A Sala parecia menor com todos ali reunidos. O plano estava traçado, mas a tensão pairava no ar como uma tempestade iminente. Aurora, com sua postura confiante, era o ponto de equilíbrio, embora seu olhar denunciasse uma preocupação oculta. Vicente sentia o peso da responsabilidade em seus ombros, mas algo em sua mente não o deixava focar completamente na missão: as lacunas em seu passado.
Ele desviou o olhar de Aurora, focando em Ernesto, que ajustava o coldre de sua arma em silêncio.
— Ainda não consigo entender uma coisa, — disse Vicente, quebrando o silêncio. — Por que Rodrigo tem tanto interesse em me destruir?
Aurora trocou um olhar breve com Ernesto antes de responder.
— Porque você é uma ameaça, — disse ela, direta. — Você representa o legado de Santiago. Mesmo que não tenha escolhido isso, há pessoas que acreditam que você pode reivindicar o que era dele.
Vicente franziu a testa.
— Reivindicar? Não quero nada disso.
— É exatamente por isso que você é perigoso, — acrescentou Ernesto, sem desviar os olhos do equipamento. — A neutralidade é um luxo que esses homens não podem aceitar.
Aurora deu alguns passos à frente, parando bem à frente de Vicente.
— Rodrigo é esperto, Vicente. Ele não quer apenas eliminar você. Ele quer fazer isso de uma forma que sirva de aviso para qualquer um que tente desafiá-lo.
O Peso do Passado
Enquanto os outros revisavam os detalhes do plano, Maria Augusta sentou-se em um canto, olhando para a fotografia que Aurora havia notado na noite anterior. Vicente aproximou-se, hesitante.
— Posso ver? — ele perguntou, com a voz mais suave do que esperava.
Ela ergueu o olhar para ele, surpresa, mas depois entregou a foto. Era uma imagem antiga de Santiago Montenegro, mais jovem, sorrindo ao lado dela. Vicente demorou-se nos detalhes do rosto de seu pai, tentando encontrar traços que ressoassem em si mesmo.
— Ele parecia diferente do que imaginei, — comentou Vicente, devolvendo a foto. — Menos... ameaçador.
Maria Augusta sorriu com tristeza, o olhar fixo no papel envelhecido.
— Ele tinha dois lados, Vicente. O homem que amei era gentil, carinhoso, mas... — Ela pausou, buscando as palavras certas. — O mundo em que ele vivia o consumiu.
Vicente sentiu um aperto no peito. Pela primeira vez, ele começou a enxergar seu pai como mais do que uma figura distante e perigosa.
— Por que nunca me contou isso antes? — ele perguntou, sua voz baixa, mas carregada de emoção.
Maria Augusta suspirou, guardando a foto no bolso.
— Porque eu queria proteger você. Achei que, se escondesse esse lado dele, você nunca seria puxado para esse mundo. Mas parece que o destino tinha outros planos.
— Talvez se eu soubesse, pudesse ter me preparado, — Vicente retrucou, um tom de amargura em sua voz.
Maria Augusta olhou diretamente para ele, sua expressão uma mistura de culpa e determinação.
— Preparação não teria impedido o que está acontecendo. Eu fiz o que achei certo na época, mas nunca subestimei sua força, Vicente. Você é mais parecido com seu pai do que imagina, mas tem algo que ele perdeu ao longo do caminho: escolha.
As palavras dela ficaram ecoando na mente de Vicente enquanto ele voltava para o centro da sala.
O Plano em Movimento
A madrugada avançava rapidamente, e o grupo se preparava para partir em direção ao esconderijo de Rodrigo. Ernesto detalhou os passos finais da operação, enquanto Aurora revisava o equipamento com eficiência cirúrgica.
— Todos sabem o que fazer, — disse Ernesto, enquanto ajustava o rádio no ouvido. — Qualquer deslize pode custar caro.
— Não haverá deslizes, — respondeu Aurora, com firmeza.
Ramirez, que até então permanecia em silêncio, ergueu uma sobrancelha.
— Você diz isso como se tivesse certeza de que tudo vai correr bem.
Aurora virou-se para ele, o rosto impassível.
— Não é questão de certeza. É questão de estar preparada para o que der errado.
Ramirez riu, um som seco e irônico.
— Confiante, como sempre.
Ernesto cortou a troca com um gesto brusco.
— Chega. Não temos tempo para discussões.
Vicente respirou fundo, tentando ignorar a sensação de que algo estava prestes a dar errado. Ele olhou para Maria Augusta, que ajustava discretamente uma arma pequena no casaco.
— Você está pronta para isso? — ele perguntou.
Ela sorriu de leve.
— Não importa se estou ou não. É o que precisa ser feito.
Um Último Aviso
Antes de saírem, Aurora segurou o braço de Vicente, afastando-o dos outros.
— Preciso que você esteja completamente focado, — disse ela, seus olhos fixos nos dele.
— Estou focado, — respondeu Vicente, mas sua voz não soava tão confiante quanto ele gostaria.
Aurora soltou um suspiro.
— Rodrigo é imprevisível, mas ele é humano. O que me preocupa são as pessoas ao redor dele. Elas são leais por medo, e isso as torna ainda mais perigosas.
Vicente assentiu, sentindo o peso de suas palavras.
— Vou fazer o que for necessário, — prometeu ele.
Aurora observou-o por um momento antes de soltar seu braço.
— Espero que sim.
Rumo ao Encontro
O grupo se reuniu perto do veículo, cada um carregando suas armas e seus próprios demônios internos. A noite parecia mais escura, e o som de seus passos ecoava no silêncio.
Enquanto entravam no carro e o motor rugia para a vida, Vicente olhou pela janela, sentindo que o que os aguardava não era apenas uma batalha contra Rodrigo, mas contra eles mesmos.
No banco ao lado, Maria Augusta tocou o ombro do filho.
— Seja quem você quiser ser, Vicente. Não o homem que eles esperam.
Vicente virou-se para ela, surpreso, mas encontrou nos olhos da mãe algo que não via há muito tempo: confiança.
O destino estava próximo, e não havia como voltar atrás.