Um tempo antes de Kieran acordar rodeado pelos os moradores, Leonhardt carregava o corpo gravemente ferido do jovem, vendo que ele não conseguiria chegar a tempo antes de anoitecer, ele sabia que se ele continuasse de noite, ele poderia ser atacado e pode prejudicar ainda mais a situação de Kieran, ele pensava um pouco e refletia no que deveria fazer a seguir: "Droga, não posso ficar parado...tenho que ao menos fazer um abrigo." Leonhardt olhava para o jovem em seus ombros, claramente com seu corpo todo desfigurado, delicadamente colocava no chão e já coletava recursos básicos para fazer um abrigo.
O sol se põe no horizonte enquanto Leonhardt observa Kieran, que está gravemente ferido e inconsciente. Eles estão, cercados por árvores sombrias e o eco dos monstros à distância, dentro de um abrigo improvisado, estava confiante que aquilo seria o suficiente para passar a noite sem serem supreendidos por animais selvagens ou monstros.
Leonhardt reflete: "Ele... o homem que deveria ser o mais forte, agora está deitado aí, indefeso. E eu... tenho que protegê-lo?"
Leonhardt ainda sente uma rivalidade contra Kieran, mas agora carrega a responsabilidade de proteger o homem que ele tanto queria superar, apesar dele nem não aceitar o fato daquilo. Ele tenta suprimir suas emoções conflituosas enquanto olha para a espada que está ao seu lado, sentindo o peso do que precisa fazer, apesar dele agir de uma forma ignorante e orgulhosa, ele tinha visto e testemunhado o que Kieran tinha feito por ele, ter derrotado aquela figura que parecia impossível de ser derrotado, mas mesmo assim ele nunca abandonou, sempre focando em proteger Leonhardt, mesmo que isso tinha causado todo o seu corpo ficar naquele estado, e em uma breve momento de fraqueza, ele pensava em seu pai, que dizia repetidamente em sua cabeça: "Seja forte, pra se tornar o próximo líder dos caçadores, orgulhe a família Valerius, treine, treine!" ele ficava angustiado com aquelas palavras, sempre o forçando a seguir o que seu pai dizia, mas ele tentava esquecer tudo aquilo, deixando aquilo de lado, ele teria um diálogo interno enquanto observava mais Kieran: "Sempre pensei que ser o mais forte era o suficiente. Mas agora, proteger alguém...igual o que tu fez para mim. Então será que é isso o que significa ser um verdadeiro caçador?" O jovem loiro se recusava que aquela forma era a verdadeira natureza de um caçador, ele apenas caça pra matar e ganhar dinheiro e fama, é o que ele aprendou a vida inteira.
Durante a noite, Leonhardt começaria a ouvir ruídos nos arredores do abrigo. Uma pequena tropa de caçadores renegados, tentando tirar vantagem da vulnerabilidade de Kieran.
Leonhardt saíria da cabana, puxando sua espada e ativando sua magia de luz. Enquanto questionava os caçadores o que estavam fazendo nessa hora da noite, enquanto a horda se aproximava, ele respira fundo e tentava se manter calmo e não fazer ações precipitadas. "Sério, o que vocês fazem aqui?" perguntava o mesmo, desta vez com mais firmeza em suas palavras.
"Você sabe muito bem, aparentemente um monstro muito poderoso disfarçado de humano está nessa floresta, disseram que ele estava gravemente ferido depois de uma batalha muito tensa, e pelo que eu vejo, tu tem algo que assemelha tudo em que eu acabei de descrever." Leonhardt ficava confuso: "Como assim? comos eles sabem da existência deles e a exata localização?" Tudo estava confuso e nada fazia muito sentido naquele momento, ele ficava apenas quieto e observava os caçadores, que tinha no total de sete pessoas, fortemente armadas tanto com armas fisícas quanto mágicas, eles não pareciam ser do tipo de pessoa que falariam quem os mandou ou recomendou aquela missão, então ele respirava e firmava sua posição defensiva diante dos encapuzados.
"Vocês não vão passar por mim," Leonhardt murmurou, erguendo sua espada longa, que refletia a luz pálida da lua.
Os caçadores se espalharam em formação, com armas diversas à mão: machados, espadas curtas e adagas, todos cobertos por runas mágicas, prontos para atacar. Um deles sorriu de forma arrogante.
"Você pode tentar, garoto," um dos caçadores zombou. "Mas está em desvantagem. Somos sete, e você está sozinho."
