Ariandel moldou o sorriso habitual em seu rosto hierático. Nephis manteve a expressão ilegível de sempre, enquanto Cássia abraçava os joelhos contra o peito, o semblante carregado de apreensão, sem o brilho costumeiro.
O silêncio pairou por um momento até que Sunny riu, balançando a cabeça em descrença.
"Vocês dois são loucos, completamente loucos! Estamos falando de um demônio desperto, certo? Esqueceram que somos apenas Adormecidos?"
O sorriso de Ode to the Ruined se desvaneceu aos poucos, dando lugar a uma calma fria e orgulhosa.
"Já me fiz essa mesma pergunta."
Sua voz, profunda e suave, era quase melódica e parecia envolver o ambiente.
"Um órfão da periferia, preso em um sonho, dentro de um Pesadelo, aprisionado por um terror desperto. Foi nisso que acreditei enquanto vivia uma ilusão que, inexplicavelmente, me sufocava."
Sunny sentia o peso da presença dele. Nephis o observava com olhos insondáveis, e Cássia parecia ainda mais frágil em seu silêncio apreensivo.
"Matei a mim mesmo e — sem saber quem eu realmente era, movido apenas pela vontade teimosa de quem fui — enfrentei a criatura abominável que havia devorado minhas lembranças... então, eu despertei ao seu lado, Sunny. Naquela cela fria, sentenciado a ser enviado para outro inferno em apenas um mês."
Ele fez uma pausa, inalando profundamente antes de exalar devagar.
"É este mundo que enlouqueceu, meu amigo... Eu sou apenas um reflexo dessa irrealidade sombria."
'Entendo.' Sunny pensou. 'Então foi um terror desperto.'
Ainda intimidado pela intensidade da resolução de Ariandel, ele não conseguiu evitar um protesto — mais por princípio do que por convicção.
"Mas aquela coisa… é gigantesca! Tão alta que você nem vai conseguir tocá-la com a espada! O que faremos, pedir educadamente para o desgraçado se abaixar ao nosso nível?"
Nephis franziu a testa, lançando-lhe um olhar de desagrado.
"É apenas um—"
"—demônio desperto, eu sei!" Sunny resmungou.
Suspirou, balançando a cabeça em frustração. Conversar com eles era como tentar argumentar com estátuas de pedra.
A mente de Ode de Esperança aos Arruinados e de Estrela da Mudança sempre o intrigaram. Sunny sabia que algo profundo e sombrio se escondia por trás de seus exteriores — um agradável, o outro radiante. Ninguém suportaria tanto, lutaria tanto, a menos que fosse perseguido por seus próprios demônios. Ele sabia disso por experiência.
E olhando para Ariandel e Nephis, ele percebia que seus demônios pessoais eram ainda mais terríveis do que qualquer monstro que já enfrentaram. Talvez até mais terríveis do que o próprio Demônio da Carapaça.
Mas por que estavam tão obcecados em encontrar aquele maldito castelo humano? Por que a necessidade de retornar à realidade parecia ser ainda mais forte do que qualquer outra coisa?
Sunny não entendia.
Seu desejo ardente de voltar e colher o que o mundo lhe devia era algo tão intenso que faria qualquer um estremecer. Mas, o que poderia ser mais importante do que a vida? O que restaria se perdessem a vida no processo?
Ele olhou diretamente nos olhos de Ariandel e perguntou:
"Quando decidimos lutar contra o Centurião da Carapaça, foi porque não tínhamos escolha. Estávamos encurralados. Mas agora? Não podemos simplesmente evitar o Túmulo Cinzento?"
A expressão de Ode to the Ruined se suavizou, retornando à sua habitual acessibilidade.
"Podemos seguir por este caminho, o único que temos para o oeste, ou vagar como peregrinos por este deserto..."
Ele piscou.
"... e eu nunca falei sobre lutar diretamente contra o Demônio."
Sunny riu.
