Eu sou apenas mais um soldado. Fui um oficial em meu país, um muito bem condecorado. Fiz muitos cursos operacionais e realmente pensei que a vida militar era onde deveria estar. Porém, aquilo parecia mais um teatro.
Não é querendo falar mal das nossas forças armadas, mas eu treinava e treinava e treinava sem nunca ir para a ação. Era decepcionante, é claro que ficava feliz quando conseguia pôr mais um brevê no uniforme, mas eu queria o combate.
Então eu fui embora. Me alistei num exercito estrangeiro e finalmente pude me sentir vivo, a dor, as brigas, as surras, os tiros, o combate era reconfortante. Em pouco tempo desertei, precisava de mais então me tornei um mercenário... Era apenas um jeito de preencher o meu vazio.
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Merda... Eu não morri do jeito que eu queria...
Eu não consigo me mover. Ainda sinto meu corpo, ainda que entorpecido. Será que morrer tem dessas? Nunca gostei da ideia de só desaparecer no nada, mas ainda sentir o que está em volta de mim parece baixo...
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Ainda está escuro... Quanto tempo isso vai levar?
Ah!
Uma luz? Pensando bem... Isso aqui bem parece uma daquelas histórias que as pessoas contam em experiências de quase morte "eu vi a luz". Então esse é o túnel em... Será que vai demorar muito?
Eu pareço estar gravitando em direção a essa luz, seria o paraíso? Não, eu nunca o mereci para começo de conversa... Lembro-me de todas as oportunidades perdidas, todas as vezes que pisei na bola, todas as vezes que pensei em acabar com tudo... Eu não o fiz por egoísmo, não tinha família pra pensar que eles ficariam tristes, então pensava em Deus. Hehe, do que eu tô falando? Minha vida foi uma decepção.
Apesar disso, eu não quero ir pro inferno... Que merda.
AH!
Minha visão do nada se tornou um borrão vermelho brilhante enquanto sons agrediam meus ouvidos. Nenhum som saia da minha boca mas eu estava vivo.
Sabe, eu fui uma pessoa muito tradicional, é claro, cometi meu par de erros, mas eu sempre acreditei em vida após a morte e todo um conjunto de coisas. Claro, é até um alívio nesse momento eu não estar no inferno mas... A luz no fim do túnel era realmente uma vagina?
"Meus parabéns, minha Senhora, é um menino!"
Então os que acreditavam em reencarnação estavam certos em... Puta que pariu, vou ter que pensar em que caralhos de faculdade eu vou fazer?
Depois de tempo e esforço, finalmente consegui abrir meus olhos, eu nunca pensei que era tão difícil para uma criança enxergar, mesmo com os olhos abertos ainda demorava para se adaptar às cores e figuras. A minha volta, as pessoas continuaram a falar incessantemente, parabenizando a mulher que me segurava. Olhando a minha volta, haviam várias figuras, a primeira que me chamou atenção era a mulher que me segurava, ela era esplendida no quesito aparência, talvez jovem demais para ter filhos nos padrões modernos, o que me preocupou de primeira, mas... O cenário à minha volta parecia tão extravagante que talvez ela tenha casado com um cara muito rico... No melhor dos cenários...
Além dela, outras mulheres estavam presentes, estavam vestidas de empregadas e havia também um mordomo e um homem que se destacava, talvez fosse o meu pai mas, realmente não parecia ser o caso, um careca muito bem vestido e de óculos... É, talvez meu pai fosse um velho rico? Não parecia haver ninguém com cara de pai, pelo menos nenhum homem estava babão pelo filho, então eu presumo que ele não está presente. A mulher que me segurava confirmou meus próprios pensamentos.
"Venha ver seu neto, papai!" Ela falou pro homem careca que estava sério e carrancudo, me olhando atentamente. É realmente preocupante, se ele era calvo e a calvície vem da mãe... Eu com certeza seria calvo nessa vida... Que azar.
Apesar disso... Olhando a minha volta, tudo parece muito incomum. O cenário não parece ser fruto de nenhuma arquitetura moderna, e as roupas que as pessoas estão vestindo a minha volta... Parece vir direto de uma novela histórica. Será que já rolou um apocalipse nuclear e o mundo voltou pra era medieval? Nah, isso é absurdo.
Eu comecei a prestar mais atenção na mulher que me segurava, apesar de descabelada e extremamente cansada, ela parecia bem animada. Seu sorriso era contagiante, chegava a ser adorável. Seus cabelos loiros foi o que mais me chamaram atenção. Sua face era um pouco arredondada e sua expressão gentil. Talvez seja suspeito para mim, que sou agora filho dela, mas ela simplesmente me transmitia essa sensação de mãe. Talvez seja apenas um mecanismo natural para os bebês se atraírem pelas mães?
