Chereads / The Last Strongest Man / Chapter 8 - Entre Ecos e Cinzas

Chapter 8 - Entre Ecos e Cinzas

Kieran caminhava lentamente pela floresta densa, sentindo o ar úmido e pesado ao seu redor. As folhas farfalhavam sob seus pés, mas a paz da natureza ao redor contrastava com a tempestade dentro de sua mente. Ele estava curado de seus ferimentos físicos, fortalecido pela vitória contra Zhul'Goth, mas sua alma carregava cicatrizes invisíveis. Apesar do triunfo recente, algo o consumia por dentro, um vazio que ele não sabia como preencher.

Durante noites seguidas, ele fora atormentado por sonhos nebulosos que envolviam a morte de seus pais adotivos. As imagens eram distorcidas, como se ele assistisse à cena de longe, mas com uma conexão terrível. Ele não conseguia se lembrar com clareza dos detalhes daquela noite fatídica, mas sentia que, de alguma forma, era culpado. Uma culpa que ele não conseguia explicar, mas que apertava seu peito como uma garra implacável.

Kieran parou por um momento, fechando os olhos e respirando fundo. "Por que eu sinto isso?" ele murmurou. "Por que parece que algo em mim... não pertence?"

A floresta ao seu redor estava calma, mas dentro dele, tudo era um turbilhão de perguntas. Desde criança, sempre sentiu que havia algo diferente em si, algo que o separava dos outros. Mas, ao longo do tempo, ele tentou ignorar esse sentimento, acreditando que poderia ser como qualquer outro humano. Agora, essa ilusão estava se desfazendo.

Enquanto caminhava, o Bestiário que ele carregava começou a pulsar suavemente. O livro mágico que ele havia obtido, contendo a essência dos monstros que derrotou, parecia estar respondendo às suas dúvidas internas. Kieran retirou o livro da mochila e o abriu. As páginas brilharam, revelando as essências do lobisomem, do golem e da serpente nórdica, cada uma pulsando com sua própria energia única.

Ele tocou a página do lobisomem, sentindo a selvageria da criatura, e um calafrio percorreu seu corpo. Ao abrir a página, viu as habilidades que poderia acessar – força sobre-humana, sentidos aguçados, e a capacidade de regenerar ferimentos rapidamente. O poder estava à disposição, mas havia um preço. Quanto mais ele mergulhava nas habilidades dessas criaturas, mais ele sentia que estava se distanciando de sua humanidade.

"Isso... faz parte de mim agora," Kieran disse, com a voz baixa. "Mas o que eu sou realmente?"

Ele não sabia como ou por que, mas sentia uma desconexão crescente com a ideia de ser completamente humano. O Bestiário era um reflexo disso, uma extensão da sua própria dualidade. Ele havia absorvido o poder de monstros e agora estava ligado a eles de uma maneira profunda, mas ainda não entendia o que isso significava para o seu futuro.

Kieran continuava sua jornada, mas sua mente estava presa em um ciclo de dúvidas e arrependimento. Ele não sabia por que seus pais haviam morrido, mas algo dentro dele sussurrava que ele era o responsável, mesmo sem qualquer lembrança clara. Essa incerteza o atormentava.

"Eu quero respostas," ele pensou, apertando o punho. "Preciso descobrir por que me sinto assim, por que... às vezes não me sinto como um de vocês."

Ele se perguntava se o Bestiário poderia lhe oferecer mais do que apenas poder. Talvez, se ele continuasse absorvendo a essência de monstros, ele descobriria algo sobre si mesmo. No entanto, havia o medo de perder o que restava de sua humanidade. Cada monstro que ele derrotava o trazia para mais perto do abismo. Será que ele estava destinado a se tornar uma criatura como aquelas que ele caçava?

Kieran olhou para o horizonte, sentindo uma determinação silenciosa crescer dentro de si. Ele não tinha todas as respostas agora, mas sabia que sua jornada não era apenas sobre derrotar monstros. Era sobre descobrir sua verdadeira natureza – o que ele realmente era e qual era seu lugar no mundo.

Com o Bestiário em mãos, Kieran se comprometeu a seguir em frente, mesmo sem ter todas as respostas, sabia que não podia ignorar os sinais de que algo mais sombrio o aguardava.

