Ao chegar na vila do vale, tive a certeza que estava em outro mundo. O lugar era incrível. Casas rústicas em madeira. Sempre gostei da mistura do vidro com madeira. Lembro-me que foi uma briga com o Rodrigo na construção da nossa casa. Eu queria uma casa mais rústica, em madeira e ele queria alvenaria, algo mais moderno.
Suspira com certo remorso, pois já não estava pensando no Rodrigo de forma tão obsessiva como antes. Será que isso é a saudade que tanto falam?
- Quantos habitantes há aqui no Vale? Perguntei com certa curiosidade.
- Trezentos ou algo assim. Joaquin respondeu. Então ele me olhou e rindo corrigiu: – Trezentos e um. - Falou gargalhando.
Após a brincadeira senti a tensão dele indo embora. Era lógico, o assunto da Amanda era algo complicado. Seria melhor ter cuidado com minha curiosidade e deixar que eles se abrissem comigo conforme a confiança fosse sendo conquistada por ambas as partes.
Apesar de achar que tinha voltado no tempo naquela Vila, havia uma farmácia supermoderna, um grande supermercado, uma loja de departamentos de renome nacional.
Joaquin me contou que a vila disponibilizava de um teatro com projeções para cinema e que sempre, quando havia lançamentos de filmes renomados, não era preciso sair do Vale. Explicou que a escola pertencia à cooperativa e que todas as crianças do Vale estudavam ali, sem distinção, e aqueles estudantes que desejavam iam pra fora fazer faculdade iam com a ajuda da comunidade. Tudo era feito em conjunto.
Joaquin falava com orgulho de tudo. Ele disse que mesmo que a cooperativa arqueasse com os custa da educação dos jovens, eles não eram obrigados a voltar para o Vale.
- Sabe Ana, temos médico, advogados, gestores de renomes por aí, que ninguém sabe que eles vieram do Vale. Falou orgulhoso.
- Joaquim, mas por que estão buscando alguém de fora na área financeira então?
Minha pergunta deixou-o sem fala. Eu tive a impressão que desde que cheguei na pousada, parecia que Maria fazia de tudo para eu não ir mais embora. "O que aquele lugar queria de mim?" Pensei comigo e em voz alta falei:
- Não entendo, Joaquim...
Ele apenas respondeu, como se tivesse lido meus pensamentos:
- Maria gostou de você!
Fiquei confusa, mas antes que eu o questionasse novamente, ele apontou o final da rua:
- Chegamos!
A casa era incrível, sem cercas, gramas bem cortadas, muitas flores pela frente, janelas grandes em vidro que contrastavam com a madeira. Era como se a casa pertencesse à clareira em que foi construída. Fiquei apenas encantada com tudo. Nesse momento, sem muito aviso, Giovana aparece na varanda lateral que ficava acima da garagem, rindo e me fazendo sinal para subir. Soltei minhas companheiras de viagem e elas começaram nesse instante a cheirar tudo.
Subi os degraus de pedra, Giovana e Marcia estavam com a mesa posta na Varanda.
Então naquele jeito alegre, Giovana falou:
- Estávamos organizando aqui tudo, né Marcia?
- Sim. - Concorda Marcia. Ela me olha com curiosidade. Tive a sensação de que ela estava tentando me cheirar. Pensei comigo: "não estou cheirando, tomei banho."
Marcia então mostra a mesa e diz:
- Vamos almoçar e falar de negócios, já que seremos apenas nós mulheres.
Desejei pedir onde estava aquele homem lindo, mas achei que não era conveniente e poderia chamar a atenção.
Assenti com a cabeça e sentei-me. Pensei: "cadê Joaquin?" Mas como se lesse meus pensamentos, Gio acrescentou.
- Ele precisou voltar, hoje o almoço é apenas das meninas. Falou toda animada.
Tive a certeza que ele veio apenas me trazer, para que eu mudasse de rota. Fiquei um pouco decepcionada. Achei que veria Ulisses no almoço, mas isso não ocorreu.
Marcia me falou dos projetos e ideias, porém não poderia dar sequências porque não conseguia gerir as finanças e não gostava de fazer a gestão financeira da cooperativa. Mas aquela mulher já não precisava me convencer, eu já estava decida a ficar. Então ela foi me mostrar o Loft. Havia um canil para meus pets, uma ampla varanda que dava de frente para a mata, a parede lateral do loft era todo em vidro, o que deixava a luz natural iluminar o ambiente.
- Tanto o sol como a lua têm passe livre aqui nessa peça. Comenta Gio e me olhando ela completa. – Eu amei morar aqui!
Olhei confusa, e ela sorriu.