Muitas pessoas saíram do quarto a mando do homem careca que limpava seus óculos. Foi quando todos saíram que minha mãe abafou a risada e aquele velho sério e julgador imediatamente se tornou um babão.
"Olá pequeno Mika, de agora em diante pode contar com seu vovô hehe"
"Nós ainda não sabemos se ele vai vingar, papai."
"Bem, não adianta ser pessimista, eu já disse, ele será Mikail"
Parecia um velho bem honesto, ele brincou e falou bobagens sem parar, estava muito perto e infinitamente mais animado do que antes. Mais importante do que as bobagens que ele falava, e as caretas, eu comecei a prestar mais atenção às suas roupas. Ele parecia bem rico, estava adornado de joias por todo o seu... terno? Acho que isso é um terno. Seu bigode era distinto, ele o deixava extremamente mais sério antes, mas agora, ele parece ainda mais bobão por causa dele. Ele riu e fez careta até cansar. Trocou várias piadas com minha mãe mas nenhuma menção do meu pai.
Estranho...
As semanas seguintes ao meu nascimento foram um novo tipo de tortura para mim. Eu não tinha nenhum controle sobre meu corpo, e qualquer movimentação era fútil e extremamente cansativa. Nem mesmo meus dedos estavam sob meu comando, sempre que as empregadas queriam brincar comigo, elas tentavam me fazer segurar seus dedos, e, bem, eu segurava, mas não por vontade própria. Eu segurava seus dedos apenas por conta de um choque reflexivo do meu corpo. Não quero nem mencionar quanto a falta de controle para fazer minhas necessidades, eu simplesmente não conseguia controlar, e de que adiantaria? Eu preciso de ajuda de qualquer jeito!
Um bom passatempo com certeza foi a amamentação. Não vou mentir, eu gostei disso em todos os sentidos, o gosto era muito melhor do que os artificiais, e... Bem... Depois da puberdade isso seria um mérito, então é bom aproveitar de antemão.
Apesar de todos os requintes, ouro e decorações a minha volta, eu não vi nenhum sinal de eletricidade. Quando me levavam para fora de casa, haviam jardins, cavalos e carruagens, mas nenhum carro, nenhuma engrenagem. Não tardou para perceber que eu era alguém muito, mas muito importante, apesar disso, não me foi dado um nome. É claro, meu avô mencionou que meu nome seria Mikail, mas minha mãe parecia com medo de que eu não fosse viver até o meu primeiro ano de idade e era extremamente cautelosa comigo. Não é atoa, para os padrões da época, a maioria dos bebês simplesmente não sobreviviam seu primeiro ano de vida, por isso a expectativa de vida era tão baixa. Isso era preocupante, mas eu me sentia um menino extremamente saudável.
Minha mãe se chamava Verena Sigmaringen. Quem quer que meu pai fosse, ele parecia ser o homem mais sortudo desse planeta, em todos os meus dez últimos e únicos dias de vida, nunca me ocorreu que eu encontraria pessoa tão amável e bondosa. Talvez ela fosse uma santa!
Outra coisa que eu percebi era exatamente o que me ocorreu antes: Por ser importante, eu parecia viver em um castelo, apenas um imenso jardim com guardas e portões me separavam de uma imensa cidade. Não foi nem uma ou duas vezes que as servas de minha mãe me chamavam de príncipe, antes, eu até pensava que era um elogio vazio, mas, não tardou para perceber que talvez eu fosse de fato um príncipe.
Acompanhei minha mãe para todo lado e ela nem de longe parecia apenas uma mulher simples e sem educação, tentei dar o mínimo de trabalho para ela: dormi o máximo que eu conseguia e tentava não lhe tirar o sono.
Nessas diversas vezes que a acompanhei, ela me levava a um escritório, onde ela lia diversas cartas acompanhada de dois soldados e um mordomo. Ela os lia e dava ordens e as vezes dinheiro aos homens presentes. De primeira me pareceu suspeito, mas era apenas um trabalho de senescalia[administração]. E pensar que uma recém mãe estava trabalhando tanto, talvez meu pai estivesse fora numa guerra ou algo assim? Bom, eu realmente estava certo.
"Minha senhora, seu marido está retornando para casa." Disse o mordomo que se curvou entregando uma carta à minha mãe.
Ela sorriu como nunca e olhou para mim, que jazia em pé no berço.É óbvio que eu estava curioso. Finalmente ia conhecer meu pai!
Ela correu até mim e me ergueu nos seus braços com sorrisos e beijos de alegria que me deixavam tonto.
"Ouviu isso Mika? Seu pai está retornando!"