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Chapter 15 - Essentia (Parte 7)

O sol começava a despontar no horizonte, lançando um brilho dourado sobre a vasta planície onde Kieran e Gylf terminavam sua última caçada. Os corpos de monstros jaziam espalhados ao redor deles, cada um grotesco e único, como se a própria natureza tivesse se rebelado ao moldá-los. Kieran se ajoelhou ao lado do mais recente, uma criatura híbrida com asas de morcego e garras de aço, enquanto o Bestiário flutuava diante dele, suas páginas girando como se uma brisa invisível as movesse.

Ele observou com atenção enquanto o monstro desaparecia em partículas de luz, sendo absorvido pela essência mágica do livro. A página correspondente se preenchia com detalhes minuciosos: uma ilustração vívida da criatura, descrições de suas habilidades e fraquezas, e, abaixo disso, um símbolo arcano que representava a essência capturada.

"Isso deve contar como mais um." disse Kieran, erguendo o Bestiário e passando os dedos pelas páginas. Ele folheou o livro, observando os espaços preenchidos por monstros que havia derrotado até então, mas notando, com um suspiro frustrado, a esmagadora quantidade de páginas ainda em branco. "Não chegamos nem a 5%. Isso aqui parece interminável."

Ele fechou o livro com um estalo e o encarou, como se isso pudesse mudar alguma coisa. "Quantos monstros existem nesse mundo, afinal? Milhares? Milhões? Vai ver esse troço está me trollando."

Gylf, encostado em uma rocha próxima, cruzou os braços e olhou para Kieran com uma expressão mista de cansaço e preocupação. "Talvez você devesse parar de se preocupar tanto com isso. Não é como se precisássemos completar o Bestiário para cada luta. Você já tem poder suficiente pra esmagar a maioria dos inimigos que encontra."

"Talvez," Kieran respondeu, abrindo um sorriso zombeteiro. "mas, vamos lá, Gylf. Imagine só! Eu completo esse livro e viro o Deus dos Monstros! Talvez eu até consiga conjurar você como um mascote de bolso." Ele riu, exagerando o tom. "Posso até te ensinar truques. Sentar, deitar, rolar…"

"Engraçadinho," Gylf respondeu, revirando os olhos. "mas falando sério, Kieran. Toda vez que você usa algo do Bestiário, sinto que você se distancia mais da sua humanidade. É como se a essência desses monstros estivesse te transformando de dentro pra fora."

"Ah, por favor," Kieran retrucou, ainda rindo. "você está dramatizando demais. Eu continuo sendo o mesmo idiota teimoso que você conhece e ama." Ele deu um tapinha no ombro de Gylf, que simplesmente suspirou, tentando ignorá-lo.

Mudando de assunto, Kieran começou a guardar sua espada, limpando o sangue seco da lâmina antes de colocá-la de volta na bainha. "Então, o que vem agora? Tudo que fizemos nos últimos dias foi viajar e esmagar monstros. Estou começando a achar que estamos apenas matando tempo."

Gylf olhou para o céu, pensativo. Ele sabia exatamente o que queria dizer, mas hesitou. Sua mente vagou por um momento, imaginando como seria se ele tivesse força suficiente para enfrentar Vorgath diretamente. Se pudesse acabar com tudo de uma vez. Mas, claro, ele sabia que isso não passava de um sonho tolo.

"Se eu fosse mais forte..." murmurou ele, quase inaudível.

"O quê?" Kieran perguntou, mas Gylf apenas balançou a cabeça, afastando os pensamentos.

"Esqueça," ele respondeu, olhando para Kieran com um leve sorriso. "Estava pensando que poderíamos tirar um dia de folga. Há uma aldeia não muito longe daqui. Talvez devêssemos descansar um pouco. Recuperar nossas forças antes de continuar."

Kieran suspirou, claramente relutante. "Descansar, é? Certo. Mas só porque eu estou cansado de olhar pra sua cara depois de dias no meio do nada." Ele soltou uma risada breve enquanto ajustava sua capa, pronto para partir.

Gylf apenas sorriu de canto, sabendo que, apesar das palavras de Kieran, o descanso era mais do que necessário. Sem dizer mais nada, os dois começaram a caminhar em direção à aldeia, deixando para trás os corpos dos monstros e a floresta cada vez mais distante.

O caminho até a aldeia parecia se arrastar, o cenário ao redor mudando lentamente de uma paisagem serena para algo muito mais sombrio. Quando finalmente chegaram, a visão que se apresentava diante de Kieran e Gylf era desoladora. As casas eram simples, mal construídas, com tábuas de madeira remendando buracos nas paredes. Telhados inclinados precariamente pareciam prestes a desabar, e tudo tinha um ar de improviso, como se a aldeia estivesse em um estado de reconstrução perpétua.

Kieran observou em silêncio enquanto caminhavam pelas ruas de terra batida. O ar era pesado, e o silêncio era interrompido apenas pelo som de martelos e serras. Homens trabalhavam incansavelmente para reparar estruturas que pareciam nunca permanecer intactas. Mulheres saíam e voltavam da aldeia com cestas de frutas em estado deplorável, algumas claramente impróprias para consumo. E as crianças... Elas não brincavam, não riam. Ficavam sentadas em cantos sombreados, olhando para o vazio com olhos que pareciam carregados de uma tristeza incomum para suas idades.

