Então, como eu vou explicar que o meu Aspecto mudou? Quer dizer, isso simplesmente não deveria acontecer.
... Mas, pensando bem, quem disse que eu ligo para o que deveria ou não deveria acontecer? Lógica? Interessante, mas, na prática... bom, não faço questão de seguir regras muito rígidas.
E sobre ser enigmático? Olha, devo admitir, pode ser um pouco irritante até para mim.
Ah, espera. Melhor esclarecer algo antes que fique muito estranho.
Se, por acaso, você—seja lá quem for—está entendendo que estou falando com você, não é o caso. Isso aqui não é um diálogo. Não estou ciente de nenhuma plateia invisível, e definitivamente não sou um personagem de uma história escrita por alguém entediado: este é o jeito como os meus pensamentos funcionam.
Acho que existe um nome para isso... algo como "diálogo interno direcionado" ou "pensamentos em segunda pessoa". Seja como for, o fato é que meus pensamentos tendem a se organizar como se eu estivesse conversando com alguém que não existe de verdade.
E sim, eu sei o que parece. Como se eu estivesse quebrando a quarta parede e sugerindo que minha vida inteira é uma fanfic escrita por alguma entidade misteriosa.
Mas não é.
E se fosse... bem, eu não teria como saber, teria?
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Conversei com Cássia, que havia acabado de despertar de um cochilo. Relatei como a luta prosseguira sem grandes complicações — ao menos do ponto de vista de simples Adormecidos enfrentando um Monstro Desperto. Isso, até o momento em que um raio miserável decidiu me atingir...
A preocupação genuína daquela adorável garota foi o que finalmente conseguiu acalmar meu coração alarmado.
Aproveitei o momento para exibir a nova forma do meu manto e explicar como essas "ilusões" funcionam. São manifestações do meu Legado: uma curiosa fusão de feitiçaria e extensão direta da minha Habilidade de Aspecto.
Cheguei até a criar um banco para nos assentarmos, como demonstração. Em algum momento, dispersei as camadas de proteção da armadura, mantendo apenas o tecido confortável e elegante.
Quando Sunny e Nephis retornaram de sua pequena conversa privada, anunciei, sem cerimônia, a morte do meu Outro. Francamente, ele era tão arrogante que não merecia mais que uma menção casual — como aqueles personagens que surgem cheios de pompa e circunstância, mas desaparecem após poucos capítulos.
Continuei explicando como o meu Aspecto havia moldado novas habilidades, resumindo que ele se enquadra na categoria de feitiçaria: a arte de tecer conceitos e ilusões tão intricados que se manifestam como reais.
Incluí, objetivamente, informações sobre a Geada da Alma — ela é real e dói — e categorizei os efeitos em sub-habilidades:
Lâmina Álgida: Permite aprimorar armas com a geada da alma, conferindo maior nitidez e poder de penetração.
Obrigação Nobre: Concede resistência notável a danos elementares (sim, resistência elemental passiva; porque traumas existem) e imunidade à própria geada da alma.
Maldição da Geada: A geada causa dano ao contato, afligindo o inimigo com uma maldição que provoca congelamento e deterioração gradual.
Quanto ao Caleidoscópio, Sentido Mental e Invisibilidade Psicológica? São apenas a configuração básica, uma plataforma funcional para autopreservação... eu acho.
A Manifestação da Alma Lírica depende de requisitos além do meu controle total. Ser Onírico foi ajustada e tornou-se minha nova Habilidade Inata.
Ainda não percebi uma habilidade nova advinda dos múltiplos núcleos, mas suspeito de um aprimoramento passivo na potência da geada. Não consegui invocar a Lâmina Álgida duas vezes sobre o arco, mas o disparo foi perigoso demais para ser apenas o efeito base de uma Habilidade Adormecida.
Meus companheiros reagiram à sua maneira: Nephis, impassível; Cássia, com seu lindo sorriso; e Sunny... cansado demais de mim para uma reação notável. Eu e minha amiga logo fomos deixados à companhia um do outro mais uma vez.
... O céu era cinzento e desacolhedor. Continuei tentando sentir minha essência da alma enquanto desfrutava do silêncio agradável entre mim e Cássia. Logo, estendi meus pensamentos para o futuro.
Afinal, o efeito borboleta merece seu respeito. Nunca subestimem o -insira aqui uma maldição criativa- que um viajante do tempo, vidente ou transmigrado — seja lá o que eu sou — pode causar no destino:
A Árvore Devoradora de Almas... há como contornar seus perigos? Não. A rota mais segura para o oeste ainda é atravessar o desfiladeiro de barco. Além disso, a linhagem do Tecelão é essencial para o desenvolvimento de Sunny. Eu não enfrentarei este mundo sem o apoio do protagonista.