- Deixa-me explicar, antes de me casar com o Bernardo eu alugava aqui, também sou forasteira.
O Loft era perfeito, com as janelas amplas em vidro. A claridade era ótima. Em um canto, próximo a porta do banheiro, ficava uma cama queen size, com roupas de cama num tom azul claro e um quadro na parede sobre a cabeceira da cama, de um casal enlaçados de forma sensual.
Em outro canto, uma estante de livros, vazia, com uma poltrona de leitura e a lareira próxima. Havia um pequeno sofá e uma mesa de centro em frente à televisão e próximo às janelas, uma pequena e completa cozinha.
O imóvel era perfeito para uma pessoa sozinha.
- Vou pedir para os meninos ajudarem você com suas caixas. Pode ser?
- Pode. Respondi no automático.
Nesse momento, meu telefone toca. Raquel.
- Oie! Falo descontraída.
- Meu Deus, Ana! Por que não avisa? Estava preocupada, vou deixar de ser sua amiga. Ela falou com um tom sério na voz e continuou. – O Vinicius não para de ligar. Disse que você não o atendeu. O que pensa que está fazendo?
- Já acabou? Pergunto não gostando das cobranças. – Já sou bem velhinha certo?
Raquel dá uma gargalhada do outro lado da linha.
- Ah sim, dona Raquel, eu estava em uma reunião com meus novos chefes. Estávamos almoçando juntos e discutindo o meu contrato. Expliquei. Faz cinco minutos que me liberei e havia acabado de pegar o telefone que estava na bolsa.
- E aí, deu certo? Pergunta ela.
- Sim, deu certo, já estou na minha nova moradia.
- Liga a câmera. Quero ver o lugar que você vai morar.
Então mudei para chamada de vídeo. Mudei a câmera do celular e fui mostrando a ela o Loft, e ouvindo ela com suas admirações pelo local.
- Ana, quando posso ir visita você? O lugar me pareceu incrível.
- Vou ligar para o Vinicius e pedir a ele que mande minhas coisas que despachei pela transportadora, amanhã. Acredito que na segunda feira estarei devidamente instalada. Só vou pedir que me mande aquelas caixas de casacos mais grossos. Dizem que faz muito frio aqui! Raquel, o lugar é lindo, eu vim para o paraíso! Pelo que fiquei sabendo, eles fazem um festival da lua nova, aberto a turistas, no início da primavera. Vocês poderiam se organizar pra vir me ver.
- Ana, ligue pro Vinicius, ele não para de mandar mensagens.
- Sim, vou ligar.
Falamos mais algumas palavras aleatórias e encerramos o papo. Agora ela estava mais calma. Eu não iria pular do penhasco ou ponte, estava sim refazendo minha visa.
Ao desligar percebi os olhos curiosos. Antes que eu pudesse ligar para o Vinicius, Giovana questionou.
- Quem é Vinicius?
Fiquei surpresa e achei engraçado a expressão dela.
- É apenas um colega que estava me ajudando com algumas coisas em São Francisco. Tínhamos planos de trabalhar juntos com consultoria. E sem mais liguei pra ele.
- Vinicius meu querido, como está?
- Ana, estava preocupado contigo. Você não me respondia, não consegui segurar o sobrado que você gostou. O proprietário locou à outra pessoa. E agora, se não se importar, você fica aqui em casa, até se alojar.
- Vinicius, ia mesmo chamar você. Não vou mais descer paro o litoral. Acabei fechando um trabalho aqui na serra. Vou mandar a localização. Você pode me mandar as minhas caixas que havia despachado aí no seu endereço?
- Ana, o que você está falando? Não conhece ninguém aí. Não pode ficar. Nós já tínhamos feito os planos. - Falava em tom de cobrança. E sua voz apresentou certa alteração. Vinicius apresentava um lado autoritário que eu não gostei.
- Vinicius, falei de forma firme e continuei. – Eu estou refazendo a minha vida. A princípio era pra ir morar aí, essa era a ideia inicial. Porém, no decorrer do meu caminho, encontrei uma oportunidade única, que veio encaixar-se perfeitamente com o que eu buscava.
- Mas, Ana... começou e parou no mesmo instante, continuando:- Me desculpe minha querida, você está coberta de razão. É que me preocupo contigo, sabe que tenho um carinho especial por você.
- Sim, eu sei, mas como eu disse várias vezes, esse caminho Vini, eu tenho e quero trilhar sozinha.
- Claro, me desculpa de novo, e como redenção pela minha falta, amanhã cedo estou chegando com suas coisas, eu mesmo vou levá-las.
Suspirei e concordei a contragosto.
Giovana e Marcia que acompanhavam a ligação sorrindo entre si.