Sem dar-lhes tempo para reagir, Leonhardt investiu contra o primeiro caçador com velocidade surpreendente. Ele deslizou pelo chão com agilidade, girando sua espada em um corte diagonal contra o peito do oponente. O caçador tentou bloquear com sua adaga, mas a força de Leonhardt quebrou a lâmina ao meio, empurrando-o para trás.
Ao ver o companheiro ferido, dois dos caçadores avançaram ao mesmo tempo, atacando de lados opostos. Leonhardt deu um salto para trás, mas um deles conseguiu cortar superficialmente seu ombro esquerdo. Ele não recuou. Com um giro rápido, Leonhardt se agachou e desferiu uma estocada precisa contra a perna de um dos atacantes, derrubando-o. Antes que o outro pudesse reagir, Leonhardt deslizou para trás e rapidamente girou a espada para bloquear um ataque de machado que vinha do terceiro caçador.
— "Eu vou cortar você em pedaços!" rugiu o homem com o machado, seu golpe descendente mirando a cabeça de Leonhardt.
Com um sorriso confiante, Leonhardt desviou o golpe com um movimento circular da espada, usando a força do inimigo contra ele. Aproveitando o desequilíbrio, Leonhardt bateu com o cabo da espada no queixo do atacante, mandando-o cambalear para trás.
Ele estava ciente de que não poderia vencer se tentasse lutar contra todos de uma vez. Decidiu usar a própria formação deles contra eles mesmos. Foco em um de cada vez, pensou.
Os quatro caçadores restantes perceberam que a abordagem direta não estava funcionando. Eles recuaram ligeiramente, trocando olhares rápidos e silenciosos. Em seguida, dois deles começaram a murmurar palavras em uma língua antiga — um feitiço.
"Magia... eles querem me encurralar", pensou Leonhardt, preparando-se para a próxima investida.
"Hora de brincar a sério," ele murmurou, fechando os olhos brevemente.
Com uma inspiração profunda, Leonhardt estendeu a mão esquerda, canalizando sua magia de luz. De repente, um círculo mágico dourado se formou sob seus pés, irradiando energia cintilante. Um feixe de luz disparou de sua palma, subindo aos céus. Em segundos, um leão feito de pura luz e calor apareceu atrás dele, rugindo com intensidade.
Os caçadores hesitaram, seus feitiços inacabados. Leonhardt não esperou. Ele lançou a mão para frente, comandando o leão de luz a avançar. A criatura se lançou com fúria, atravessando os caçadores com uma velocidade absurda. Um deles foi atingido no peito, sendo lançado contra uma árvore com força devastadora.
Mas os outros três conjuradores conseguiram finalizar seus feitiços. Eles estenderam as mãos para o chão e conjuraram raízes negras que brotaram da terra, tentando imobilizar Leonhardt. As raízes envolveram seus pés, subindo por suas pernas rapidamente.
"Achei que caçadores de monstros fossem mais criativos!" Leonhardt zombou.
Ele sorriu com confiança enquanto canalizava sua magia em sua espada. Com um movimento rápido, Leonhardt cortou as raízes ao seu redor, e sua espada brilhou intensamente. Ele saltou para o alto, concentrando a luz em sua lâmina. Ao cair, ele golpeou o solo com toda a força.
"Corte da Aurora!"
Uma onda de luz explodiu do impacto, iluminando a floresta como se o sol tivesse nascido repentinamente. Os três caçadores que lançaram as raízes foram derrubados pela força da onda de choque. Eles gritaram de dor enquanto a luz ardia em seus corpos, purificando-os de qualquer proteção mágica.
Os últimos dois caçadores, agora visivelmente nervosos, recuaram. Eles começaram a lançar feitiços de proteção ao redor de seus corpos, erguendo barreiras de sombras e magia negra para tentar se defender do próximo ataque.
Leonhardt não os deixaria escapar. Ele avançou com rapidez. Sua espada agora estava envolta em uma aura brilhante. Com um salto poderoso, ele girou no ar, descendo com um golpe direto contra a barreira de sombras do caçador mais próximo.
O impacto foi devastador. A barreira foi estilhaçada em mil fragmentos, e o caçador foi lançado para trás, sua espada voando de suas mãos. Antes que ele pudesse se levantar, Leonhardt colocou a lâmina de sua espada em seu pescoço.
"Fugir não é uma opção," disse Leonhardt friamente, sua respiração ainda controlada.
