Eu não sou prisioneiro desta escuridão.
Eu sou a escuridão.
Não estou aqui porque fui derrotado. Estou aqui porque escolhi. A escuridão é o meu lugar de descanso, de respiro, de nada. Aquele nada que todos temem é a única coisa que nunca me incomodou. Ela não me aprisiona. Eu sou maior que ela, assim como sou maior que qualquer outro ser.
E mesmo a escuridão, essa coisa vazia e fraca, se curva diante de mim. Mesmo aqui, ela se cansa de minha presença. Eu sou o único que importa. O único que pode moldar o que é real e o que é sonho.
Então, veio a rachadura.
Algo se moveu na escuridão, e uma fenda apareceu diante de mim, como se o próprio universo estivesse me desafiando. Ridículo. Não há nada no universo que possa desafiar minha existência.
Foi quando ela surgiu.
A entidade.
Ela não apareceu como uma ameaça ou uma presença majestosa. Surgiu com a insolência de quem acredita que a humildade é necessária. Sua neblina emanava uma presença opressiva, como se a própria escuridão se ajoelhasse diante dela. Mas, claro, ela não sabia quem eu sou.
— Finalmente acordou — disse ela, sua voz ecoando como algo distante, além do tempo e espaço, imensa... e carregada de desdém.
Eu sorri. Não por simpatia, mas por desprezo.
— Eu não sou "alguém" que acorda. Eu sou a própria existência. Não estou em busca de propósito, porque o propósito me serve. Você está aqui, em minha presença, e acha que tem algo a me dizer?
Minha voz cortou o ar, afiada como lâminas. Não me importava quem ou o que ela era. Era apenas mais uma distração, uma tentativa vã de me convencer a ser algo além do que sou.
Por um instante, ela ficou em silêncio. Um silêncio pesado, profundo. Então, finalmente, falou:
— Você acha que não tem nada a aprender. Que sua arrogância é suficiente para governar os mundos. Que não precisa entender quem é seu verdadeiro inimigo. Você sequer compreende o que está por trás de sua existência.
Ela falava com calma, mas havia algo mais profundo em sua voz, como se cada palavra carregasse um peso insuportável.
Eu ri.
Não uma risada qualquer, mas uma gargalhada de quem sabe que o universo inteiro é fraco diante de si.
— Desafiar você? Eu não preciso desafiar nada. Eu sou o único que existe. Você é uma ilusão, um eco distante de algo que acreditou ser relevante.
Ela não reagiu. Não de imediato. Mas algo mudou. Sua presença tornou-se sufocante, esmagadora.
— Você realmente acha que pode se comparar a mim, Ycaro? Eu sou o vazio, a morte e o nascimento. Eu sou o começo e o fim. Tudo o que você será e tudo o que você não será. Eu decido se você será mais do que uma sombra perdida.
O nome ecoou como um trovão. Ycaro.
Ela sabia.
Naquele instante, percebi que não era uma questão de poder ou controle. Ela me via como uma piada. Um brinquedo.
Mas eu sabia algo que ela não sabia: até mesmo a arrogância tem um preço.
E eu já paguei o meu.