Perséfone passou a noite na praia. O céu estava carregado de estrelas, mas, para ela, a escuridão parecia infinita. O vento salgado bagunçava seu cabelo e fazia o vestido de noiva pesar contra seu corpo, mas ela não se importava. O silêncio ao redor era um alívio para os pensamentos barulhentos que ecoavam dentro de sua mente.
A traição de Eduardo não era apenas um ato de infidelidade. Era a quebra de uma história construída com anos de confiança, a destruição de uma visão de futuro que ela acreditava ser sólida como uma rocha. E agora? Tudo parecia um terreno movediço.
Na manhã seguinte, Perséfone voltou para a cidade com uma decisão firme: ela precisava de distância, um recomeço. Não havia sentido em voltar para o apartamento que compartilhava com Eduardo ou enfrentar a curiosidade e os olhares dos amigos e familiares. Ela dirigiu direto para o escritório de seu advogado, onde, sem hesitar, pediu a rescisão de todos os contratos do casamento.
– Você quer prosseguir com isso tão rápido? – perguntou o advogado, cauteloso.
– Sim. Eu não quero prolongar essa farsa – respondeu Perséfone, com um tom frio que escondia a dor.
De lá, Perséfone fez algo que nunca havia feito antes: foi até uma imobiliária e pediu ajuda para encontrar uma casa isolada, longe de tudo e de todos.
– Alguma preferência? – perguntou a corretora, uma mulher gentil chamada Marina.
– Um lugar tranquilo, longe da cidade. Preciso de silêncio – respondeu Perséfone, tentando não demonstrar o quanto sua vida estava desmoronando.
Marina a levou até uma pequena casa à beira-mar, em uma vila afastada chamada Vila das Pedras. A casa era simples, mas acolhedora, com janelas grandes que deixavam entrar a luz do sol e uma varanda que dava diretamente para o mar. Quando Perséfone cruzou a porta, sentiu algo inexplicável. Era como se o lugar a chamasse, como se dissesse: "Aqui, você pode começar de novo."
– Fico com ela – disse sem pensar duas vezes.
Nos dias que se seguiram, Perséfone começou a reconstruir sua vida, um pedaço de cada vez. As caixas que trouxera do apartamento foram deixadas intocadas no canto da sala, enquanto ela se dedicava a organizar a casa e a explorar o lugar. Mas, por mais que tentasse preencher o vazio com tarefas, a dor permanecia.
Certa noite, enquanto arrumava um armário no quarto principal, encontrou algo que não esperava: um diário antigo, com a capa de couro desgastada e páginas amareladas. O nome "Helena" estava gravado na primeira página.
Curiosa, Perséfone abriu o diário e começou a ler. A primeira entrada estava datada de 1972.
"Hoje tomei a decisão mais difícil da minha vida. Não sei se conseguirei viver com as consequências, mas o amor exige sacrifícios. Se alguém algum dia ler isso, espero que entenda que tudo o que fiz foi por amor."
As palavras a intrigaram. Quem era Helena? O que ela queria dizer com sacrifícios? Perséfone continuou lendo, atraída pelas emoções cruas que transbordavam das páginas. Era como se a história de Helena a puxasse para uma outra época, para um mundo onde as escolhas eram tão difíceis quanto as que ela própria enfrentava agora.
Sem perceber, Perséfone passou horas imersa no diário. Quando finalmente fechou a última página, percebeu algo: a dor de Helena era, de certa forma, um espelho da sua. E, talvez, ali houvesse respostas que ela ainda não sabia que procurava.
Naquele momento, o diário deixou de ser apenas um objeto esquecido. Ele se tornou a âncora que Perséfone precisava para seguir em frente.