Na visão de Cássia, os elementos anômalos eram: névoa ou neblina, frio, rosas de um vermelho escuro e uma espada de cristal sublime — aparentemente, a nova responsável pela queda do Senhor Brilhante.
O que poderia ter alterado a visão? Eu, é claro. Não há menção clara da minha presença, mas sou o único elemento conhecido capaz de mudar o destino. Portanto, tudo isso deve ser por minha causa.
Infelizmente, o destino de Sunny e Nephis se entregando a um coito estranho — e mortal — ainda permanece... Bem, em parte, já que a visão foi dividida em duas, e Cássia viu apenas uma delas.
Quanto ao futuro da Corte?
Cássia. A jovem delicada e recatada que, no futuro, se tornaria a traiçoeira e odiosa bruxa cega, ainda é um pintinho fofo sob meus cuidados. E, se depender de mim — como depende, ela não seguirá esse destino.
Para evitar que Nephis tenha seu arco solo no deserto e no submundo, um sacrifício será inevitável. Talvez Caster ou outro indivíduo de índole questionável seja o candidato perfeito. Quem sabe o transforme em um picolé... e use sua alma como bateria para ativar o portal.
Lost From Light jamais será escravo. Não enquanto eu puder evitar.
Voltei para o presente, pensei em novos assuntos e retomei minha conversa com Cássia. Falamos sobre música, romances, esgrima, dança e outros passatempos.
... Também contei um pouco sobre o meu Primeiro Pesadelo, ocorrido na mesma delegacia e no mesmo dia em que Sunny enfrentou o dele. Além disso, falei sobre o funcionamento da sorte e expliquei como acredito que o Feitiço seja justo à sua maneira.
Admiti, ainda, que minha visão do mundo é um tanto otimista — ou talvez ingênua. Cássia permaneceu pensativa por um momento após a conversa.
Então, ela virou levemente o rosto na minha direção. "Aria..." Sua voz hesitou, como se buscasse as palavras certas, antes de finalmente reunir coragem para perguntar: "Você também... é órfão?"
A pergunta direta me surpreendeu, mas mantive minha resposta serena, ainda que cuidadosa. "Acredito que sim. Essa é a origem mais provável para mim."
Ela franziu levemente o cenho, traços de confusão tornando-a ainda mais tocante.
"Acredita?"
Suspirei, deixando que um fragmento da verdade transparecesse. "Sim, Cás, acredito. O Despertar deixou lacunas. Não consigo lembrar quem eu era... ou das pessoas que fizeram parte da minha vida."
Após um breve silêncio, ela falou: "Se... se quiser, posso ouvir você sempre que precisar falar. Talvez isso ajude."
Sorri, suave, carregando um misto de emoções que nem eu sabia nomear. "Agradeço. Mas não quero sobrecarregar ninguém com um quebra-cabeça sem soluções."
Ela inclinou levemente a cabeça, um gesto sutil, quase encorajador.
"Bem, Cássia."
Esperei um momento antes de continuar, ajustando minha postura.
"Você está curiosa sobre como posso ser confiável, mesmo com essas deficiências?"
Seu silêncio expectante foi suficiente para que eu continuasse:
"Tenho sonhos. Sonhos mais reais do que o que deveria ser real. No meu Pesadelo, vivi toda uma vida, como um sonho que se desfaz ao despertar. Fragmentos desse sonho formam quem sou hoje."
Cássia não reagiu de imediato, e o silêncio agradável retornou, preenchendo o espaço entre nós...
Então, como se tivesse entendido algo sobre mim, Cássia se levantou e caminhou em minha direção. Ela se aproximou, sentou-se junto a mim e me abraçou.
Hesitei, não porque quisesse me afastar, mas porque não era ingênuo o suficiente para não perceber como meu coração reagia à presença dela — nem para não saber aonde aquilo poderia nos levar em algum momento.
Então, com um movimento lento e respeitoso, envolvi meus braços em torno de sua cintura fina... A sensação foi nova e tocante, e eu não sabia exatamente como descrevê-la, mas, de alguma forma, me surpreendeu.
Meu coração batia um pouco mais rápido, e um tremor imperceptível percorria meu corpo. Cássia apertou levemente os dedos em meu ombro, e eu deixei minha cabeça repousar suavemente contra a dela.
Após um tempo indefinido, "eu só queria que você soubesse que não está sozinho", ela disse, afastando-se um pouco e tocando o cabelo com uma timidez que se refletia no rubor de suas bochechas.
Ri suavemente, minha resposta saindo quase sem pensar, mas ainda cheia de ternura. "Agradeço, senhorita, pela gentileza tão tocante e delicada."