A noite ainda os envolvia como um manto de incertezas. Após a fuga, o grupo continuava pelas ruas desertas, suas respirações pesadas misturando-se ao som de sirenes distantes. Ramirez, sempre atento, analisava cada esquina antes de avançarem, enquanto Ernesto mantinha a pasta firmemente presa ao peito. Vicente sentia o peso do momento, mas era a expressão de sua mãe que mais o preocupava: uma mistura de alívio e inquietação.
Ele hesitou antes de perguntar:
— Mãe, você está bem?
Maria Augusta olhou para ele, forçando um sorriso breve.
— Estou, meu filho. Mas não vou mentir... tudo isso me faz lembrar de coisas que tentei esquecer.
O tom dela o incomodou, mas antes que pudesse insistir, Ernesto falou em voz baixa:
— Precisamos de um lugar seguro. Eles já sabem que estivemos no armazém.
Ramirez franziu a testa, claramente incomodado com a situação.
— Conheço um local. Não é ideal, mas serve por agora.
Sem alternativa, o grupo concordou, seguindo Ramirez por um labirinto de ruas estreitas e mal iluminadas. A tensão era palpável; qualquer ruído parecia um prenúncio de perigo. Maria Augusta segurou o braço de Vicente, e ele notou que seus dedos estavam gelados.
Finalmente, chegaram a uma pequena oficina mecânica, cuja fachada desgastada a tornava indistinguível de outras construções abandonadas. Ramirez bateu três vezes na porta de metal enferrujada, aguardando em silêncio.
— Quem é? — perguntou uma voz grave do outro lado.
— Ramirez. Preciso de abrigo.
Após alguns segundos de hesitação, a porta se abriu, revelando um homem corpulento com barba grisalha e olhos que transmitiam uma autoridade silenciosa. Ele examinou os outros com desconfiança antes de abrir espaço para que entrassem.
— Miguel, são aliados. Vamos precisar de algumas horas aqui — disse Ramirez.
Miguel assentiu e fechou a porta com cuidado. Por dentro, a oficina era um ambiente desordenado, com ferramentas espalhadas e um sofá rasgado encostado na parede. Maria Augusta se sentou no sofá, enquanto Ernesto colocava a pasta sobre uma bancada improvisada.
A Descoberta
Ernesto abriu a pasta e começou a espalhar os documentos sobre a mesa. Vicente, curioso, aproximou-se. Ramirez, sempre desconfiado, vigiava a entrada pela janela, observando a rua escura.
— Ramirez, isso é maior do que imaginávamos — disse Ernesto, apontando para uma lista de nomes sublinhados. — Este nome aqui... ele não é apenas um associado. Está liderando algo muito maior.
Ramirez se inclinou para examinar o papel, cerrando os punhos ao ler um dos nomes destacados.
— Então ele não só assumiu os contatos antigos de Santiago... como está recrutando novos aliados.
Maria Augusta se levantou do sofá, o rosto pálido.
— Quem é ele? — perguntou, sua voz firme, mas carregada de preocupação.
Ernesto hesitou antes de responder.
— Alguém que esteve envolvido com Santiago desde o início. Alguém que conhece os segredos mais sombrios dele.
Vicente cruzou os braços, frustrado.
— Então por que nunca ouvimos falar desse homem antes?
Ernesto suspirou, passando a mão pelo rosto.
— Porque ele opera nas sombras. Se Santiago era o rosto do poder, esse homem era as engrenagens invisíveis que faziam tudo funcionar.
Conflitos Revelados
Maria Augusta se aproximou, encarando Ernesto.
— Você tem mais a dizer, não tem? — perguntou, com uma intensidade que surpreendeu Vicente.
Ernesto desviou o olhar, como se buscasse as palavras certas.
— Santiago confiava em mim porque eu devia minha vida a ele. Ele me salvou anos atrás, quando eu estava condenado. Por isso prometi lealdade, e isso inclui proteger Vicente.
Vicente sentiu o peso das palavras, mas sua raiva era evidente.
— Então tudo isso é por dívida?
— Não, Vicente. No começo era, mas agora... — Ernesto parou, olhando diretamente para ele. — Santiago acreditava que você seria diferente. Ele achava que você tinha a força para corrigir os erros dele.
Maria Augusta desviou o olhar, claramente abalada.
— E se ele estivesse errado? E se tudo isso for apenas uma repetição do que já vivemos?
Antes que a conversa pudesse ir mais longe, Miguel apareceu na porta da oficina.
— Temos companhia — disse ele, com a voz grave. — Dois carros vindo pela rua.
O Cerco
Ramirez espiou pela janela e xingou baixinho.
— Eles nos encontraram.
Miguel abriu um armário e retirou ferramentas pesadas que poderiam ser usadas como armas improvisadas. Ramirez preparou sua pistola, enquanto Ernesto puxava uma segunda arma e a entregava a Vicente.
— Só use se for absolutamente necessário — disse Ernesto. — Mas proteja sua mãe a todo custo.
Maria Augusta segurou o braço de Vicente, seu olhar carregado de urgência.
— Vicente, ouça-me. Não importa o que aconteça, você precisa sair daqui com esses documentos. Prometa.
Vicente hesitou, mas ao ver o desespero nos olhos dela, assentiu.
— Eu prometo.
A porta da oficina foi arrombada com um estrondo, e homens armados invadiram o local. Ramirez abriu fogo imediatamente, enquanto Miguel usava uma chave inglesa para se defender. Ernesto disparava com precisão, tentando ganhar tempo.
Vicente puxou Maria Augusta para trás de uma pilha de caixas, protegendo-a do fogo cruzado. Seu coração martelava no peito, e ele apertava a arma com mãos trêmulas.
— Estamos ficando sem opções! — gritou Ernesto.
Ramirez apontou para uma porta lateral.
— Ali! É nossa única saída!
A Fuga
Vicente puxou Maria Augusta pela mão e correu em direção à porta, enquanto Ernesto e Ramirez davam cobertura. O som de tiros e gritos enchia o ar, tornando cada passo mais difícil.
Do lado de fora, a noite parecia mais escura e opressiva. Vicente e Maria Augusta correram por ruas estreitas, sem olhar para trás.
— Para onde agora? — perguntou Vicente, ofegante.
Maria Augusta parou por um instante, olhando para a pasta que ele segurava.
— Não sei... mas precisamos encontrar um lugar onde possamos pensar com calma.
Vicente olhou para ela, percebendo a determinação em seus olhos. Mesmo em meio ao caos, Maria Augusta parecia mais forte do que ele jamais havia imaginado.
Ele apertou a pasta contra o peito e olhou para o horizonte escuro.
— Seja onde for, mãe... vamos acabar com isso juntos.