Com o passar dos dias, ficou claro que as forças de Nathan estavam se esvaindo. Cada vez menos ele conseguia fazer, fosse por causa da idade avançada ou pelo desgaste das duras condições em que vivíamos.
Agora, o trabalho de cavar o túnel recaía totalmente sobre mim. Eu mal via Nathan se mexer, exceto para respirar com dificuldade.
— Estou cansado disso... Quanto tempo você acha que esse velho vai durar?
Comentou um dos guardas, sua voz ecoando pelo corredor enquanto patrulhava as celas.
— Tanto faz. Faz logo o teu trabalho e para de reclamar
Respondeu o outro, sem sequer se dar ao trabalho de olhar.
— Hey! Tigela!
Gritou o primeiro guarda.
Nathan tentou se levantar, como sempre fazia para pegar sua ração miserável. Mas, dessa vez, seus braços falharam, suas pernas tremeram, e ele mal conseguia se erguer.
Em um esforço desesperado, ele empurrou a tigela pelo chão de pedra, fazendo-a deslizar até a pequena portinhola que se abriu com um ranger irritante. O guarda pegou a tigela sem paciência, mas não antes de Nathan agradecer baixinho, sua voz quase inaudível:
— Obrigado…
Nathan ergueu as mãos até o rosto. Elas tremiam como folhas ao vento. A idade finalmente o alcançou. Ele suspirou pesadamente, sentindo o peso da vida se acumulando sobre ele. Nathan deveria estar nos seus setenta, talvez oitenta anos.
Em um mundo normal, ele poderia viver mais, talvez bem mais, dado que vinha de uma linhagem forte. Seu pai, se não tivesse sido vencido por uma rara doença no coração, teria vivido até os 150 anos.
Nathan, porém, não teria a mesma sorte. As privações daquela cela, a comida escassa, a água suja e, principalmente, a brutalidade dos guardas que o torturavam por diversão estavam devorando-o por dentro. Ele envelhecia mais rápido a cada dia.
A luz em seus olhos, estavam começando a querer se apagar, esses mesmos olhos vagaram até a mesa improvisada no canto da cela. Embaixo dela, um pequeno pedaço de pedra que parecia solto, ele estava focando não na pedra mas o que estava abaixo dela.
— Se eu pedisse... ele faria...?
Nathan murmurou, perdido em pensamentos. Sua voz estava cheia de incerteza, como se nem ele soubesse a resposta.
O brilho de seus olhos, antes intenso e firme, estava desaparecendo . Mas, enquanto ele refletia sobre seu estado, algo despertou em sua mente.
Lembrou-se dos olhos de um jovem. Um rapaz, cuja esperança também havia sido esmagada pelas circunstâncias. O brilho em seus olhos havia sumido... mas recentemente, havia retornado, mesmo que de forma tênue.
Nathan permaneceu imóvel por um momento, sentindo o coração apertar no peito. Aquele jovem, que antes parecia tão derrotado quanto ele, agora tinha uma pequena luz nos olhos. Talvez fosse isso que Nathan precisava. Não para si, mas para o outro.
— A chama dele ainda queima... eu não posso desistir agora — murmurou ele para si mesmo, um leve sorriso surgindo em seus lábios rachados.
Ele voltou sua atenção ao tunel que agora estava selado com uma pedra se ele se esforçasse um pouco ele conseguiria escutar o som do rapaz quebrando as pedras
O som de uma barra de ferro sendo constantemente acertada por uma pedra no túnel voltou a ecoar, e Nathan sabia que, mesmo que suas mãos tremessem, mesmo que seu corpo falhasse, ainda havia algo que ele poderia deixar para trás. Algo mais forte do que a idade: esperança.
Pois ele sabia sobre o que aquele jovem era assim como sabia o que aguardava ele.
—Você ainda vai sofrer muito Rapaz…
Nathanael murmurou sozinho no quarto.
*****
— Há há há! Vamos, jovem, você deveria ter energia. Mexa essas pernas! — Nathanael provocava enquanto sorria, circulando ao meu redor com passos leves, como se flutuasse no chão de pedra.