"É verdade, admito."
Quando a risada se dissipou, ele enxugou os olhos e perguntou, mais calmo:
"Então, qual é o seu ponto?"
Ariandel deixava o pingente de prata na extremidade de sua longa trança escorregar entre os dedos.
"Se a criatura é tão senciente quanto você observou, ela pode ser sujeita a ilusões ou outros enganos. Não pretendo enfrentá-la justamente."
Nephis refletiu sobre isso e então levantou uma sobrancelha.
"Você tem um plano?"
Ariandel balançou a cabeça.
"Ainda não completamente. Vou pensar mais sobre isso. Mas há algo que eu já sei com certeza."
Sunny olhou para ele, curioso.
"O que é?"
Ariandel fez um gesto suave com a mão, tocando o cabelo de Cássia, que permanecia em silêncio. Seus olhos contemplavam algo além.
"Não falharemos em alcançar aquele castelo... nem morreremos nesta Costa Esquecida."
Com uma calma quase opressiva, ele encerrou:
"Afinal, esse é o nosso destino."
***
Eles passaram mais uma noite tranquila dentro da espinha dorsal do leviatã morto. De todos os acampamentos que tiveram, aquele era, sem dúvida, o mais seguro.
Sunny até considerou sugerir a Ariandel que ficassem ali por um tempo — semanas, talvez meses, se necessário. Poderiam explorar a área com calma, caçar monstros e se fortalecer.
Então, depois de absorver centenas de fragmentos de alma, sombras — e seja lá o que quer que fortalecesse Ode to the Ruined — armados com dezenas de Memórias e, quem sabe, mais alguns Echos, eles teriam uma chance real contra o Demônio da Carapaça.
Porém... a Costa Esquecida era traiçoeira e imprevisível. Até então, eles haviam conseguido sobreviver, mas a sorte podia virar num piscar de olhos. Bastava um único erro, um encontro errado, um inimigo a mais do que pudessem lidar, e tudo estaria acabado.
Isso sem contar os horrores desconhecidos que espreitavam nas profundezas do mar escuro.
Cada dia adicional que passavam ali aumentava o risco de algo inevitável e fatal acontecer. Sua melhor esperança de sobrevivência era enfrentar o Demônio da Carapaça o quanto antes.
Talvez, ao derrotá-lo, finalmente avistassem as muralhas do castelo prometido.
Sunny revirou-se a noite toda, pensando na criatura colossal e observando Ariandel, que parecia moldar, pouco a pouco, a semente de um plano para matá-la.
Só perto da manhã conseguiu pegar no sono — e, meia hora depois, foi sacudido gentilmente por Cássia.
Sunny piscou, confuso, encarando a menina cega.
"O que foi?"
Ariandel fez um gesto para Nephis, chamando-a para perto. Cássia, um pouco pálida, reuniu coragem antes de falar:
"Tive outra visão. Uma visão sobre o Demônio da Carapaça..."
Sunny despertou de imediato. Sentando-se, esfregou os olhos e olhou para ela, atento.
Nephis aproximou-se e sentou ao lado deles, seu rosto mal visível na fraca luz do amanhecer.
"Passado ou futuro?"
Cássia hesitou por um instante, depois respondeu com mais firmeza:
"Passado. Tenho certeza."
Ariandel fez um gesto gentil, passando a mão sobre os ombros dela.
"Isso é bom. Então... o que você viu?"
Cássia inspirou fundo, aconchegando-se ligeiramente nele, e ficou em silêncio por alguns segundos, organizando seus pensamentos.
"Vi o Túmulo Cinzento em uma noite profunda, envolto por uma tempestade furiosa. Os ventos dobravam os galhos da grande árvore, como se desesperados para quebrá-los. Raios rasgavam o céu sem descanso, iluminando a ilha inteira com estrondos constantes. A chuva caía como uma inundação."
