Cássia foi adorável quando seu rubor se intensificou, abraçando os joelhos contra o peito e escondendo o sorriso tímido.
"Foi um prazer", ela murmurou, quase sem jeito.
Ouvi uma risadinha de mim mesmo e cantarolei uma melodia, outra que surgiu sem aviso.
Permanecemos próximos, a atmosfera leve — ou pelo menos parecia; minha pele já não carrega uma cor natural de vigor, mas o tom moreno ainda disfarça bem qualquer timidez.
"..."
"..."
Enquanto Cássia abraçava os joelhos, sua expressão começara a mudar: o rubor e o sorriso deram lugar a algo mais distante. Depois, perdeu-se em pensamentos, até que um tremor quase imperceptível atravessou seus lábios, deixando-a pálida e temerosa.
Desviei os olhos para o céu, agora tingido de um cinza profundo, opaco.
"Aria... eu tive mais visões do que contei a vocês", disse ela, rompendo o silêncio, a voz baixa e rouca.
Fechei os olhos, deixando escapar um suspiro quase preguiçoso.
"E você tem medo de que, ao contar, acabe transformando essas visões em realidade", concluí, meu tom refletindo o peso que ela carregava.
Cássia riu, um som frágil, que logo se dissipou. Seu sorriso era bonito, mas havia uma melancolia ali que era impossível ignorar.
"Sabe, Cás..." Olhei para ela, observando o contraste entre sua fragilidade aparente e a força que ainda transparecia.
"A verdade pode ser dolorosa; o conhecimento, um fardo. E, embora o esquecimento tenha o poder de libertar, renascer... renascer sempre carrega sua própria dor."
Deixei o silêncio me guiar por um segundo.
"Alguns vão te culpar por não revelar o que sabe. Outros, pelas escolhas que fizeram com o que você revelou."
Toquei seu ombro com gentileza, falando em um tom mais descontraído:
"Mas, se quiser, estou aqui para ouvir. Talvez isso torne as coisas mais suportáveis."
Cássia, em resposta, levou uma das mãos sobre a minha, ainda em seu ombro... Logo, inclinou o rosto em direção ao meu, como se procurasse encontrar meu olhar na escuridão.
E então, sorriu.
Não havia nada de tímido ou melancólico naquele sorriso — era genuíno, doce, e tão encantador que quase doeu.
— thum-thum.
"Entendo. Sim." Algo imperceptível nela pareceu mudar. "Isso é justo... Obrigada, Aria."
***
Mais tarde naquela noite, Sunless continuava a praticar com a espada sob o olhar atento de Nephis.
Meu conhecimento em esgrima vinha do Primeiro Eu, que, certamente, praticava apenas por esporte — se é que ele já teve algum oponente. Assim, deixei que a especialista em assassinato assumisse. Diferentemente do [Prisma Imaculado], meu novo Defeito não me compeliria a me intrometer em tudo.
Nephis destacou algo importante para Sunless: a sobrevivência do mais adaptável, não do mais forte. Disse que a espada era conhecida como a rainha das armas, justamente por ser a mais prática na maioria das situações. Porém, enfatizou que o portador, e não a arma, era a verdadeira força.
Enquanto eles praticavam, o sol desaparecia lentamente no horizonte, pintando o céu de vermelho e laranja. Sentado próximo, observei em silêncio. Compartilhar o silêncio com boa companhia sempre me agradou – não me julguem.
Quando a noite caiu, o mar começou a retornar. As ondas escuras inundavam o labirinto carmesim, enquanto carcaceiros corriam para encontrar um esconderijo. Alguns escalavam os penhascos na esperança de passar a noite em segurança na ilha.
Sunless notou o movimento. Sua sombra estava alerta.
"Teremos visitantes em breve", disse ele, desanimado com a perspectiva de ter o descanso interrompido.
Nephis suspirou, mas ainda respondeu com firmeza:
"Tudo bem. Com a vantagem do terreno elevado, lidar com eles não será muito difícil."
Levantei-me, aproximando-me da borda. Sunless lançou-me um breve olhar antes de voltar a atenção ao pôr do sol.
No entanto, seu humor logo tornou-se visivelmente feio.
A dúvida ergueu sua cabeça, mergulhando-o em ansiedade.
Depois de hesitar, perguntou:
"Você acha que conseguiremos chegar àquele castelo?"
Nephis o encarou sem expressão particular.
"Sim."
Sunless virou-se para ela, forçando um sorriso.
"Por que você tem tanta certeza?"
Silenciosamente, invoquei meu arco e o aprimorei com a geada da alma.
O longo arco de madeira, antes simples, foi envolvido por cristal branco-acinzentado que se espalhou em arabescos, quase como vinhas congeladas. O ar ao redor se condensava sob o frio intenso, formando flocos de neve iridescentes.
'Isso vai ser divertido', pensei, enquanto tomava posição e puxava a corda do arco até a altura da minha orelha. A madeira e o cristal rangeram em uma melodia calmante enquanto a essência onírica se condensava, formando uma flecha de cristal gélido.