Determinou-se a continuar, com um desejo profundo de descobrir a verdade sobre sua origem e sobre o que o havia levado à morte de seus pais adotivos. Ele precisaria enfrentar monstros, tanto os externos quanto os internos, em sua busca por respostas.

Kieran estava exausto, sua mente e corpo ainda processando os eventos recentes. Ele havia vencido Zhul'Goth, o Destino Destruidor, um inimigo que parecia insuperável. Porém, mesmo com a vitória, a sensação de inquietude permanecia. A floresta ao seu redor parecia mais escura, as sombras das árvores se estendiam como garras, e a brisa leve trazia consigo um silêncio desconcertante. Ele olhou para o céu, que estava estranhamente claro, mas uma sensação de alerta percorreu seu corpo.

De repente, ele ouviu o som inconfundível de palmas lentas e ritmadas.

Clap. Clap. Clap.

Kieran parou, seus músculos se enrijecendo, os sentidos se aguçando. À sua frente, uma figura emergia das sombras, envolta em uma luz intensa e brilhante, ofuscante a ponto de ser difícil discernir qualquer detalhe de seu rosto ou forma. A figura mantinha uma postura imponente, quase desdenhosa, como se estivesse assistindo a um espetáculo e agora viesse cumprimentar o artista.

"Bravo, bravo," a figura disse, suas palavras escorregando pelo ar como se carregassem uma autoridade indiscutível. "Você derrotou aquele cara que acha que é o dono do destino, apesar dos apesares, ainda é um feito digno, sem dúvida, mas ainda está longe do que você realmente deve alcançar."

Kieran sentiu um arrepio subir por sua espinha. Aquela voz... havia algo familiar nela. Era como se ecoasse de algum lugar distante, de memórias fragmentadas e distorcidas. Ele apertou o punho em torno do cabo de sua espada, ainda incerto do que ou quem estava diante dele.

"Quem é você?" Kieran perguntou, sua voz cortando o silêncio ao redor. "Você estava lá... na montanha. No dia em que..."

A figura deu um passo à frente, e a luz ao seu redor brilhou ainda mais, tornando impossível para Kieran ver qualquer traço claro de seu rosto.

"Ah, sim, o dia em que você pensou ter matado todo aquele esquadrão," a figura disse, com um toque de ironia em sua voz. "Você realmente acreditou que foi você, não foi? Que você havia se tornado uma besta selvagem e tirado aquelas vidas? Quanta ingenuidade..."

Kieran sentiu um nó se formar em seu estômago. Ele havia passado meses acreditando que aquela atrocidade era sua culpa. Que sua própria essência monstruosa tinha escapado ao controle e causado aquela carnificina. Mas agora, essa figura estava insinuando algo diferente.

"O que está tentando dizer?" Kieran exigiu, com raiva em sua voz. "Fui eu que fiz aquilo... Não fui?"

A figura riu suavemente, um som que ecoou pela floresta. "Digamos apenas que foi e não foi você, de fato é algo complicado" Ele deu um passo adiante, mas sua forma continuava indistinta, como se estivesse cercado por uma cortina de luz. "Você não está pronto para entender tudo, mas saberá em breve. Há coisas muito maiores em jogo, Kieran. E você ainda não está nem perto de seu verdadeiro potencial."

Kieran estreitou os olhos, sua mente girando com perguntas. Quem era essa pessoa? E por que parecia saber tanto sobre ele? E mais importante, por que estava falando em enigmas?

"Se você quer respostas," a figura continuou, "volte para o pico da montanha. O lugar onde você derrotou o Dragão Ancião. Lá, talvez, você comece a entender seu verdadeiro propósito."

O ar ao redor de Kieran parecia vibrar com uma energia sombria. Ele estava prestes a perguntar mais, mas a figura deu outro passo para trás, começando a desaparecer na luz crescente.

"Eu espero grandes coisas de você, Kieran Solis," disse a voz, antes de desaparecer completamente, ecoando como um sussurro distante. "Grandes coisas."