Para alguém que estava muito cansado a algumas horas atrás ele parecia bem energético agora... será que ele estava fingindo ?. nah...não deve ser isso.
Suas mãos seguravam com firmeza o pedaço de madeira que deveria imitar a forma de uma espada curta. Ele girava o braço com leveza, mantendo o pedaço de madeira improvisada à frente, os pés em posição.
A ponta do graveto apontava para o meu peito, pronto para um ataque rápido e inesperado. Eu me esforcei para manter a guarda alta, imitando a postura que ele me ensinara.
— Haa... — suspirei, o cansaço começando a se acumular nas pernas.
— Vamos, me diga, contra quem quer se vingar? Dos homens que te venderam a esse lugar? Dos guardas da prisão? Ou de Anor?
Nathanael continuava a cutucar, mantendo seus olhos nos meus, buscando qualquer fraqueza. Ele sempre tinha um jeito de testar mais do que apenas minhas habilidades com a espada.
Eu suponho que isso faz parte do treinamento… irritar alguém para provocar um golpe falho e então contra atacar.
Isso parecia jogo sujo, mas aquele que está de pé no fim é o vencedor não é o mais forte ou o mais habilidoso é o mais astuto que permanece no topo.
— O que você acha? — retruquei, mantendo o olhar firme, mesmo que por dentro a pergunta fizesse meu sangue ferver.
— Haaa... — Nathanael respirou fundo, balançando a cabeça com uma expressão de desapontamento teatral. Ele avançou de repente, sem mais palavras, o sabre de madeira voando na minha direção em um corte lateral.
Levantei meu sabre para bloquear, nossos pedaços de madeira colidindo com um som oco. O impacto percorreu meu braço como uma onda de choque. Ele recuou no mesmo instante, girando com agilidade e atacando com uma estocada rápida, mirando meu abdômen. Desviei o corpo para a direita, tentando manter os pés firmes, mas senti a madeira passar raspando pela lateral da minha nuca.
"Que droga velhote você está atacando nas costas isso não vale!"
— Mexa essas pernas, garoto! — gritou ele, quase rindo, recuando apenas o suficiente para que eu pudesse me reposicionar.
Era uma lição constante: o movimento dos pés era tão importante quanto a precisão dos golpes. "a esgrima", mesmo sendo feita com "Espadas" de madeira se é que poderia se chamar disso, exigia uma fluidez nos movimentos que eu ainda não dominava completamente. Enquanto ele avançava novamente, lembrei das palavras que ele martelava na minha cabeça sempre que treinávamos.
—A posição inicial é fundamental.
Meus pés se firmaram no chão, um pouco afastados, joelhos levemente flexionados, o peso distribuído ao meio. Quando Nathanael avançou com um golpe de cima para baixo, preparei meu sabre, mantendo-o inclinado, como ele ensinara, de forma a desviar o ataque para o lado.
Ao bloquear, movi meu pé direito para trás, absorvendo o impacto e usando o momento para girar, tentando desferir um contra-ataque lateral com meu sabre de madeira.
Nathanael, como se antecipasse cada movimento meu, parou meu golpe com facilidade, rodopiando com um giro rápido, usando o peso de seu corpo para desferir um golpe horizontal, que atingiu as costa da minha mão com força. O choque fez minha espada de madeira cair no chão.
— Isso foi melhor, mas ainda lento demais. — Nathanael comentou, sorrindo, sem sequer perder o fôlego. — Você precisa ser mais rápido. Lembre-se: a espada não é apenas uma arma de força, é de velocidade e precisão.
—Use a ponta para estocar, os cortes devem ser rápidos e precisos, mas o mais importante... — Ele fez uma pausa, erguendo o sabre à altura dos olhos. — ...é se mover. sua vida depende disso sempre se mova.
Eu agarrei o pedaço de madeira no chão, esfregando o local onde o impacto ainda latejava. Ele estava certo, é claro.
Nathanael avançou de novo, mas dessa vez, eu estava mais preparado. No instante em que ele atacou, dei um passo para o lado, rápido, desviando do golpe e tentando estocar na abertura que ele deixava.
