Na manhã do banquete de aniversário do quarto príncipe, Yu Lan foi pessoalmente aos quartos de hóspedes onde Yan Zheyun estava hospedado para fazer uma última verificação em seu traje. Ela tinha um olhar crítico para detalhes que Yan Zheyun não pôde deixar de apreciar. Ela teria sido rapidamente promovida a gerente em sua empresa, sem dúvida.
"Você está tão pronto quanto jamais estará," foi a avaliação dela. Mas ela não parecia feliz por esse seu aluno e Yan Zheyun sabia o motivo. Ele lhe deu um pequeno sorriso tranquilizador.
"Vai ficar tudo bem," ele disse.
Ela balançou a cabeça. Ele ainda nunca a tinha visto sem o véu, mas a leve ruga em sua testa lhe dizia que ela estava franzindo a testa. Era uma visão que ele tinha visto muito no último mês ou mais, mas nunca tão triste.
"Eles estão cometendo um pecado," ela suspirou por fim, balançando a cabeça, o ornamento pendurado no único grampo de cabelo em seus cabelos brilhando conforme se movia. "Isso não está certo. Você é um garoto, eles não deveriam—"
"Eles não deveriam fazer isso com ninguém, homem ou mulher," Yan Zheyun interrompeu gentilmente. "Ele lhe fez uma reverência respeitosa. "Este aluno agradece à professora por cuidar tão bem dele. Professora, você pode muito bem ter salvado minha vida."
Yu Lan ainda estava atordoada quando saiu. Yan Zheyun não tentou tirá-la deste estado. Ele sabia que suas palavras eram chocantes para aquela época, que alguém como ela, que apesar de todas suas conquistas artísticas não era nada mais que uma prostituta cara, nunca sequer teria começado a contemplar a ideia de que homens e mulheres poderiam ser iguais.
Mas Yan Zheyun não pôde resistir em dizê-lo de qualquer forma. Seu rosto escureceu enquanto ele considerava a possibilidade de um de seus irmãos ser o que transmigrasse ao invés dele. Talvez Yan Lixin tivesse transmigrado para o corpo da irmãzinha desaparecida de Yan Yun e tivesse que sofrer as indignidades de ser o sexo submisso neste mundo. Ou Yan Liheng, seu irmãozinho gentil e inocente que era ainda mais protegido que Yan Lixin...
Se tivesse sido Yan Liheng preso no corpo de Yan Yun, Yan Zheyun nem queria pensar nas consequências.
"Jovem Mestre Yan, há algo errado?"
Yan Zheyun apressadamente controlou sua expressão para uma neutra. Ele tinha saído das portas sem perceber e agora estava parado pelos guardas estacionados ao redor das residências dos hóspedes. O Ministro dos Ritos havia especificamente ordenado que eles ficassem atentos o tempo todo e Yan Zheyun não tinha permissão para entrar e sair da área sem motivo adequado.
Ele tinha pensado inicialmente que isso era porque o Ministro dos Ritos temia que seu precioso presente para o quarto príncipe mudasse de ideia e tentasse escapar. Mas depois de alguns dias ouvindo Wu Bin chamar seu nome do lado de fora das muralhas com um tom apaixonado, Yan Zheyun percebeu que os guardas estavam lá para matar dois coelhos com uma cajadada só.
Yan Zheyun podia ser um prisioneiro, mas Wu Bin era o porco irritante que eles foram encarregados de separar do repolho suculento.
Ele não pôde deixar de rir da imagem mental.
Após algumas tentativas falhas, os guardas devem ter alertado o Ministro dos Ritos novamente porque Wu Bin parou de vir depois de um tempo. Isso ajudou Yan Zheyun a relaxar apesar de sua prisão domiciliar, embora tivesse demorado mais para confiar nas refeições servidas. Gato escaldado tem medo de água fria, afinal. Ele quase desmaiou nos primeiros dias de treinamento de dança até que um dia um prato de comida foi trazido até ele com o caractere para 'sino' escrito nele com molho.