"Isso é... deprimente," murmurou Kieran, mas Gylf não respondeu. Eles continuaram em silêncio, absorvendo o ambiente ao redor. Cada detalhe reforçava a ideia de abandono e desespero. Quando chegaram à hospedagem, Kieran soltou um leve suspiro. Pelo menos o lugar parecia mais reforçado do que o resto da aldeia, indicando que, mesmo em meio ao caos, ainda havia um esforço para manter algo funcional.

A placa de madeira acima da porta estava desbotada, mas ainda era possível ler o nome da hospedagem: "Refúgio do Lenhador". Ao entrar, o cheiro de madeira úmida e cerveja velha os recebeu. Atrás de um balcão simples, um homem nos seus quarenta anos estava sentado, bebendo de uma caneca. Ele era robusto, com uma barba desgrenhada e olhos cansados, mas ao notar os dois, endireitou-se rapidamente, tentando esconder a bebida atrás do balcão.

"Bem-vindos ao Refúgio do Lenhador!" disse ele, com um sorriso apressado e nervoso. "Vocês estão aqui pra um quarto? Um para dois, talvez?"

Kieran assentiu, mas antes de seguir com a conversa, ele olhou ao redor. "Sim, vamos querer um quarto," disse, mas logo acrescentou: "mas preciso perguntar... O que aconteceu aqui? Essa aldeia está... bom, não está em sua melhor forma."

A expressão do dono mudou instantaneamente. Seu sorriso desapareceu, e seus olhos se estreitaram em uma mistura de irritação e resignação. Ele colocou as mãos no balcão, inclinando-se levemente para frente. "Você não sabe de nada, garoto," começou ele, a voz carregada de frustração. "não faz ideia de como é viver aqui."

Gylf cruzou os braços, observando a cena com atenção, mas sem intervir. Kieran inclinou a cabeça, aguardando que o homem continuasse.

"Fomos abandonados," o dono prosseguiu, sua voz subindo um tom. "a Ordo Umbraeth nos deixou à nossa própria sorte. Você acha que é fácil? Vivemos sob ataques constantes de monstros! Nossas casas são destruídas toda semana! E o que eles fazem? Nada!" Ele bateu a mão no balcão com força, fazendo a caneca atrás dele balançar. "Eles só se importam com lugares que trazem lucro para eles, que têm alguma 'utilidade'."

Kieran e Gylf trocaram um olhar breve. Eles já haviam ouvido histórias como essa antes. Aldeias pequenas, longe dos centros de comércio ou regiões estratégicas, eram frequentemente ignoradas pela associação. Para a Ordo Umbraeth, essas aldeias não eram nada além de uma nota de rodapé em seus registros.

"Isso é desumano," continuou o homem, sua voz agora embargada de raiva. "somos pessoas, sabe? Não números. Mas quem liga? Quem se importa conosco? Nem mesmo os aventureiros vêm aqui com frequência. Estamos sozinhos."

Kieran coçou a cabeça, tentando processar tudo. Ele sabia que o sistema era falho, mas ver o impacto disso tão de perto era algo completamente diferente. Gylf, ao seu lado, respirou fundo, claramente incomodado, mas permanecendo em silêncio.

"Olha," Kieran começou, escolhendo as palavras com cuidado. "nós não somos parte da Ordo Umbraeth. Só estamos de passagem. Mas, se houver algo que possamos fazer enquanto estamos aqui... bem, acho que podemos ajudar."

O dono da hospedagem olhou para ele, surpreso, mas não respondeu imediatamente. Ele parecia estar ponderando se podia confiar neles. Após um momento, ele balançou a cabeça. "Vocês podem fazer o que quiserem. Mas não espero nada de vocês. Já aprendi a não esperar nada de ninguém."

Kieran suspirou, enquanto Gylf dava um leve sorriso, quase imperceptível. "Bem, pelo menos teremos um lugar para dormir." disse Gylf, tentando aliviar o clima, mas sem muito sucesso. Eles pegaram a chave do quarto e subiram, deixando para trás o dono ainda resmungando.

Enquanto caminhavam pelo corredor, Gylf comentou em voz baixa: "Acho que acabamos de nos envolver em algo complicado."

"Quando não estamos?" Kieran respondeu, dando de ombros.

A pequena cabana era modesta, mas suficientemente aconchegante para uma aldeia tão devastada. Assim que chegaram ao quarto, Kieran se jogou na cama sem cerimônia, o peso dos últimos dias refletido em seu suspiro profundo. Enquanto isso, Gylf retirava seu casaco pesado, pendurando-o cuidadosamente na única cadeira do aposento antes de caminhar até a janela. Ele se posicionou ali, observando os aldeões lá fora, as mesmas pessoas que eles haviam passado durante a entrada na aldeia: cansados, sujos e quebrados por uma realidade implacável.

