O ar era pesado dentro do quarto simples no hotel de beira de estrada em que estavam hospedados. Vicente Montenegro, sentado na beirada da cama, olhava fixamente para o chão, as mãos entrelaçadas. O silêncio era quebrado apenas pelo som distante de carros passando pela rodovia. Sua mãe, Maria Augusta, permanecia na poltrona ao lado, os olhos fixos na janela. Ernesto, de braços cruzados no corredor, parecia impaciente, andando de um lado para o outro enquanto aguardava.
Os últimos dias haviam sido um turbilhão. Desde que haviam chegado aos Estados Unidos, Vicente sentia como se estivesse entrando em um território desconhecido, cheio de armadilhas invisíveis. Ele sabia que as decisões tomadas ali moldariam não apenas o presente, mas também o futuro de sua família.
Maria Augusta finalmente quebrou o silêncio, sua voz calma, mas carregada de preocupação:
— Vicente, você precisa decidir. Essa vida... Não foi para isso que eu lutei todos esses anos.
Vicente ergueu o olhar para ela. Havia um brilho em seus olhos, algo entre dúvida e determinação.
— Mãe, você me criou para ser forte, para enfrentar as dificuldades de cabeça erguida. Como posso virar as costas agora? Se eu não fizer algo, todo esse legado vai nos destruir.
— Esse "legado" não é seu, Vicente. É do seu pai. Ele escolheu essa vida, e eu lutei para te afastar dela. — Maria Augusta hesitou, como se as palavras lhe queimassem na garganta. — Eu enterrei Santiago uma vez. Não quero enterrar meu filho.
Vicente sentiu um peso no peito, mas antes que pudesse responder, Ernesto entrou no quarto. Sua expressão era séria, quase sombria.
— Desculpem interromper, mas precisamos nos apressar. Recebi informações de que algumas pessoas já sabem que o "filho de Santiago" está de volta. Não vão esperar para agir.
Vicente levantou-se imediatamente, os punhos cerrados.
— Então chegou a hora. Não vou recuar.
Maria Augusta segurou sua mão, o olhar firme.
— Se essa é a sua decisão, eu vou te apoiar. Mas saiba que vou fazer de tudo para te proteger, mesmo que isso signifique me colocar entre você e os perigos dessa vida.
Ernesto observava a cena, os olhos pesados de lembranças que não compartilhava.
— Muito bem, Vicente. Mas antes de avançarmos, você precisa entender algo: isso não é apenas sobre vingança ou poder. Você terá que decidir que tipo de homem quer ser.
Vicente encarou Ernesto, as palavras pesando como um juramento.
— Quero respostas. Quero saber quem traiu meu pai, por que fizeram isso e qual era o objetivo deles. Não quero construir um império de medo, mas também não vou deixar que pisem na nossa história.
Ernesto assentiu e entregou um envelope a Vicente.
— Este é o próximo passo. Um dos antigos aliados de Santiago está esperando por você. Ele pode te contar coisas que ninguém mais sabe. Mas cuidado: ele é perigoso e não confia em ninguém.
Vicente pegou o envelope e olhou para Maria Augusta.
— Você está comigo?
Ela respirou fundo, assentindo.
— Sempre estarei.
No Encontro com o Desconhecido
Os três saíram do hotel e seguiram em silêncio no carro de Ernesto, um sedã antigo, mas ainda imponente. A cidade à noite parecia um labirinto de luzes e sombras. Vicente notava como Ernesto dirigia com cautela, os olhos atentos aos retrovisores. Era como se ele esperasse um ataque a qualquer momento.
— Para onde estamos indo? — Vicente perguntou, quebrando o silêncio.
— Um bar discreto no centro. O homem que vamos encontrar é chamado Ramirez. Ele foi braço direito de Santiago por anos, mas algo mudou antes da queda do seu pai. Nunca soube se ele foi leal até o fim ou se o traiu. — Ernesto deu um sorriso irônico. — Não que você vá saber de imediato. Ele é mestre em esconder suas intenções.