Nephis desviou seu olhar do oeste para mim brevemente. Sob o brilho vermelho-sangue do crepúsculo, seus olhos calmos pareciam arder com fogo celestial.
"Se essa é a nossa vontade", respondeu, "quem ousa nos impedir?"
O primeiro disparo não foi tão preciso quanto era realizado com o suporte do [Caleidoscópio].
Contudo, a geada compensou com puro poder destrutivo.
A flecha perfurou a armadura da criatura e se alojou em sua massa cerebral. A dor excruciante congelou e arruinou o carcaceiro de dentro para fora.
[Você matou uma besta desperta, Carcaceiro da Legião.]
[Sua alma resplandece mais forte.]
No crepúsculo, Sunless e Nephis não precisaram se mover.
Recebi dez fragmentos oníricos praticamente de graça. Infelizmente, os fragmentos de alma não puderam ser recuperados.
***
Nós passamos mais um dia nos penhascos, descansando e treinando.
Sunless continuou com a espada enquanto sua sombra explorava o labirinto.
Cássia manteve sua usual alegria, mas algo nela parecia diferente, mais determinado.
Eu apenas observava, sem identificar exatamente o que havia mudado.
Espero que não dê ruim.
Nephis meditou.
De tempos em tempos, um leve brilho branco parecia emanar de suas pálpebras fechadas, desaparecendo quando alguém se aproximava.
Ela treinava para suportar a dor de seu Defeito.
Era lamentável como o mundo podia ser cruel com alguém.
Imagino que, se ela não tivesse que suportar seus tormentos, poderia ser uma pessoa mais agradável, como sua mãe – Smile of Heaven – fora.
---
Enquanto conversávamos, Sunless relembrou histórias da Academia e de nosso professor Julius, incluindo suas aulas estranhas sobre línguas mortas do Reino dos Sonhos. Cássia reagiu com protestos semelhantes aos de Sunless na época, mas no fim sorriu, vencida pela curiosidade.
Quando a noite caiu, nenhum carcaceiro tentou escalar os penhascos.
Sugeri que eu e a sombra de Sunless cuidássemos da vigília, permitindo que os outros descansassem. Eles relutaram, mas aceitaram.
***
No céu noturno...
Um sol resplandecia com uma luz branca e fosca, cercado por um halo que se formava diante dele.
O Mar da Alma era cristalino, e uma névoa branca-acinzentada, composta por micro cristais gélidos e diamantinos, permeava o ambiente.
Cinco cristais dourados iridescentes orbitavam o sol branco fosco — Relíquias Imaginárias. Três deles eram efêmeros, sua presença oscilando sem substancia suficiente.
Três esferas de luz flutuavam sobre as águas — Memórias.
Mil e trinta reflexos de cristais dourados iridescentes brilhavam sutilmente ao longo do fundo profundo das águas, em vez de qualquer outro reflexo.
"Que lugar fantástico", admirei para mim mesmo. "Sinceramente, só por estar aqui, minha alma entediada encontra calma."
'Essa paisagem tranquila tem um ar de 'Dark Souls'... Tanto que quase sinto falta da música que os cenários nunca tiveram.' Estendi a mão em direção a uma Memória específica. 'Será que consigo adicionar uma trilha sonora?'
As runas que descreviam a Memórias surgiram para mim:
Classificação da Memória: Dormente.
Nível da Memória: I.
Tipo da Memória: Arma.
Descrição da Memória: [Um arco longo simples, forjado com sabedoria, que representa transformação.]
Encantamentos de Memória: [Arco Infinito].
[Arco Infinito].
Descrição do Encantamento: [O arco cria projéteis de energia pura, sem necessidade de flechas físicas, utilizando a essência da alma do portador.]
"Olá, Sem Nome. Não sei como não liguei o surgimento dessa Memória à sua morte antes", falava ao arco em minhas mãos.
"Desafiei o mesmo Pesadelo que Nephis e, como ela, eliminei apenas uma criatura, mas acordei com duas Memórias. Era bastante intuitivo que sua origem fosse a mesma da Lâmina dos Sonhos, que Nephis recebeu ao matar a si mesma para escapar do sonho em que a Tecelã a mantinha presa."
"Quando você se sacrificou, eu despertei do casulo, empunhando sua Memória: 'Arco da Maturidade de Ariandel'."
"Acredito, com certeza, que foi o nosso Atributo Inato que possibilitou sua sobrevivência após ser digerido pelo Terror. Você conseguiu recuperar os fragmentos do Primeiro Eu da névoa do nada, fundiu-se a ele e teceu a mim."
Apertei o arco com mãos trêmulas, sentindo o peso dele e de tudo o que representava.
"O que eu deveria te dizer?"
***
Ao amanhecer, comeram o último pedaço da carne do centurião e se prepararam para descer ao labirinto novamente.
Era hora de continuar a jornada para o oeste – cautelosos, mas determinados a alcançar a cidadela misteriosa.