou Miguel.
Ela olhou para ele, seus olhos brilhando com intensidade. – Não sei explicar. Só... sei.
O Enigma do Colar
Enquanto Miguel examinava o tecido, Perséfone tirou o colar de seu pescoço. A pequena chave ainda pendia dele, brilhando à luz suave que entrava pela abertura da caverna.
Ela o segurou entre os dedos, sentindo o metal frio contra sua pele. Havia algo reconfortante em tê-lo tão perto. Era como se fosse um elo direto com Helena, uma prova tangível de sua existência.
– Esse colar – começou ela, quase em um sussurro. – Não é apenas uma chave. É um símbolo. Algo que Helena carregava consigo, mesmo quando tudo estava desmoronando.
Miguel se aproximou, inclinando-se para ver melhor o objeto. – Você acha que ela sabia que isso seria encontrado por alguém?
Perséfone balançou a cabeça. – Acho que Helena sabia que nunca poderia contar a própria história. Ela queria que alguém fizesse isso por ela.
Um Novo Mistério
Enquanto saíam da caverna, Miguel apontou para o mapa novamente.
– Há outro X perto daqui – disse ele. – Parece estar próximo de um dos penhascos.
Perséfone sentiu um aperto no peito ao olhar para a marca. Algo sobre aquele lugar parecia errado, mas ao mesmo tempo irresistível.
– Vamos – disse ela, com determinação.
O caminho até o penhasco era íngreme, e o vento parecia mais forte a cada passo. Perséfone segurava o mapa com força, como se ele pudesse voar a qualquer momento.
Quando chegaram ao local, notaram algo peculiar: uma estrutura de pedra parcialmente coberta por vegetação. Era um antigo mirante, talvez usado pelos Castellani como ponto de observação.
Miguel começou a investigar a área, enquanto Perséfone ficou parada por um momento, observando o horizonte. O som do mar lá embaixo era ensurdecedor, mas havia algo calmante em sua fúria.
"Helena e Arthur olharam para esse mesmo horizonte," pensou ela. "Será que sonharam com uma vida diferente?"
Miguel chamou sua atenção ao encontrar algo na base do mirante: um pequeno compartimento embutido na pedra. Com esforço, ele conseguiu abri-lo, revelando um pequeno diário de couro, muito parecido com o de Lorenzo.
Uma Conexão Ainda Mais Profunda
Perséfone abriu o diário com mãos trêmulas. As páginas estavam cobertas de notas escritas por Helena. Seus pensamentos, seus medos, seus desejos – tudo estava ali, preservado como um eco de sua alma.
"Arthur diz que tudo ficará bem, mas eu vejo a dúvida em seus olhos. Ele quer me proteger, mas como pode proteger alguém de um inimigo tão poderoso? Ainda assim, se for morrer, que seja ao lado dele."
As palavras de Helena atingiram Perséfone como um golpe. Lágrimas quentes começaram a escorrer por seu rosto enquanto ela lia mais.
"O amor é mais forte que o medo. Mais forte que a dor. Mais forte que diamante. Mas será o suficiente para nos salvar?"
Enquanto segurava o diário contra o peito, Perséfone sentiu uma conexão indescritível com Helena. A força daquela mulher, mesmo diante da destruição iminente, era algo que ela esperava carregar consigo.
Quando Perséfone finalmente olhou para Miguel, sua expressão era uma mistura de dor e determinação.
– Eu entendo agora – disse ela. – O que Helena queria. Não era só escapar. Era mostrar ao mundo que o amor pode resistir, mesmo às piores tempestades.
Miguel assentiu, tocando o ombro dela com delicadeza. – E agora, você é quem vai contar essa história.
Enquanto se afastavam do penhasco, Perséfone sabia que estava apenas começando a desvendar os segredos de Helena e Arthur. Mas, mais do que isso, sentia que estava descobrindo sua própria força – uma força que, como o amor de Helena, era mais forte que diamante.