A noite estava quieta, com o som das ondas quebrando suavemente na praia. Perséfone sentava-se em sua cama, o diário de Helena em suas mãos. As páginas eram frágeis, amareladas pelo tempo, e o cheiro de papel envelhecido preenchia o ar. Ela acariciou a capa de couro com delicadeza, sentindo-se quase culpada por invadir a privacidade daquela mulher que vivera décadas antes dela.
Mas algo no diário a chamava. Era como se aquelas palavras tivessem sido deixadas ali para ela, como se fossem uma espécie de guia ou advertência.
A primeira entrada era uma mistura de dor e esperança:
"Hoje tomei a decisão mais difícil da minha vida. Não sei se conseguirei viver com as consequências, mas o amor exige sacrifícios."
Perséfone fechou os olhos por um momento, deixando que as palavras ecoassem em sua mente. Helena falava de amor como algo poderoso, mas também perigoso. Algo que exigia mais do que ela estava disposta a dar no momento.
Ela virou a página e continuou a leitura:
"Ele me disse que me ama, mas o mundo ao nosso redor não vai permitir que fiquemos juntos. Somos de lugares diferentes, de vidas diferentes. Ele é o que chamam de 'homem do mundo', enquanto eu não passo de uma garota da vila. Meu coração diz que devo segui-lo, mas minha mente me avisa que essa escolha terá um preço."
A curiosidade de Perséfone foi despertada. Quem seria esse homem? E por que o amor deles era tão complicado? Ela tentou imaginar Helena, jovem e apaixonada, enfrentando obstáculos que pareciam insuperáveis.
Por horas, Perséfone leu sobre os encontros secretos de Helena com um homem chamado Arthur. Eles se encontravam na praia, sob a luz da lua, escondidos dos olhares curiosos da vila. Arthur parecia um homem encantador, com um carisma irresistível e um coração cheio de sonhos. Mas havia algo mais em sua história – algo que Helena não dizia abertamente, mas que estava implícito em suas palavras: o medo.
"Às vezes, acho que ele é perfeito demais para ser real. Há um mistério nos olhos dele, algo que ele não me conta. Mas mesmo assim, eu o amo."
Essas palavras fizeram Perséfone refletir. Ela conhecia bem essa sensação – o medo de que algo ou alguém não fosse tão perfeito quanto parecia. Eduardo tinha sido assim. Encantador no início, com suas promessas de uma vida juntos, mas, no final, tudo não passava de uma ilusão.
Perséfone fechou o diário por um momento e olhou para o quarto ao seu redor. As paredes brancas e os móveis simples ainda não tinham o calor de um lar, mas algo na casa a fazia sentir-se protegida. Ela se levantou, caminhando até a janela. Do lado de fora, o céu estava começando a clarear, o sol tingindo o horizonte com tons de rosa e dourado.
Por um instante, ela pensou em deixar o diário de lado. Talvez fosse melhor não se envolver tanto na história de outra pessoa. Mas algo dentro dela insistia que Helena tinha algo a ensinar.
Naquela manhã, Perséfone decidiu explorar a vila. Depois de uma rápida refeição, ela colocou um vestido leve e saiu de casa. A brisa do mar bagunçou seu cabelo, mas ela não se importou. A vila das Pedras era pequena, com ruas de paralelepípedo e casas coloridas. As pessoas a cumprimentavam com sorrisos curiosos, como se já soubessem que ela era nova por ali.
Ela encontrou uma pequena biblioteca no centro da vila, um lugar acolhedor com estantes cheias de livros empoeirados. Lá, perguntou à bibliotecária, uma senhora simpática chamada Dona Cecília, sobre a casa onde agora vivia.
– Ah, aquela casa já teve muitos donos, minha querida – disse Dona Cecília, ajustando os óculos. – Mas, se não me engano, uma mulher chamada Helena morou lá há muitos anos. Ela era... como posso dizer? Uma figura misteriosa.
– Misteriosa como? – perguntou Perséfone, sentindo o coração acelerar.
Dona Cecília fez uma pausa, como se escolhesse as palavras com cuidado. – Ela não era daqui, mas chegou com um homem que parecia encantado por ela. Ficaram pouco tempo, mas as pessoas ainda falam sobre eles. Dizem que algo trágico aconteceu, mas ninguém sabe ao certo.
A menção de uma tragédia fez o estômago de Perséfone revirar. Ela agradeceu à bibliotecária e saiu da biblioteca, sentindo-se ainda mais conectada à história de Helena. De volta à casa, abriu o diário novamente, determinada a desvendar o que havia acontecido.
Nas páginas seguintes, Helena descrevia um momento crucial:
"Arthur pediu que eu fugisse com ele. Disse que deixaríamos tudo para trás e começaríamos uma nova vida. Meu coração quer dizer sim, mas algo me impede. Estou com medo do que posso perder."
As palavras ecoaram dentro de Perséfone. Helena estava em uma encruzilhada, assim como ela. Fugir ou ficar? Seguir o coração ou a razão? Perséfone não sabia como a história terminaria, mas, pela primeira vez em muito tempo, sentiu algo diferente: esperança.
O diário, com suas palavras dolorosas e cheias de emoção, começou a fazer com que Perséfone olhasse para sua própria vida de maneira diferente. Talvez, assim como Helena, ela também tivesse escolhas a fazer. E, talvez, houvesse força dentro dela que ainda não conhecia.