A madrugada havia sido curta e inquieta para Vicente Montenegro. Cada sombra projetada pela luz da rua parecia dançar com intenções ocultas, cada som do hotel ecoava como um aviso. Ele acordou antes do amanhecer, os pensamentos girando em torno do encontro marcado com Ramirez. O depósito abandonado prometia respostas, mas também perigos. A tensão crescia em seu peito, mas ele não poderia voltar atrás.
Maria Augusta e Ernesto estavam na pequena sala de estar do quarto, conversando em tom baixo. Assim que Vicente saiu do quarto, Ernesto foi direto ao ponto: — Tenho reforços para te acompanhar. Homens que confio. Ramirez não é o tipo de pessoa que se encontra sozinho.
Vicente cruzou os braços, firme, olhando fixamente para Ernesto. — Não. Se for uma armadilha, quero lidar com isso do meu jeito. Se ele perceber que eu trouxe um exército, não vai falar nada.
Maria Augusta franziu o cenho, mas não discutiu. Em vez disso, aproximou-se do filho, ajeitando a gola da camisa dele como fazia quando ele era menino. — Se essa é sua escolha, apenas tome cuidado. Prometa que não fará nada imprudente.
Vicente sorriu de canto, sem o menor sinal de dúvida. — Você sabe que não posso prometer isso, mãe. Mas vou tentar.
Chegada ao Depósito
O sol ainda não havia nascido quando Ernesto estacionou o carro a algumas quadras do local combinado. O vento gelado da manhã cortava o ar e fazia Vicente encolher os ombros. Maria Augusta insistiu em acompanhá-lo, embora Ernesto preferisse que ela ficasse no carro. Mas ela, com a firmeza que sempre o marcou, não aceitou a sugestão.
— Ele é meu filho. Não vou deixá-lo sozinho em algo assim. — Ela afirmou, com uma convicção que Ernesto não ousou desafiar.
O depósito era exatamente como Ramirez havia descrito: uma construção velha, com paredes descascadas e janelas quebradas. Ao longe, a luz amarelada de um poste projetava um brilho pálido na fachada. Vicente sentia o coração bater mais rápido a cada passo, mas sua postura era firme. Ele não deixaria que o medo transparecesse.
Ao entrar, o ar parecia denso, carregado com o cheiro de mofo e a presença de algo escondido. O silêncio era inquietante, e o som de passos no andar superior parecia ecoar pela estrutura decadente. Uma voz familiar que parecia sair das sombras chamou: — Subam. Estou esperando.
Maria Augusta apertou o braço de Vicente, mas ele apenas assentiu, guiando-a pelo corredor. Ernesto seguia logo atrás, a mão repousando sobre a arma que trazia no cinto. Cada movimento, cada som parecia um alerta. O ambiente estava impregnado de segredos não ditos. O frio na espinha de Vicente aumentava com cada passo, mas ele não poderia parar.
No segundo andar, Ramirez os aguardava. Ele estava sentado em uma mesa de madeira improvisada, com papéis espalhados e um copo de café à sua frente. Seus olhos brilharam ao ver Vicente.
— Fico feliz que tenha vindo. — Ramirez disse, levantando-se. — E trouxe companhia. Interessante.
Vicente não perdeu tempo, sua voz grave cortou o ambiente. — Não tenho tempo para jogos. O que você tem para me contar?
Ramirez riu baixo, balançando a cabeça. — Sempre tão impaciente. Isso é bom. Mas, antes de tudo, quero saber o que você está disposto a fazer por essas respostas.
Vicente estreitou os olhos, cruzando os braços. — Estou aqui. Isso já não é suficiente?
Ramirez aproximou-se, ficando a poucos passos de Vicente. Ele observava o homem à sua frente com uma expressão de quem sabia mais do que deveria. Seus olhos pareciam pesar cada palavra. — Santiago era assim, sabe? Sempre querendo provar que podia carregar o mundo nas costas. Mas o que ele não entendia, e talvez você também não, é que o mundo não é um lugar para heróis. É para sobreviventes.