E com uma última risada fria, a figura sumiu, deixando Kieran sozinho na clareira da floresta, seus pensamentos girando em confusão. Ele ficou parado por um longo tempo, ainda sentindo a presença daquela entidade. Quem era ele? E por que sabia tanto sobre Kieran?

O peso das palavras da figura pairava sobre ele. O pico da montanha... ele teria que retornar. Talvez lá, finalmente, ele encontraria as respostas que tanto procurava sobre si mesmo e sobre sua verdadeira natureza.

Kieran avançava um pouco mais pela floresta densa, cada passo ecoando em sua mente enquanto ponderava sobre os eventos recentes. As palavras daquele ser brilhante ainda reverberavam em seus pensamentos, misturadas com as dúvidas que corroíam sua alma. Ele não sabia quem era aquela figura misteriosa, mas suas palavras o intrigavam. O ser havia mencionado o Pico da Montanha, o mesmo lugar onde Kieran havia enfrentado o Dragão Ancião com sua antiga equipe. O local guardava lembranças sombrias e, talvez, a chave para respostas sobre o que ele realmente era.

O vento soprava forte à medida que Kieran subia a montanha. A vegetação tornava-se mais escassa, substituída por rochas ásperas e neve fria. Cada rajada de ar parecia carregada de um pressentimento, um aviso de que algo crucial estava para ser revelado. No entanto, ele não podia se virar agora. Era sua única esperança de entender o que o atormentava há tanto tempo.

O pico logo surgiu à sua frente, uma plataforma de pedra maciça onde a batalha contra o Dragão Ancião havia se desenrolado. No horizonte, o céu se misturava com o branco gélido das nuvens, criando um cenário fantasmagórico. Kieran apertou o passo, sentindo a atmosfera densa de sua última lembrança daquele lugar.

Ao chegar, ele parou. Diante dele estavam os cadáveres de seus antigos companheiros de batalha. Seus corpos estavam retorcidos em posições angustiantes, claramente dilacerados por algo monstruoso. A lembrança da luta contra o dragão voltou com força à sua mente, mas agora, algo parecia deslocado. Ele se lembrava do dragão... mas os detalhes da morte de seus amigos sempre tinham sido confusos, obscurecidos por uma névoa mental que ele nunca conseguiu dissipar.

Kieran se ajoelhou ao lado do corpo de um deles — Rurj, o lider do antigo grupo. Sua armadura ainda estava manchada de sangue, mas ao inspecioná-lo de perto, Kieran notou que os ferimentos não condiziam com o ataque de um dragão. Eram golpes mais precisos, como se feitos por alguém... humano. Ele se levantou rapidamente, olhando ao redor, tentando organizar seus pensamentos.

Foi quando o Bestiário, guardado em sua cintura, pulsou fortemente, vibrando como se algo dentro dele estivesse tentando sair. Kieran puxou o livro com pressa, e ao abri-lo, as páginas começaram a brilhar. Os nomes de cada monstro que ele havia derrotado cintilavam, mas uma página específica, antes apagada, começou a revelar algo novo.

O rosto do Dragão Ancião apareceu, mas logo em seguida, ao lado dele, outras figuras surgiram. Figuras de humanos... Não, de seus antigos companheiros. Seus olhos se arregalaram. Como aquilo era possível? O Bestiário estava mostrando algo que ele nunca percebeu: ele não só havia absorvido o poder do Dragão Ancião... mas também a vida de seus próprios amigos, que logo foi classificado como 'zumbis' na página.

Ele cambaleou para trás, sentindo seu coração acelerar. Ele os matou.

As lembranças, distorcidas e reprimidas por tanto tempo, começaram a voltar em flashes angustiantes. A batalha contra o Dragão havia sido brutal, mas em um momento de desespero, quando tudo parecia perdido, algo dentro de Kieran havia despertado. Uma força monstruosa, incontrolável, e ele... cego por esse poder, eliminou seus companheiros, um por um. Ele nunca tinha percebido porque, no calor da luta, sua mente foi dominada por uma escuridão que não era completamente sua.

"Eu... eu os matei..." Kieran murmurou, a voz entrecortada pela incredulidade e pela culpa esmagadora.