Depois disso, ele comeu todas suas refeições sem preocupação, contanto que tivesse essa marcação nelas. Isso significava que sua comida tinha sido preparada por Wu Zhong e ele tinha certeza disso porque ele mesmo havia ensinado Wu Zhong a escrevê-lo. 'Sino' era 'Zhong' mas ninguém mais neste mundo seria capaz de escrever assim a menos que também fossem transmigradores. Yan Zheyun tinha escolhido propositalmente os caracteres simplificados para ensinar a Wu Zhong em vez dos tradicionais usados aqui que ele mesmo às vezes tinha dificuldade. Se ele não fosse um calígrafo, ele teria tido muitos problemas.
Wu Zhong.
Agora que era o último dia de Yan Zheyun na Família Wu, ele descobriu que estava relutante em se separar deste querido amigo.
"Grande Irmão," ele disse, mastigando seu lábio inferior enquanto se virava para olhar através das grossas pestanas para o guarda que o havia parado. "Hoje é a última chance de Yun ver seus amigos, Yun esperava dizer adeus."
Os guardas trocaram olhares incertos. Por um lado, seus corações haviam derretido à vista deste pobre e pequeno cordeiro. Eles inicialmente estavam preocupados em ser enviados para guardar esse escravo de má reputação, tinham ouvido histórias sobre como ele era uma raposa sedutora que escaparia pelas janelas para se encontrar com os jovens mestres em suas camas. Por medo de seus empregos e vidas, eles haviam decidido ignorá-lo se ele falasse com eles e apenas se concentrar em cumprir seus papéis.
Mas esse Jovem Mestre Yan não tinha sido nada como os rumores sugeriam. Ele tinha ficado no lugar quando ordenado, obedientemente sem falhas, e não tentou escapar nem uma vez. Em comparação, o grande jovem mestre tinha sido muito mais problemático e os guardas agora olhavam para ele com desconfiança quando ele se aproximava das residências dos hóspedes. Eles uma vez pensaram que o grande jovem mestre tinha sido seduzido, mas agora sabiam que era o grande jovem mestre que estava perseguindo descaradamente um alvo desinteressado.
"…Jovem Mestre Yan," o guarda disse preocupado. "O mestre havia explicitamente declarado que você deveria ficar dentro de casa a menos que estivesse indo para o treinamento ou após obter permissão especial."
Yan Zheyun concordou. Ele lhes deu um sorriso fraco e aguado. "Eu entendo," ele disse com uma triste compreensão. "Yun pede desculpas por colocá-los em uma posição difícil..." Ele se virou como se fosse voltar para dentro, levantando a manga para enxugar o canto dos olhos discretamente. Isso também convenientemente escondia seu sorriso.
Como esperado, "E-espera!"
Houve um leve alvoroço entre os guardas, suas expressões preocupadas refletidas nos rostos uns dos outros. Eles não pareciam saber o que fazer, mas Yan Zheyun podia ver que eles estavam começando a hesitar. Bom.
"Seria—" Ele propositalmente pausou com um suspiro preocupado, para dar a impressão de que tinha uma sugestão, mas estava relutante em pedir demais a eles.
"Jovem Mestre Yan, por favor, continue."
Depois de quase um ano neste mundo estúpido e complicado, Yan Zheyun sentia que estava pronto para receber um Cavalo Dourado por atuação.
"Seria um absurdo pedir aos grandes irmãos para me escoltarem até a cozinha e os estábulos?" Ele fez uma saudação sincera, do modo como um estudioso faria a um igual. Esses guardas, que nunca tinham sido tratados como algo além de mão de obra bruta no passado, imediatamente ficaram perturbados.
"N-não espere, Jovem Mestre, não seja assim, você elogia este pequeno, que é indigno—"
[Pelo amor de Deus, quanto tempo mais temos que gastar trocando gentilezas? Xiongdi, você precisa trabalhar no seu radar de chá verde.]
