'Eu... eu fiz besteira...'
Com duas mentes e o dobro de benefício da [Vigia da Alma], Ariandel possuía uma capacidade mental exacerbada. Ele podia se concentrar completamente na luta e, ainda assim, divagar.
Para obter a primeira das chaves, o Centurião da Carapaça deveria ser abatido após ser carregado por um raio... mas Ariandel apressou demais o roteiro. Agora, enquanto observava o corpo principal cravar a Lâmina dos Sonhos nas costas do monstro, só conseguia lamentar a perda da Memória...
'Vou ter que criar outra oportunidade, de algum modo, para adquirir a armadura.' Exasperado, ele observava a lâmina afundar ainda mais no equivalente à nuca do Centurião da Carapaça sob o peso de sua força.
O pobre monstro estremeceu, lutando contra o inevitável.
'Mas eu, hein... quão tenaz é esse carinha?' Havia uma longa espada de prata profundamente cravada na nuca da criatura, mas o Feitiço ainda não anunciara sua morte.
'Eu deveria torcer a lâmi—'
CRACK! BOOM!!—
'Humm? Que sensação estranha é essa... entre uma mente nublada e outra com parte dos pensamentos dormentes? Por que tudo está branco?'
Naquele momento, um raio poderoso despencou bem no centro da pequena ilha.
Com a altura do monstro, o raio foi imediatamente atraído para o cabo da espada cravada em seu corpo, apontando para o céu em um ângulo reto. A longa espada nas mãos de Ariandel tornou-se, subitamente, um para-raios.
Em um instante, centenas de milhões de volts de eletricidade atravessaram os corpos conectados pela lâmina prateada.
Num lampejo cegante, o corpo principal apagou, e a Refração ficou dividida entre sua própria mente e a consciência dormente de seu mestre. Fiapos de fumaça subiam do corpo blindado e do corpo caído sobre ele, ambos imóveis.
De forma surreal, arcos de eletricidade residual dançavam pela quitina do monstro, acumulando-se lentamente nos padrões carmesim. Sob essa influência, o padrão mudou, tornando-se branco e incandescente.
A Refração olhou para aquilo, atônita.
'Pelos deuses mor—'
Mas, antes que ela concluísse o pensamento, a mente de Ariandel retornou do além.
'Co-n-Co-nde-NaÇão!' lamentou ele, enquanto a dor o atingia como uma lâmina ardente — atravessando cada nervo, rápida e implacável.
Era como ser rasgado de dentro para fora, um calor insuportável misturado a uma vibração que fazia seus ossos parecerem prestes a estourar. Cada músculo contraiu violentamente, como se seu corpo lutasse para escapar de si mesmo.
O som do raio ainda ecoava em suas mentes, abafado pelo grito que eles não tinham liberdade de soltar.
"A-Ariandel!" gritou Sunless, vendo o corpo de Ariandel em espasmos, ainda segurando a espada firmemente, a expressão obscurecida pela dor.
"Está tudo bem, Sunny. Não se preocupe muito", respondeu Ariandel. Com a mente agora desconectada de seu corpo principal.
"Uma pessoa comum tem boas chances de sobreviver à queda de um raio, ainda mais eu."
Ele sorriu, tentando parecer descontraído, mas seu amigo, ainda horrorizado, não conseguiu desviar o olhar do corpo da Refração que lhe falava.
Mas antes que Sunless ou Nephis pudessem formular qualquer palavra, o grupo ouviu um grunhido vindo do Centurião da Carapaça. E o Feitiço finalmente sussurrou as palavras:
[Você matou um monstro desperto, Centurião da Carapaça.]
[Você recebeu uma Memória: Armadura da Legião Luz das Estrelas.]
[Sua alma resplandece mais forte.]
"Tudo bem gente. O monstro acabou de morrer", informou Ariandel, com a mesma graça agradável de sempre, como se seu corpo dilacerado e ainda eletrificado sobre a quitina fumegante não fosse um problema.
"Aquele lá em cima é o original?" questionou Sunless, mais para si mesmo do que para Ariandel.
"Você está bem?" perguntou Nephis, sua expressão impassível.
Na verdade, o Sentido Mental indicava que o estado mental dela estava diferente do que o rosto parecia transmitir visualmente, mas este não parecia ser o momento de explorar essa discrepância.