As palmas ecoaram novamente, interrompendo seus pensamentos. Kieran ergueu a cabeça e viu, mais uma vez, a figura brilhante. A luz ofuscante tornava impossível identificar quem era, mas o ser mantinha uma postura confiante, quase superior.

"Bem feito, Kieran. Você derrotou Zhul'Goth e agora começa a ver a verdade sobre si mesmo." disse a figura com uma voz fria e quase sarcástica.

Kieran se levantou, cerrando os punhos. "Quem é você?! O que você quer de mim?" gritou ele, a raiva e a confusão tomando conta.

O ser riu, um som baixo e ameaçador. "A questão não é o que eu quero, mas sim o que você está destinado a ser. Você acha que está lutando contra monstros, mas... a verdadeira besta, Kieran, é você."

Kieran deu um passo à frente, sentindo a ira borbulhar dentro de si. "Pare de falar em enigmas! Eu não sou o que você pensa."

"Não?" O ser inclinou a cabeça, como se estivesse estudando Kieran. "Você matou seus amigos com suas próprias mãos. Sentiu o gosto do poder, mesmo que não se lembre direito. Tudo isso... faz parte do seu destino.

"Eu... eu não sabia," Kieran disse, sentindo um nó na garganta. As memórias o golpeavam, forçando-o a encarar uma verdade que ele não queria aceitar. "Eu não queria matá-los."

O ser deu alguns passos à frente, sua luz cintilando intensamente. "Se não quisesse, por que não parou? A verdade, Kieran, é que você sempre soube. A escuridão está dentro de você desde o começo. E agora, cabe a você decidir se vai abraçá-la ou continuar lutando contra ela. Mas saiba... seu pai tem grandes expectativas para você."

O ar congelou em volta de Kieran. "Meu... pai? mas meu pai morreu, junto com a minha mãe-" A figura interrompia a fala do jovem após rir um pouco.

"Não estou falando daquelas fraudes que tu chamava de pai e mãe, eles eram apenas pais adotivos e tu sabe disso, o que eu quis dizer é sobre o seu verdadeiro pai. Ele o espera. Vá até ao topo do pico da Montanha e relembre quem você realmente é." O ser riu novamente, um riso que ecoou pelas montanhas, até sua forma começar a desaparecer. "Estou ansioso para ver o que você vai fazer, Kieran. Você tem um grande futuro pela frente."

Kieran ficou parado, sentindo um misto de desespero e determinação. Ele havia matado seus amigos, causado tanta dor... mas havia mais nessa história. Muito mais. Ele não podia parar agora. Precisava descobrir quem era seu verdadeiro pai e, mais importante, entender o que ele próprio estava se tornando.

Determinando-se, ele olhou para o horizonte, na direção ao topo.

Ele tinha que seguir em frente. Não podia mais fugir da verdade

Kieran subiria ao topo do Pico da Montanha com o coração pesado e a mente cheia de dúvidas. O vento cortante soprava ao seu redor, e as memórias da última vez que estivera naquele lugar pesavam ainda mais. Ele tinha matado seus próprios amigos, e a culpa o consumia lentamente. Além disso, as palavras daquele ser misterioso ecoavam na sua mente — sobre seu pai e seu destino sombrio.

Quando finalmente alcançou o cume, Kieran viu uma figura de costas para ele, olhando para a vastidão da paisagem montanhosa. O homem estava de pé, firme, como se o vento não o afetasse. Suas roupas simples de guerreiro e sua postura imponente o faziam parecer um soldado preparado para a batalha, apesar de sua idade avançada. Kieran parou por um momento, observando o homem. Ele parecia velho, com cabelos grisalhos e uma barba rala, mas sua forma física era impressionante — não era um idoso frágil, mas sim alguém ainda com força nas mãos e no olhar.

O homem virou-se lentamente, e seus olhos encontraram os de Kieran. Eles eram profundos e astutos, como os de alguém que havia visto muitas guerras e enfrentado incontáveis desafios. Era evidente que ele não estava surpreso com a chegada de Kieran, como se já esperasse por uma visita.

Kieran caminhou até ele, cauteloso. O silêncio entre os dois foi quebrado pela voz grave e serena do guerreiro.