Engolindo sua impaciência, Yan Zheyun colou uma expressão implorante no rosto. Funcionou como um encanto.
"Se—se você for rápido, então escoltá-lo não seria um problema?"
"Sim... mas seja rápido, ok? Nós vamos te seguir então não tente nada engraçado!"
Yan Zheyun animou-se. Em seu rosto original, essa expressão teria sido assustadora porque ele só a usava quando tinha elaborado um acordo comercial particularmente implacável. Mas com a gentil beleza de Yan Yun, parecia um nascer do sol.
"Muito obrigado, Grandes Irmãos," ele murmurou com lágrimas de gratidão brotando nos olhos.
Assim, essa estranha comitiva seguiu primeiro para a cozinha e depois para os estábulos, causando estranhamento por onde passavam.
Wu Zhong não pareceu feliz em vê-lo. Seus olhos estavam injetados, como se não dormisse bem, e Yan Zheyun percebeu que ele estava contendo a vontade de dizer algo, mas após um olhar sombrio e cortante para os guardas ao lado de Yan Zheyun, ele se conteve.
Yan Zheyun estava orgulhoso dele. A última coisa de que precisava agora era que Wu Zhong perdesse o controle sobre si mesmo e dissesse algo que ambos lamentariam, como uma confissão. Se Wu Shengqi descobrisse, Yan Zheyun não tinha dúvidas de que Wu Zhong estaria morto pela manhã seguinte.
"Ah Zhong ah," ele disse suavemente. "Cuide-se." Ele vasculhou suas mangas e tirou um pequeno saco esfarrapado cheio de suas economias. "Aqui, divida isso com Xiao Ma, eu não vou dar diretamente a ele porque ele gastaria tudo com doces." Ele tinha considerado pedir a Wu Zhong para entregar uma mensagem a Mingyue também, mas rapidamente mudou de ideia. Mingyue agora estava fora de alcance, pois como aquecedora de cama agora era mulher de Wu Bin e não era mais conveniente para os servos homens procurá-la. Se ela não escapasse para encontrá-lo, ele não conseguiria se aproximar o suficiente para se despedir.
Yan Zheyun não esperava que Wu Zhong aceitasse o saco imediatamente, mas ainda assim doeu um pouco quando Wu Zhong afastou a mão da dele como se tivesse sido queimado. O saco caiu no chão, e algumas moedas de cobre rolaram para fora.
"Você—" Wu Zhong disse com uma voz estrangulada. Ele passou a mão pelos cabelos, peito subindo e descendo com respirações pesadas e frustradas. "Você é sempre tão—"
Yan Zheyun se abaixou para pegar o saco. Ele bateu a poeira dele e o estendeu novamente. Mas desta vez ele não tentou colocá-lo nas mãos de Wu Zhong. "Se você não vai usá-lo para você," ele disse. "Então compre algo bonito para Mãe Wang ou Xiao Ma."
"Por que você ainda se importa com aquele pequeno traidor?" Wu Zhong falou entre dentes. Dor e raiva atravessaram seu rosto e Yan Zheyun se forçou a desviar o olhar. "Por que você está sempre assumindo a culpa—"
"Nós temos uma escolha?"
Wu Zhong ficou abruptamente calado.
"Nós temos uma escolha, Wu Zhong?" Yan Zheyun perguntou novamente, com a voz mais fria que já usara com Wu Zhong antes.
Antes que Wu Zhong pudesse responder, ele estendeu os braços, exibindo as limpas roupas de estudioso que estava usando agora. Ele até girou uma vez para que Wu Zhong pudesse notar o quanto ele estava melhor agora do que no passado.
Ele precisava que Wu Zhong desistisse. Para entender que Yan Zheyun não tinha escolha no assunto e não podia ficar aqui e continuar a brincar de servo com ele. Que enquanto Yan Zheyun 'cumprisse' as ordens de cima, sua vida só melhoraria.
