Vicente Montenegro sentia o peso das revelações como uma âncora amarrada aos pés. Sentado na varanda da casa simples, onde passou toda sua vida, ele olhava para o horizonte sem realmente enxergar. Os últimos dias tinham sido uma montanha-russa emocional desde o encontro inesperado com Ernesto, o homem que lhe trouxe as notícias mais perturbadoras que já ouvira. E agora, lá estava ele, parado à sua frente, com uma expressão enigmática.
— Vicente, você precisa entender que eu não vim aqui para te trazer dor — começou Ernesto, tentando quebrar o silêncio. — Mas para te dar a chance de saber a verdade.
— A verdade? — Vicente rebateu, com um tom amargo. — A verdade que você me apresentou foi como um soco no estômago. Passei minha vida inteira achando que meu pai era apenas uma memória vaga e agora descubro que ele era... — Vicente parou, como se as palavras lhe escapassem.
— ...um dos mafiosos mais temidos dos Estados Unidos — completou Ernesto. — Sim, é uma verdade difícil de engolir. Eu mesmo custei a acreditar quando soube.
Vicente o encarou. Tentava entender quem era aquele homem e qual era seu verdadeiro interesse. Ele não parecia um inimigo, mas também não parecia estar ali apenas por altruísmo.
— E por que você veio até mim agora, Ernesto? Por que revelar isso agora e não anos atrás?
Ernesto suspirou, tirou um cigarro do bolso e o acendeu. Ele exalou a fumaça lentamente, como se estivesse ganhando tempo para encontrar as palavras certas.
— Porque você estava seguro aqui, na fazenda, longe de tudo. Mas as coisas mudaram, Vicente. Os antigos aliados do seu pai, aqueles que respeitavam o nome Montenegro, estão morrendo ou desaparecendo. E os novos, bem... esses não têm a mesma honra. Eles sabem de você. Sabem que Santiago Montenegro teve um filho. E vão vir atrás de você.
— Atrás de mim? — Vicente balançou a cabeça em incredulidade. — Eu sou apenas um fazendeiro, Ernesto! O que essas pessoas querem comigo?
— Querem poder — respondeu Ernesto, direto. — E você, sendo filho de quem é, carrega o legado de poder do seu pai. Mesmo que não tenha consciência disso.
Maria Augusta, que estava ouvindo a conversa da porta, deu um passo à frente, surpreendendo Ernesto e Vicente. Ela olhou para o filho, e em seus olhos havia um misto de tristeza e determinação.
— Eu sabia que esse dia chegaria — disse ela, com a voz firme. — Não importa o quanto eu tenha tentado protegê-lo desse mundo, Vicente. Não dá mais para fugir.
Vicente se levantou, claramente agitado.
— Mãe, você sabia sobre isso? Sobre o que meu pai era?
— Eu sabia o suficiente para querer mantê-lo longe dessa vida, meu filho. — Maria Augusta suspirou. — Mas agora que isso veio até nós, não podemos mais evitar.
Ernesto apagou o cigarro e assentiu para Maria Augusta.
— Se a senhora estiver disposta a vir conosco, posso garantir que terá as respostas que procura. Mas não será um caminho fácil.
— Eu vou com vocês — afirmou ela. — Não vou deixar meu filho enfrentar isso sozinho.
Vicente olhou para sua mãe, surpreso e comovido pela determinação dela. Ele sabia que aquela decisão era difícil para ela, mas também sabia que não poderia fazer essa jornada sozinho.
— Então vamos juntos — disse Vicente, aceitando o inevitável.
Os três se encaminharam para o carro de Ernesto, um sedã preto estacionado na estrada de terra. Vicente lançou um último olhar para a fazenda, sentindo o peso do que deixavam para trás.
— Ernesto, me diga uma coisa — Vicente interrompeu o silêncio enquanto caminhavam. — Como você conheceu meu pai? Você fazia parte da organização dele?
Ernesto soltou um riso breve, mas sem humor.
— Conhecer Santiago Montenegro foi quase inevitável para alguém como eu. Nos anos 80, eu era apenas um jovem ambicioso, tentando encontrar meu lugar num mundo onde o poder era decidido por homens como seu pai. — Ele abriu a porta do carro, fazendo um gesto para Vicente e Maria Augusta entrarem. — Eu não fazia parte diretamente da organização dele, mas estava próximo o suficiente para saber o que estava acontecendo.
— Então, você era um informante? Um aliado? — Vicente perguntou, ainda tentando decifrar o papel de Ernesto.
— Eu era o que se chama de "peão no tabuleiro", Vicente. Um dos muitos que tentavam sobreviver naquele jogo. Mas o que me diferenciava era a lealdade que demonstrei a seu pai. Santiago viu algo em mim que outros não viram. E, por isso, confiou em mim em momentos críticos.
Maria Augusta, sentada no banco de trás, observava Ernesto atentamente, como se tentasse enxergar através dele.
— E você realmente achou que poderia manter Vicente fora disso por tanto tempo? — ela perguntou.
— Eu não vim até vocês por acaso — respondeu Ernesto. — Eu fiz uma promessa a Santiago. E também sabia que, eventualmente, Vicente precisaria fazer escolhas. Escolhas que poderiam definir o futuro de muitos.
— E por que ele confiou em você? — Vicente insistiu. — O que fez você ganhar essa confiança?
Ernesto sorriu de lado, olhando para a estrada à sua frente.
— Eu o salvei uma vez, de uma emboscada. Alguns rivais tentaram tirar Santiago do jogo. E, naquele dia, ele entendeu que eu preferia ficar ao lado dele do que me vender para os inimigos. Essa foi a nossa conexão. Não era apenas uma questão de negócios; havia respeito.
— Para onde estamos indo? — Vicente perguntou, tentando mudar de assunto.
— Primeiro, para um local seguro. Depois, vou te apresentar a algumas pessoas que podem te ajudar a entender melhor o legado de Santiago.
Maria Augusta assentiu em silêncio. Apesar de tudo, ela sabia que o destino de Vicente estava entrelaçado com o do pai, e agora ela estava determinada a protegê-lo, custe o que custar.
O carro seguiu pela estrada sinuosa, deixando para trás a simplicidade da fazenda e adentrando um cenário urbano. Vicente observou as paisagens mudarem, enquanto um turbilhão de pensamentos o invadia.
— Você acha que eu vou conseguir sair disso? — ele perguntou de repente.
Ernesto apertou os lábios antes de responder.
— Vicente, uma vez que você cruza essa linha, é difícil voltar atrás. Fugir seria apenas adiar o inevitável.
Maria Augusta colocou a mão no ombro do filho, oferecendo-lhe conforto.
— Nós estamos juntos nisso, meu filho. Seja qual for o caminho à nossa frente, enfrentaremos juntos.
Os três seguiram em direção ao desconhecido, onde o passado e o futuro colidiriam, e onde Vicente descobriria quem realmente era e quem poderia se tornar.