Ele girou o corpo com agilidade, bloqueando com o sabre inclinado, e, antes que eu pudesse reagir, o sua "espada" já estava na em direção a minha cabeça me acertando fazendo um barulho engraçado.
—Ops…
Murmurou o velho Nathan após eu ter apagado ainda em pé com o golpe na cabeça uma pequena linha que escorria sangue podia ser vista descendo da minha cabeça.
—Ele vai ficar bem… eventualmente.
****
—Os estudiosos dizem que toda ação gera uma reação em cadeia, seja boa ou ruim, em proporções diferentes ou iguais.
Nathanael falou, enquanto se esticava, sentando-se no chão. Sua voz estava mais calma agora, o tom professoral típico que ele usava sempre que queria me ensinar algo além da espada.
Eu permanecia em silêncio, tentando acalmar a respiração após o extenuante treino (Surra).Minha cabeça doía e eu não conseguia compreender o velho homem à minha frente com suas palavras dificeis.
— Logo, meus desejos, causados por eles, me dão energia e motivação. São o que me mantém de pé, o que me fazem querer viver...
Respondi, com o olhar distante, perdido em minhas próprias justificativas. Por algum motivo para mim aquilo soava errado mas como aquelas palavras soaram naturalmente eu as deixei sair da forma que queriam.
— Haaaa... levante daí. Estou cansado. Deixe-me sentar ai, garoto.
Nathanael interrompeu com outro suspiro decepcionado dava pra ver que ele não gostou da resposta mas oque podia fazer eu deveria ser pelo menos honesto.
Ele se levantou do chão e começou a querer me bater com o graveto, e então me levantei da cadeira e me sentei escorado na parede.
— Há mais na vida pelo que viver do que vingança. Deveria ouvir o que este velho homem tem a dizer, pelo menos uma vez na vida. — Nathanael lançou-me um olhar significativo, como se esperasse que suas palavras me atravessassem de uma vez.
— É claro que tenho algo pelo que viver, eu tenho... — comecei, mas hesitei. As palavras pareceram travar na minha garganta. Acho que porque elas não existiam, o que me fez demonstrar uma expressão complicada
Nathanael notou, e antes que eu pudesse continuar, ele completou:
— Tem? Não precisa me dizer nada agora. Mas, de coração, espero que você encontre um bom propósito, algo pelo qual tenha a se dedicar verdadeiramente.
Ele falou com uma calma e um tom que parecia que eu até mesmo invejava
Fiquei em silêncio, encarando o chão. A verdade era que, por mais que eu quisesse acreditar em algo maior, parecia que o vazio dentro de mim só podia ser preenchido por sentimentos relacionados à raiva e a vingança.
Parece até infantil quando penso dessa forma.
— Então me diga, qual propósito alguém como eu deveria ter? — perguntei, finalmente quebrando o silêncio, a voz carregada de uma mistura de desespero e curiosidade.
Nathanael balançou a cabeça lentamente, sorrindo de forma suave.
— Não sei.
Disse, como se a resposta fosse tão simples quanto o vento que nos rodeava.
— O quê? — perguntei, confuso.
— Eu não posso decidir o destino de ninguém. Cada pessoa deve encontrar seu caminho sozinho, eventualmente.
Nathanael suspirou, seu tom mais suave.
— Mas quando estiver sem direção, pense nesta frase: "O que um bom homem faria ?"
Suas palavras pairaram no ar por um momento. Ele me olhou de soslaio, medindo minha reação.
— O mundo não precissa de homens poderosos ou influentes , isto esse mundo já tem em peso , mas pessoas boas… isso é algo que esse mundo precisa e nunca tem em sobra. — Ele completou.
"Que absurdo" eu quis responder .
Mas isso ainda não respondia as minhas duvidas sobre oque fazer no futuro.
—E oque faria depois de fugir desse lugar ?
Perguntei enquanto olhava o Nathanael fechar o livro que estava lendo e olhar para cima como se estivesse pensando.
—Oque faria…?