Ariandel olhou de Sunless para Nephis, sorrindo gentilmente, e respondeu:
"Bem? Bem... estar bem é subjetivo... O quão boa você é em curar e, se não se importar, poderia ajudar meu corpo principal?"
Ele então voltou sua consciência para o corpo dilacerado, queimado e dormente, falhando por razões que ele preferia não refletir naquele momento, e se concentrou contra a dor pungente.
'Oh deuses...' lamentou, enquanto se erguia lentamente da quitina ardente.
'Tudo...'
'Tudo.'
'Dói...'
Ariandel inalou profundamente, exalou com dificuldade e pulou para longe da chapa de assar desperta de segundo nível.
Seu corpo se curvou ao ponto de precisar se apoiar sobre um joelho e as palmas das mãos. Ele recuperou a Refração, respirou novamente e tentou se firmar.
Ariandel olhou para seus amigos, suas expressões adoráveis e preocupadas, e se ergueu, erguendo a coluna com um sorriso leve e destemido. Dando o primeiro passo, seguido do segundo, ele se endireitou e falou:
"Por favor, e claro... caso você não se importe."
Nephis piscou, o maneirismo descontraído de Ariandel, mesmo naquele estado deplorável, a deixava um pouco sem reação.
Então, seu olhar tornou-se estranho… distante, como se estivesse sendo assombrada por memórias dolorosas.
Ela rangeu os dentes, hesitou por um instante, mas acabou se aproximando. Outro relâmpago iluminou a área, revelando de forma brutal a extensão dos ferimentos de Ariandel.
A pele, outrora vibrante, agora estava marcada por intricados arabescos de sangue, desenhando o caminho cruel que o raio traçara em seu corpo. Partes expostas, onde as amarras de tecido não o protegiam, estavam queimadas e enegrecidas. Até mesmo sua trança, antes orgulhosa, estava agora despedaçada e quebradiça.
Nephis parou diante dele, lutando contra o instinto de recuar. Seu corpo tremia ligeiramente, e suas pupilas dilatadas, quase negras, denunciavam a agonia contida.
Por um instante, seus olhos encontraram os de Ariandel. Ele ainda sustentava aquele sorriso educado, mas seu olhar calmo parecia mirar algo além.
A expressão de Nephis se endureceu. Ainda assustada, mas resignada, ela levou as mãos ao rosto dele — fervente ao toque, enquanto o seu próprio era pálido e frio.
Então, uma luz suave e radiante acendeu-se sob suas palmas, refletindo em seus olhos cinzentos como duas faíscas brancas dançantes.
Quase imediatamente, o rosto de Estrela da Mudança se contorceu em uma careta de agonia excruciante, e ela soltou um grito abafado, terrível.
Sua pele ficou branca como papel, e ao morder o lábio inferior, pequenas gotas de sangue escorreram até o queixo.
Conforme a luz aumentava de intensidade, Nephis fechou os olhos com força, lágrimas quentes escorrendo por seu rosto pálido e torturado.
Ariandel, ao contrário, refletia, curioso, sobre o conforto trazido pela nova sensação. Toda a dor recuou de seu corpo, substituída por um calor suave e abrangente. Ele sentiu como se estivesse sendo purificado por algo imaculado e sagrado.
Por uma chama branca, pura e purificadora.
Sob a influência da chama, seu corpo lacerado começou a se reparar. Ossos fraturados e abrasados foram reforçados, aliviados da pressão que ameaçava rompê-los.
Músculos rasgados e pele queimada se regeneraram, tornando-se inteiros novamente. Pulmões derretidos e um coração exausto foram trazidos de volta à vida, instantaneamente fortes e saudáveis.
Ao movimentar o peito e puxar um novo fôlego, Ariandel ouviu o gemido angustiante de Nephis. A luminosidade branca sob a pele dela diminuiu e desapareceu, permitindo que a escuridão retomasse seu lugar de direito.
Recuando alguns passos, Nephis caiu de joelhos, apoiando as mãos no chão, e vomitou violentamente. Seu corpo inteiro tremia incontrolavelmente, como se estivesse à beira de uma convulsão.
À medida que os tremores diminuíam, ela se deitou no chão, exausta, e ficou imóvel, deixando que as gotas de chuva escorressem por seu rosto, pingando nos lábios entreabertos.
Sunless os observou, confuso e horrorizado. Um sussurro escapou de seus lábios pálidos:
"C-condenação..."