Contanto que Wu Zhong não tivesse mais ideais românticos, ele estaria seguro.
Os olhos de Wu Zhong ficaram vermelhos. Yan Zheyun finalmente fez seu ponto claro.
"Mas você não é uma mercadoria," ele murmurou fracamente.
Yan Zheyun balançou a cabeça. Ele empurrou o saco contra o peito de Wu Zhong e desta vez Wu Zhong estendeu a mão para pegá-lo. Seus dedos tremiam contra os de Yan Zheyun como se quisesse segurar, mas Yan Zheyun se afastou no segundo em que sentiu o calor das pontas dos dedos de Wu Zhong.
"Você está enganado, Ah Zhong," ele disse. "Eu sou uma mercadoria. Nós dois somos."
Essa foi a lição que Yan Zheyun levou meses para aprender, mas finalmente foi assimilada.
Se despedir de Xiao Ma foi ao mesmo tempo mais fácil e mais difícil. Mais fácil porque ele não tinha uma teia complicada de sentimentos que Yan Zheyun precisava desembaraçar. Mas mais difícil porque ele ainda estava evitando Yan Zheyun. Depois de tentar e não conseguir encontrar Xiao Ma, Yan Zheyun desistiu e se despediu relutantemente do mestre do estábulo antes de voltar para tomar um banho perfumado.
Pela primeira vez desde que deixou as residências de Wu Bin, ele estava usando as esferas de banho novamente. Elas tinham um leve aroma floral que não era muito forte, apenas uma sugestão de rosa e osmanthus que aparecia por um momento e logo desaparecia. Era ao mesmo tempo tímido e inocente e Yan Zheyun sabia que esse era o efeito que ele deveria alcançar mais tarde.
Ele suspirou. Eles realmente lhe davam crédito demais.
[Yan Yun ah, Grande Irmão está dependendo do seu rosto para arrasar mais tarde.]
Mais tarde, na entrada principal da Propriedade Wu com uma carruagem parada à sua frente, Yan Zheyun se virou para dar um último olhar de despedida ao local. Todas as pessoas que haviam dificultado sua vida já haviam partido para o banquete antes dele. Apenas uma pessoa veio se despedir. Mesmo assim, ela estava distante, lançando-lhe um pequeno sorriso altivo enquanto acenava com dedos esguios.
Yan Zheyun saudou Meng Die. Sem dúvida, ela tinha feito sua parte ao sussurrar palavras nos ouvidos de Wu Shengqi que estavam ao seu favor. Ele não se importava mesmo que ela tivesse agido apenas por interesse próprio. Não era ele o mesmo?
Ele esperava que ela conseguisse o que desejava. Porque ele desejava o mesmo caos para a Família Wu.
Ele se virou em direção à carruagem. Já estava usando a meia-máscara dourada e o regalia completo de sua fantasia, que era volumosa. Um jovem servo se inclinou para oferecer suas costas como um degrau e desta vez Yan Zheyun não recusou.
Os olhos de Xiao Ma se encheram de lágrimas. Ele mordeu o lábio para evitar chorar quando sentiu o peso do Grande Irmão Yan afundando sobre ele.
Mas ele deixou escapar um soluço audível quando uma mão quente bagunçou seus cabelos.
"Por que você está chorando?" ele ouviu aquela voz gentil e elegante murmurar. "Grande Irmão está indo para uma vida de luxo."
Eles ambos sabiam que não era verdade. Xiao Ma queria impedi-lo, ajudá-lo a fugir. Ele havia crescido da noite para o dia por causa daquele incidente, ele sabia o que aconteceria com Yan Zheyun mais tarde.
Mas, como naquela vez, ele estava impotente para impedi-lo.
A carruagem partiu para a distância, os cascos dos cavalos chutando terra nos olhos de Xiao Ma. Mas ele não piscou, apenas observou até que ela virou na rua e desapareceu de vista.