Ela fez uma pausa, recobrou o fôlego e continuou:
"O Demônio da Carapaça estava lá, parado no meio da tempestade como uma fortaleza inabalável de aço polido. Arcos de eletricidade dançavam entre os espinhos de sua armadura, mas ele nem parecia notar. Era exatamente como Sunny o descreveu… orgulhoso, sinistro e aterrorizante."
Cássia fechou os olhos.
"Quando olhei para ele, senti... um vazio. Uma corrupção antiga. Ele apenas observava a tempestade até que ela começasse a se dissipar. Os ventos enfraqueceram, a chuva parou. A grande árvore permaneceu intocada, tão magnífica quanto antes. Mas então, o último raio caiu do céu — e atingiu o chão ao lado dela."
Sunny franziu a testa, atento a qualquer informação útil.
'Então raios não o afetam? Droga. Com aquela carapaça de metal, eu quase achei que pudesse atraí-lo para debaixo da árvore durante uma tempestade.'
Enquanto isso, Cássia prosseguia:
"Os raios jamais teriam ferido o Demônio da Carapaça, muito menos a árvore milagrosa. Mas quando atingiu o chão, incendiou as folhas secas que cobriam a ilha. Logo, o fogo se espalhou, transformando o Túmulo Cinzento em um farol na escuridão."
Sunny se alertou, lembrando de algo.
No início de sua jornada na Costa Esquecida, as meninas haviam mencionado que a luz que ele vira da estátua do cavaleiro gigante fora feita por Nephis. E aquilo, ele soube depois, fora um erro.
Naquela terra, luz à noite atraía criaturas do mar escuro… que ninguém queria por perto.
'Então... que horror foi atraído desta vez?'
Cássia engoliu em seco.
"Quando as chamas começaram a diminuir, o mar se abriu e... uma coisa rastejou para fora. Uma massa imensa de ossos e carne podre, conectada por algas negras. Milhares de olhos horríveis brilhavam por baixo, e tentáculos se agitavam conforme ela avançava para a árvore."
Ela tremeu levemente, mas forçou-se a continuar:
"Era a coisa mais repulsiva que já vi. Mas parecia... lenta, pesada. Como se estar fora d'água a enfraquecesse. O Demônio da Carapaça não hesitou. Ele se lançou contra a criatura sem pensar duas vezes, ignorando o fato de que ela era pelo menos dez vezes maior que ele."
Nephis, que ouvira em silêncio até então, perguntou:
"Como ele sobreviveu?"
Cássia hesitou.
"Eu... não sei. Vi apenas o começo e o fim da batalha. Ao amanhecer, o Demônio da Carapaça rastejou de volta para a sombra da árvore. Estava gravemente ferido, com várias pernas decepadas e as foices cobertas por rachaduras. O fogo se apagara, e a criatura marinha… havia sumido."
Ela fez uma pausa antes de murmurar:
"Mas a pior ferida estava no peito. A armadura de aço do demônio havia sido fraturada, e um pedaço de seu coração pulsante estava exposto. Rios de sangue azul escorriam para a areia cinzenta. Ele se arrastou até a base da árvore e desabou entre as raízes."
Um silêncio caiu sobre o grupo.
Por fim, Ariandel foi o primeiro a quebrá-lo.
"Então ele não é impenetrável."
Sunny e Nephis se entreolharam. Ela perguntou:
"Como vai seu plano?"
Ariandel piscou, como se despertando de um devaneio. Ele olhou para os dois e sorriu.
"Eu já tinha uma ideia de como deveríamos proceder… mas a visão de Cássia me deu a confiança que faltava."
Sunny arqueou uma sobrancelha.
"É mesmo?"
Ele assentiu.
"É uma ideia meio estúpida, mas… às vezes, ser meio estúpido é ser mais sensato."
Nephis o encarou.
"O que vamos fazer?"
Ode to the Ruined sorriu, leve e destemido.
"Primeiramente..."