"Parece que este lugar guarda mais segredos do que qualquer outro," disse o homem, sem desviar o olhar da paisagem à sua frente. "Voltar a este cume traz lembranças que prefiro esquecer."

Kieran o observou, sentindo a tensão crescer em seu peito. Ele não sabia quem era esse homem, mas algo nele parecia familiar. Seria ele o pai que tanto buscava?

"Eu... me disseram que encontraria respostas aqui," Kieran começou, a voz um tanto hesitante. "Sobre mim... sobre o que eu sou."

O homem levantou uma sobrancelha, mas manteve o tom calmo. "Você carrega um fardo pesado, jovem. Vejo isso nos seus olhos. Perguntas que você mesmo ainda não sabe como fazer." Ele olhou para Kieran com curiosidade. "Mas, diga, o que você espera encontrar no topo de uma montanha?"

Kieran hesitou, mas as palavras saíram antes que pudesse se conter. "Eu pensei... que talvez você fosse meu pai."

O silêncio que se seguiu foi denso. O homem, que até então parecia inabalável, arregalou levemente os olhos, surpreso pela pergunta. Ele cruzou os braços e examinou Kieran mais de perto, como se tentasse decifrar algo oculto.

"Seu pai?" O homem soltou uma risada curta e seca. "Não, garoto, eu não sou seu pai. Mas..." Ele parou, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas. "Eu conheci sua mãe. Sem dúvidas era uma mulher excepcional."

Os olhos de Kieran se estreitaram. Ele ainda não havia mencionado seu nome, nem dado detalhes. "Você conheceu minha mãe? Quem era ela?"

O homem olhou para a paisagem mais uma vez, o vento soprando seus cabelos grisalhos. Havia uma melancolia em sua expressão, mas também um orgulho profundo. "Eu a conheci há muito tempo. Uma guerreira... incomparável. Ela era como uma força da natureza — implacável, mas cheia de vida. Se você herdou o mínimo dela, tem mais força em você do que imagina."

Kieran sentiu seu coração bater mais rápido. "Quem era ela? O que aconteceu com ela?"

O homem olhou para ele por um longo tempo antes de responder, como se estivesse pesando as palavras. "Isolde. Isolde Vire, uma das melhores guerreiras que o mundo já conheceu. Ela enfrentou inimigos que ninguém ousaria encarar, e conquistou respeito onde quer que fosse. Mas... ela morreu como uma lenda. Ou, ao menos, é isso que dizem."

A revelação fez Kieran dar um passo para trás. Isolde Vire. Ele havia ouvido esse nome, em fragmentos de histórias e lendas. Mas agora, com a confirmação de que essa era sua mãe, uma enxurrada de perguntas o atingiu. No entanto, ele reprimiu sua urgência e respirou fundo.

"O que aconteceu com ela?" Kieran perguntou, a voz baixa, quase como se temesse a resposta.

O homem — que Kieran agora sabia ser Gylf, embora ainda não o reconhecesse totalmente — olhou para baixo, como se revivesse memórias dolorosas. "Ela enfrentou monstros, demônios... e, no final, enfrentou alguém que nem ela pôde derrotar. É difícil descrever em palavras, mas era algo mais do que apenas uma criatura... era uma força. Alguns dizem que foi uma batalha contra o próprio destino. Mas ela foi derrotada, decapitada na frente de sua própria casa, o que parece é que ela foi pega desprevenida."

Kieran fechou os olhos por um momento, deixando a dor dessas palavras afundar em sua alma. Tudo que ele havia vivido, todas as dúvidas sobre sua origem, estavam começando a se encaixar. Mas havia ainda algo que ele precisava saber. Algo importante.

"E o meu pai?" Kieran finalmente perguntou. "Você sabe quem ele era?"

Gylf balançou a cabeça lentamente. "Ahhh... era um tal de Voris, que apareceu do nada com a sua mãe já grávida de você, no início, achava que ele era um mero viajante que tinha talento em batalha, mas estava completamente enganado. Mas quem quer que ele seja... era alguém perigoso. Algo que ela sabia que poderia destruir tudo o que ela amava. É por isso que ela decidiu te levar pra longe de você antes do desastre acontecer."