Maria Augusta interrompeu, a voz firme e decidida: — Se tem algo a dizer sobre Santiago, diga. Pare de enrolar.
Ramirez olhou para ela, surpreso com a coragem, mas não respondeu diretamente. Voltou-se para Vicente, como se a presença da mãe fosse apenas um detalhe secundário. — Você quer saber quem traiu seu pai? Tudo bem. Mas a verdade não vai te trazer paz.
Ramirez pegou um dos papéis na mesa e o entregou a Vicente. Era uma foto, em preto e branco, mostrando Santiago ao lado de um homem desconhecido. Ao fundo, um símbolo que Vicente não reconhecia.
— Esse homem é quem você deve procurar. Ele era o contato mais próximo do seu pai. E, se não me engano, ele ainda está vivo.
Vicente observou a imagem com atenção, o coração acelerando enquanto tentava entender o que estava vendo. O homem na foto parecia familiar de alguma forma, mas ele não conseguia identificar de imediato. O símbolo, por outro lado, lhe era completamente estranho.
— Quem é ele? — perguntou Vicente, sua voz mais baixa, tentando controlar a raiva que começava a subir.
Ramirez abriu um sorriso frio. — Alguém que sabia demais. E alguém que pode saber por que seu pai foi eliminado. Mas se você acha que vai encontrar respostas fáceis, eu te dou um conselho: desista agora. A verdade sobre Santiago pode te destruir.
A Armadilha se Fecha
Antes que Vicente pudesse perguntar mais, o som de pneus derrapando no asfalto do lado de fora chamou a atenção de todos. Ernesto correu até a janela, olhando para a rua. — Temos companhia.
Ramirez suspirou, como se já esperasse por aquilo. — Parece que nosso tempo acabou.
Maria Augusta puxou Vicente pelo braço, seus olhos alarmados. — Precisamos sair daqui!
Mas Ramirez balançou a cabeça. — Não tão rápido. Eles já sabem que você está aqui. Se tentar fugir, será caçado como um rato.
Vicente olhou para Ernesto, que já sacava sua arma. — Então, o que sugere?
Ramirez abriu um sorriso enigmático. — Sugiro que mostre a eles quem você realmente é.
O barulho de passos invadindo o andar de baixo ecoou pelo prédio. Ernesto atirou primeiro, acertando um dos atacantes, enquanto Vicente puxava Maria Augusta para se proteger atrás de uma pilha de caixas velhas.
O som dos tiros era ensurdecedor, e a adrenalina corria pelas veias de Vicente. Ele sabia que precisava agir rápido. Com um olhar determinado, ele pegou uma arma que Ernesto havia deixado para ele mais cedo e disparou contra os agressores, conseguindo abrir caminho.
Ernesto gritou: — Para o carro, rápido!
Vicente e Maria Augusta correram, enquanto Ernesto cobria a retaguarda. Quando finalmente chegaram ao veículo, Ernesto acelerou antes que as portas fossem fechadas. O motor do carro rugiu, e eles fugiram pelas ruas desertas, mas os sons dos tiros ainda pareciam ressoar no ar.
O silêncio no carro era cortante. Maria Augusta segurava o braço de Vicente com força, tentando controlar a respiração. Seus olhos estavam fixos no horizonte, mas o medo estava claro em seu rosto. Ernesto, com os olhos fixos na estrada, murmurou: — Isso foi apenas o começo.
Vicente olhou para a foto que Ramirez havia dado a ele, agora amassada em suas mãos. Ele sabia que estava entrando em águas profundas, mas uma coisa era certa: não havia mais volta. Tudo o que ele sabia até agora parecia uma mentira, e ele estava pronto para descobrir mais, por mais perigoso que fosse.
Ele olhou para a mãe, que agora parecia mais cansada do que nunca, e pensou no que ela teria passado todos esses anos, mantendo os segredos de Santiago. Mas agora, não havia mais espaço para segredos. Ele precisava da verdade, custasse o que custasse.