Maria Augusta parecia desconfortável, e sua mão apertou o ombro de Vicente.
— Não confie em ninguém, meu filho. Ninguém.
Ao chegarem ao bar, Vicente percebeu que o lugar era diferente do que esperava. O ambiente era discreto, com uma iluminação fraca que parecia projetar mais sombras do que luz. Um cheiro de cigarro pairava no ar, misturado ao som baixo de música latina.
No canto mais escuro, um homem de terno barato, mas bem ajustado, observava calmamente. Seus olhos eram como duas lâminas, analisando Vicente assim que ele entrou. Ramirez.
Ernesto fez sinal para Vicente e Maria Augusta o seguirem, enquanto caminhava em direção ao homem. Ramirez levantou-se, abrindo um sorriso frio.
— Então este é o herdeiro de Santiago. Você se parece mais com ele do que eu esperava.
Vicente não respondeu de imediato. Sentou-se à mesa, sua mãe ao lado, e encarou Ramirez.
— Você sabia quem meu pai era. Quero saber quem o traiu.
Ramirez riu baixo, pegando um copo de uísque.
— Tão direto. Gosto disso. Mas vou te dizer uma coisa, garoto: nesse mundo, todo mundo trai. A pergunta é: quem ganhou mais com a queda de Santiago?
Vicente se inclinou para frente, os olhos fixos nos de Ramirez.
— Você?
Ramirez gargalhou.
— Eu? Não. Se tivesse sido eu, estaria muito mais rico e longe daqui. Não, garoto. Quem se beneficiou foi alguém muito acima na cadeia de poder. Alguém que queria não apenas tirar Santiago do caminho, mas apagar o nome dele da história.
Maria Augusta interrompeu, a voz afiada:
— Se sabe tanto, por que está aqui? Por que não fugiu como todos os outros?
Ramirez pousou o copo com força na mesa, seu sorriso desaparecendo.
— Porque, senhora, eu quero o mesmo que seu filho: justiça.
Vicente o encarou, avaliando cada palavra.
— E por que eu deveria acreditar em você?
Ramirez inclinou-se, o rosto agora sério.
— Porque, se não fizer isso, vai morrer sem saber a verdade.
O silêncio pairou sobre a mesa. Ernesto permaneceu em pé, alerta, enquanto Vicente absorvia as palavras de Ramirez. Ele sabia que aquele homem era perigoso, mas algo em seus olhos dizia que ele falava a verdade.
Ramirez se levantou, jogando uma nota sobre a mesa.
— Tenho algo que pode te interessar. Mas não aqui. Me encontre amanhã, no depósito abandonado na periferia. Lá, talvez você descubra o que realmente aconteceu com seu pai.
Vicente o observou sair, as palavras ecoando em sua mente. Não sabia se estava mais perto ou mais longe da verdade, mas uma coisa era certa: o caminho que escolheu não tinha volta.
Um Aviso Sombrio
Quando voltaram ao hotel, Ernesto parecia mais tenso do que antes.
— Ramirez não é confiável, mas é esperto. Se ele disse para ir ao depósito, é porque quer algo de você.
— Eu sei. — Vicente respondeu, sua voz firme. — Mas eu vou.
Maria Augusta colocou a mão no ombro do filho.
— Só prometa que não vai esquecer quem você é.
Vicente a encarou, o olhar determinado.
— Eu sou um Montenegro, mãe. E vou provar que podemos ser mais do que um nome cercado de medo e traição.
Naquela noite, enquanto o sono resistia em chegar, Vicente sabia que estava entrando em um território ainda mais perigoso. Mas a promessa de respostas o impulsionava.
No fundo, ele sabia que o encontro no depósito poderia ser uma armadilha. Mas, como Ernesto havia dito, às vezes era necessário entrar na toca do lobo para entender o que realmente se passava no mundo das sombras. Vicente estava pronto para isso.