Kieran ficou em silêncio, sentindo as peças do quebra-cabeça se juntarem em sua mente. Mas antes que pudesse fazer outra pergunta, Gylf se aproximou, agora com um olhar mais sério.

"Ouça, garoto. Se você realmente é o filho de Isolde, e parece que é, então você precisa entender algo." A voz de Gylf era agora cheia de gravidade. "O mundo está cheio de monstros, mas o maior monstro pode estar dentro de você. O sangue que corre nas suas veias não é comum. Seja lá como era o Voris, ele não era humano. E se você não aprender a controlar essa força, ela vai destruir tudo ao seu redor. Assim como destruiu aqueles que ela mais amava."

As palavras de Gylf atingiram Kieran como um golpe. Ele olhou para suas mãos, lembrando-se dos cadáveres de seus antigos amigos, dilacerados por suas próprias mãos. Ele já havia causado destruição sem sequer perceber. O que mais ele poderia fazer se perdesse o controle?

"Você pode ser mais forte que isso," Gylf continuou, com uma intensidade feroz em sua voz. "você pode escolher seu próprio destino, assim como sua mãe fez. Mas precisa decidir agora, antes que seja tarde demais."

Kieran olhou nos olhos de Gylf, absorvendo suas palavras. Ele não sabia ainda se Gylf sabia o quanto de verdade havia no que ele dizia. O homem não sabia que Kieran era, de fato, o filho de Isolde. Mas de alguma forma, ele sabia o suficiente para dar o conselho que Kieran precisava ouvir.

"Eu não sei o que sou," Kieran finalmente respondeu, a voz cheia de dúvida. "Mas vou descobrir. E vou controlar essa força, custe o que custar."

Gylf assentiu lentamente, satisfeito com a determinação no olhar de Kieran. "Essa é a atitude de um verdadeiro guerreiro. Não espere que seja fácil. Mas, se você sobreviver... pode ser que o mundo ainda tenha esperança."

Kieran deu um passo à frente e olhou para o horizonte. O vento soprava forte, mas ele não sentia mais o frio. Dentro de si, havia uma nova chama, uma determinação renovada. Ele ainda tinha muito a descobrir, muito a enfrentar. Mas agora, sabia que o próximo passo seria mais claro.

Ele precisava encontrar seu pai.

Kieran pensado naquilo, estava prestes a dar mais um passo em direção ao horizonte, já decidido a iniciar sua busca, quando Gylf, ainda observando com olhos astutos, falou novamente, interrompendo seus pensamentos.

"Você acha que pode seguir sem ajuda?" Gylf perguntou, o tom calmo, mas carregado de peso. "Está magro demais, fraco até para um simples combate físico. Confiar demais nesse poder que carrega pode custar mais do que você imagina."

Kieran parou e olhou para Gylf, sentindo um pequeno desconforto ao perceber que o velho guerreiro tinha razão. Ele havia se curado dos ferimentos da batalha contra Zhul'Goth, mas seu corpo ainda estava visivelmente enfraquecido. O esforço, a dor e a regeneração haviam cobrado um preço, deixando-o muito abaixo de sua condição ideal.

"Eu tenho o Bestiário," Kieran retrucou, em um tom defensivo. "Ele me dá força suficiente para lutar contra qualquer coisa. Não preciso de nada mais."

Gylf estreitou os olhos, a expressão endurecendo. "O Bestiário... você confia tanto nesse poder sombrio? Acha que ele vai te salvar de tudo? É assim que planeja se tornar mais forte?"

Kieran sentiu a tensão nas palavras de Gylf, mas não podia deixar de defender o que acreditava ser sua maior arma. "O Bestiário me permitiu derrotar criaturas que a maioria dos guerreiros nem sonharia em enfrentar. Ele... faz parte de mim."

"Faz parte de você, é?" Gylf repetiu, o tom frio, mas firme. "É isso que você acha? Que um poder sombrio como esse vai te levar até onde precisa ir sem te mudar? Sem corromper o que você realmente é?"

O silêncio entre os dois se tornou palpável. Kieran ficou imóvel, sentindo uma leve pontada de dúvida surgir dentro de si. Ele já havia questionado sua própria humanidade antes, especialmente depois das visões perturbadoras e das memórias fragmentadas. Mas agora, diante das palavras de Gylf, essa dúvida ganhava nova força.

