O carro deslizava pela estrada escura, rompendo o silêncio com o som ritmado dos pneus no asfalto e o leve ronco do motor. Vicente Montenegro mantinha o olhar preso à janela, enquanto a paisagem noturna se transformava em borrões indistintos. Sua mente fervilhava em um turbilhão de pensamentos. Era como se cada quilômetro percorrido o afastasse de uma vida simples e o aproximasse de um destino que ele mal compreendia.
Maria Augusta, sentada ao lado dele, parecia igualmente inquieta. De tempos em tempos, lançava olhares furtivos na direção do filho, mas não encontrava coragem para dizer nada. Ernesto, ao volante, mantinha a expressão dura, os olhos fixos na estrada.
Por fim, ele quebrou o silêncio, sem desviar os olhos do caminho:
— Vamos chegar ao aeroporto em uma hora. De lá, embarcamos para Nova York.
Maria Augusta descruzou os braços, um gesto que parecia mais de nervosismo do que de descontração.
— Você acredita mesmo que voltar aos Estados Unidos é uma boa ideia? Não acha que estamos arriscando demais?
Ernesto respondeu com um leve tom de impaciência, mas sua voz era firme.
— Esse é o único caminho seguro. Os inimigos de Santiago nunca imaginariam que o filho dele voltaria ao lugar onde tudo aconteceu.
Vicente, até então quieto, virou-se para Ernesto, os olhos carregados de dúvida.
— Mas como você pode ter tanta certeza disso? Até agora, você só falou em enigmas. Quero entender exatamente o que meu pai fazia e por que isso importa tanto.
Ernesto apertou o volante com mais força, como se as memórias que carregava fossem pesadas demais para serem ditas em voz alta. Após um longo momento de hesitação, ele respondeu:
— Santiago era mais do que um mafioso, Vicente. Ele era um estrategista. O cérebro por trás de uma das organizações mais temidas dos Estados Unidos. Contrabando, lavagem de dinheiro, suborno... Ele tinha influência em todos os lugares que importavam.
Vicente sentiu o ar escapar de seus pulmões. A magnitude daquela revelação o atingiu como um soco no estômago. Seu pai não era apenas um homem perigoso, era um arquiteto do crime. Ele se virou para a mãe, tentando encontrar algum tipo de resposta ou consolo, mas ela parecia perdida em seus próprios pensamentos.
Finalmente, Maria Augusta falou, sua voz embargada pela emoção:
— Santiago era perigoso, Vicente. Eu tentei te proteger desse mundo porque sabia do que ele era capaz. Não foi fácil criar você sozinha, mas foi a única escolha que fazia sentido.
Vicente abaixou a cabeça, digerindo aquelas palavras. Quando levantou o olhar, sua voz estava mais calma, mas carregava uma determinação recém-descoberta:
— Eu entendo, mãe. Não vou dizer que foi fácil crescer sem saber quem eu era de verdade, mas agora que sei... Não posso fugir disso.
Ernesto soltou um leve sorriso, quase aprovador.
— Essa é a atitude certa, garoto. Mas saiba que essa escolha tem um preço. O que vem pela frente será mais difícil do que você imagina.
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Chegada a Nova York
O trio desembarcou no aeroporto JFK nas primeiras horas da manhã. Ernesto, sempre atento, guiou Vicente e Maria Augusta até um sedan preto estacionado em uma área discreta.
— Vamos para um lugar seguro primeiro, — disse Ernesto enquanto colocava o carro em movimento.
Nova York parecia uma cidade de outro mundo para Vicente. Arranha-céus se erguiam como guardiões imponentes, enquanto as ruas fervilhavam de táxis amarelos e pedestres apressados. Vicente olhava para tudo com fascinação, mas havia algo de inquietante naquele lugar.
— Essa cidade... parece tão cheia de histórias, — murmurou ele.
Ernesto lançou um olhar rápido pelo retrovisor.
— Cheia de histórias e cheia de perigos. O legado do seu pai está enterrado em cada esquina.
Maria Augusta suspirou, cruzando os braços novamente.
— E por que você acha que é uma boa ideia trazer o Vicente para cá? Já não basta o que aconteceu no passado?
Ernesto manteve o tom calmo, mas sua voz tinha um peso que não podia ser ignorado.
— Porque, Maria Augusta, o passado não fica enterrado para sempre. Mais cedo ou mais tarde, ele encontra um jeito de vir à tona. Melhor enfrentarmos isso de frente.
Eles chegaram a um armazém antigo no Brooklyn, com paredes desgastadas e janelas quebradas. A fachada despretensiosa escondia algo muito maior. Ernesto destrancou uma porta pesada e conduziu os dois por um corredor escuro, até chegarem a uma sala ampla e surpreendentemente bem equipada.
Mapas detalhados cobriam as paredes, enquanto pastas e computadores modernos ocupavam a maior parte do espaço. Vicente ficou boquiaberto.
— O que é este lugar? — perguntou ele, a voz carregada de curiosidade.
Ernesto caminhou até uma mesa no centro da sala e apontou para um mapa aberto.
— Esta era a base de operações de Santiago. Aqui, ele planejava tudo. É onde você começará a entender quem ele realmente era.
Maria Augusta colocou a mão no ombro de Vicente, seu toque hesitante.
— Vicente, por favor, tome cuidado. A verdade nem sempre é um caminho seguro.
Vicente olhou para ela com determinação.
— Talvez não seja, mãe. Mas eu preciso saber quem eu sou e o que meu pai deixou para trás.
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Nas Sombras da Cidade
Do outro lado de Nova York, em uma sala luxuosa cercada por vidros, um homem robusto colocou fotos sobre uma mesa. Ele apontou para uma imagem em que Ernesto, Vicente e Maria Augusta desembarcavam no aeroporto.
— Eles chegaram. Ernesto trouxe o garoto com ele.
O homem sentado à mesa, de terno elegante e cicatriz no rosto, estudou as fotos por um longo momento antes de responder:
— Vicente Montenegro... Finalmente. O filho de Santiago.
— O que devemos fazer? — perguntou o homem robusto.
O homem de terno sorriu, mas era um sorriso frio, sem humor.
— Por enquanto, nada. Vamos observar. Se ele for como o pai, acabará vindo até nós.