Kieran cruzou os braços atrás da cabeça, encarando o teto com um olhar perdido. Algo nele parecia inquieto, e, depois de alguns minutos em silêncio, ele soltou, quase sem pensar:

"Gylf... você quer saber como eu era antes? Antes de sair da associação e ser dado como morto?"

A pergunta ficou no ar por um momento, enquanto Gylf permanecia imóvel, ainda olhando para fora. Finalmente, ele suspirou. "Não," disse com simplicidade. "Não quero saber das coisas ruins que você fez."

Kieran virou a cabeça para encará-lo, franzindo a testa. "Por quê?"

Gylf se virou um pouco, lançando-lhe um olhar breve, mas cheio de uma sabedoria que parecia pesar anos a mais do que sua idade real. "Porque não importa. Humanos são maus, Kieran. Não porque nasceram assim, mas porque vivem cercados por outros humanos maus. Isso é o que cria uma sociedade falha e corrompida. Você pode ter matado inocentes, abusado da confiança deles, usado seu poder como aventureiro... e daí? Todos nós temos nossos demônios. Ninguém é melhor que ninguém; as pessoas só nasceram para funções diferentes."

Kieran ficou em silêncio, absorvendo as palavras de Gylf. Ele sabia que elas eram verdadeiras. Parte de sua vida como aventureiro na associação era uma prova disso. Ele havia feito coisas terríveis, coisas que o envergonhavam profundamente. Memórias desconfortáveis passaram por sua mente, e um arrepio subiu por sua espinha ao lembrar de um momento específico, algo que ele preferia nunca ter feito. Ele sentiu o estômago embrulhar, mas afastou o pensamento rapidamente.

"Você... parece saber muito sobre isso," comentou Kieran, tentando mudar o foco.

Gylf deu de ombros e voltou a olhar pela janela. "Mais do que gostaria," disse ele, sua voz tranquila. Após alguns segundos, perguntou: "Você se arrepende de ter sido um aventureiro?"

A pergunta pegou Kieran de surpresa. Ele desviou o olhar, fixando-o no chão de madeira. "Não sei," respondeu após uma pausa. "Sinceramente, não sei."

Um sorriso leve curvou os lábios de Gylf. Ele havia feito essa mesma pergunta para si mesmo há muito tempo, e ouvir Kieran se questionando a respeito era quase nostálgico. "Sabe," disse ele, "você não é como eu, Kieran. Você não pensa em vingança, em dedicar toda a sua vida para matar uma pessoa. E isso é bom." Ele virou-se completamente para Kieran, os olhos cheios de determinação. "Viva do seu jeito, caça do seu jeito e seja você. Só assim você encontrará as respostas que procura."

Kieran levantou os olhos para encará-lo. As palavras de Gylf penetraram fundo, como um lembrete de que ele ainda tinha escolhas. Ele hesitou por um momento antes de sorrir levemente. "Claro," disse ele. "Vamos salvar esse povo."

Mais tarde naquela noite, Kieran dormia profundamente, mas seu sono não era tranquilo. Ele se viu em um sonho, parado em um campo de destruição. A aldeia onde estavam agora estava em chamas, os corpos mutilados de seus pais adotivos espalhados pelo chão, encharcados de sangue. Diante dele estava uma figura envolta por uma aura negra, sua silhueta inumana e ameaçadora.

"Por que você sempre aparece?" gritou Kieran, avançando alguns passos. "Por que matou meus pais? Meu antigo grupo? Por que fez de mim um monstro?"

A figura permaneceu em silêncio, como se absorvesse cada palavra. Quando finalmente se moveu, virou-se para Kieran, revelando um rosto envolto em sombras. Apenas os olhos brilhavam, brancos como a lua, e deles escorria uma única lágrima de sangue.

"Foi tudo para te salvar," respondeu a figura, sua voz reverberando como um eco sombrio.

O mundo ao redor se dissolveu em uma escuridão total. Não havia mais nada, apenas o vazio. Então, Kieran despertou, o som de Gylf o chamando trazendo-o de volta à realidade.

"Por que essa cara feia?" perguntou Gylf, arqueando uma sobrancelha.

Kieran tentou fazer uma piada, mas a cena de seu sonho continuava presa em sua mente. "Me salvar dos meus pais?" ele pensava. "E por que ele estava chorando?" As perguntas rodopiavam em sua cabeça, cada uma sem resposta.

Percebendo que Kieran estava distraído, Gylf deu um tapa firme na nuca dele, arrancando um pequeno resmungo. "Enquanto você dormia que nem uma princesa," disse ele com um tom de sarcasmo, "eu descobri um ninho de monstros perigosos perto da aldeia. Eu não entrei ainda, mas aparentemente por isso que esse lugar é constantemente atacado."

Kieran esfregou a nuca, mas logo fechou a expressão, focando-se novamente. "Um ninho de monstros, hein? Isso parece um bom começo para ajudar essa aldeia."

"Exatamente," respondeu Gylf com um sorriso de canto.

Levantando-se, Kieran pegou sua espada e a colocou na bainha, sua determinação renovada. "Então, vamos acabar com isso."

(continua)