"Deixe-me te contar uma coisa, garoto," Gylf continuou, sua voz grave. "Eu já vi guerreiros que confiaram demais em poderes que não compreendiam. No início, eles eram fortes, imbatíveis. Mas, com o tempo, esses poderes os moldaram, os consumiram. E, quando perceberam, já não eram os mesmos. Tornaram-se monstros, escravos do que deveria ser uma ferramenta."

Kieran cerrou os punhos, sentindo o peso das palavras de Gylf. Ele sabia que o Bestiário era poderoso, mas também sabia que algo dentro dele o incomodava. A maneira como o poder fluía, como ele se sentia ao absorver a essência dos monstros... havia algo de sombrio, algo que ele ainda não compreendia totalmente.

"Eu não sou um monstro," Kieran disse, a voz firme, mas com um leve tremor.

Gylf se aproximou, parando a apenas alguns passos de Kieran. Ele o encarou com seriedade, como se estivesse vendo além da fachada. "Ainda não. Mas se continuar confiando apenas nesse poder, pode acabar se tornando algo pior. A força física, o treinamento... essas coisas mantêm você no controle, equilibrado. Sem isso, você vai acabar se perdendo."

Kieran hesitou. Parte dele queria continuar, queria acreditar que poderia seguir em frente com o poder do Bestiário sozinho. Mas as palavras de Gylf faziam eco dentro de sua mente. Ele havia visto o que acontece quando se perde o controle. Os corpos de seus amigos, a lembrança de seus pais adotivos, todos mortos por suas próprias mãos... aquilo o assombrava todos os dias.

"Então, o que você sugere?" Kieran perguntou, mais sério agora, olhando diretamente para Gylf.

O velho guerreiro deu um meio sorriso, satisfeito por ver a abertura para o diálogo. "Treinamento. Antes de seguir sua jornada, você precisa fortalecer seu corpo, sua mente. Precisa entender que sua força não vem apenas do Bestiário, mas de quem você realmente é. Sem isso, qualquer poder que você ganhe será inútil."

Kieran bufou ligeiramente, ainda cético. "Eu já lutei com monstros além da imaginação, já derrotei criaturas que poderiam dizimar exércitos inteiros. E você acha que um pouco de treinamento físico vai fazer alguma diferença?"

Gylf assentiu com convicção. "Sim. Porque a força verdadeira não vem só dos músculos ou da magia. Vem do equilíbrio entre poder e controle. E agora, garoto, você está completamente fora de equilíbrio."

Kieran ponderou por um longo momento. Ele estava impaciente para descobrir mais sobre seu passado, sobre sua verdadeira natureza, mas, ao mesmo tempo, sabia que Gylf estava certo. Ele não podia continuar confiando apenas no Bestiário, não sem entender melhor seus limites e o custo que isso poderia ter.

"Quanto tempo?" Kieran perguntou finalmente, cruzando os braços.

Gylf deu um sorriso de canto, como se já soubesse que Kieran aceitaria. "O tempo que for necessário. Isso depende de você. Mas, com certeza, será mais curto do que você pensa."

Kieran suspirou, olhando para o céu nublado. Ele não gostava da ideia de atrasar sua jornada, mas se aquilo realmente pudesse impedir que ele se tornasse algo incontrolável, valia a pena.

"Tudo bem," ele disse, finalmente cedendo. "Mas que fique claro, Gylf, eu não vou ficar aqui mais tempo do que o necessário. Assim que me sentir pronto, eu vou seguir em frente."

"Combinado," Gylf respondeu, satisfeito. "Agora, vamos começar. Se você quer encontrar seu pai, terá que estar pronto para o que vem a seguir. E garanto que ele não é como qualquer monstro que você já enfrentou."

Kieran assentiu. Ele ainda não sabia o que o futuro reservava, mas pelo menos agora, ele tinha um plano. Mesmo que esse plano envolvesse voltar ao básico — fortalecer seu corpo e sua mente — ele sabia que era o caminho certo para descobrir a verdade sobre quem ele realmente é, igualmente à seu pai.