O caçador tentou murmurar alguma coisa, talvez uma súplica, mas Leonhardt já cortava o seu pescoço, fazendo ele se engasgar com o próprio sangue, ele dava um olhar de desprezo, se virado para o último oponente. Este, ao ver o fim inevitável, tentou lançar um último feitiço, suas mãos tremendo enquanto ele conjurava uma esfera de energia negra.
Leonhardt sorriu, ergueu sua mão livre e, com um simples gesto, desfez o feitiço do inimigo.
"Você não entendeu ainda, não é?" Ele ergueu sua espada mais uma vez. "A luz sempre vence."
E com um golpe final, Leonhardt dispersou a energia do último caçador, terminando a luta.
Leonhardt se afastou dos corpos dos caçadores derrotados e mortos, respirando fundo. Ele olhou para o abrigo onde Kieran permanecia inconsciente e murmurou para si mesmo:
"Afinal de contas, talvez proteger alguém não seja tão ruim quanto parece."
Apesar de vitorioso, Leonhardt sentia o cansaço físico e mental. Ele sabia que isso era apenas o começo, ele ficava do lado de fora, apenas esperando por mais perigo que poderia vir.
Enquanto isso...
A escuridão o envolvia como uma manta fria e pesada. Não havia som, exceto o pulsar lento e constante de seu coração. No sonho, Kieran estava suspenso em um vazio sem fim, uma sensação de perda avassaladora preenchendo cada fibra de seu ser. Ele sabia onde estava – esse não era o primeiro sonho do tipo. Mas isso não tornava a experiência menos angustiante. Ali, ele sempre enfrentava os mesmos pesadelos.
De repente, um brilho suave apareceu no horizonte negro, e ele sentiu seu corpo ser puxado em direção a ele. Sem controle sobre seus movimentos, Kieran se viu sendo levado até uma pequena clareira no meio de uma floresta, o mesmo cenário de antes. A luz alaranjada de um crepúsculo iluminava as árvores, o som distante de pássaros cantando, como se fosse um final de tarde tranquilo. Um cenário familiar.
No centro da clareira, ele viu duas figuras que imediatamente encheram seu peito de um calor doloroso. Eram seus pais adotivos. Eles estavam sentados ao redor de uma fogueira, rindo suavemente, as expressões de contentamento e amor estampadas em seus rostos. Sua mãe, Cintía, com aquele sorriso reconfortante que ele se lembrava tão bem, lhe acenou para que se aproximasse. Seu pai, Henry, estava afiando uma faca, como sempre fazia, concentrado mas relaxado.
Kieran deu um passo hesitante em direção a eles, seu coração acelerando. Ele queria correr até eles, abraçá-los, pedir desculpas por tudo que tinha acontecido... mas seus pés estavam pesados como chumbo. Algo o mantinha preso, como se estivesse resistindo ao que viria a seguir.
"Venha, Kieran," a voz de sua mãe ecoou suavemente, como uma melodia nostálgica. "Está tudo bem."
Ele deu mais um passo, seu coração se apertando de dor e culpa. Mas ele sabia o que viria a seguir. Sempre era assim...
De repente, o céu se escureceu. As árvores ao redor começaram a secar e se contorcer, como se absorvessem toda a luz ao seu redor. A clareira idílica se tornou um campo de sombras distorcidas. As risadas de seus pais cessaram abruptamente. Quando Kieran olhou para eles novamente, seus rostos haviam mudado. Seus sorrisos gentis agora eram torcidos em expressões de puro horror e agonia. Seus corpos, antes tão vivos, estavam cobertos de sangue.
"Por que... Kieran?" A voz de seu pai estava quebrada, carregada de dor, enquanto ele estendia a mão ensanguentada na direção do filho. "Por que você fez isso?"
O sangue escorria de suas roupas, pingando no chão como chuva pesada. A mãe de Kieran já não sorria. Seus olhos vazios o encaravam, como se já não restasse mais vida neles.
"Eu... eu não queria..." Kieran sussurrou, sua voz trêmula e desesperada. Ele tentou avançar, mas suas pernas não obedeciam. "Eu... não foi minha culpa..."
Mas, no fundo, ele sabia que tinha sido. Ele se lembrava do momento em que seus poderes monstruosos haviam tomado o controle. Ele se lembrava das garras afiadas, dos gritos, do sangue. Tudo o que ele amava havia sido destruído por suas próprias mãos.
De repente, a visão mudou. Agora ele estava de pé em uma cidade em chamas. A mesma que ele havia destruído sem perceber. Prédios desmoronavam ao seu redor, e corpos estavam espalhados pelas ruas, o cheiro de queimado e morte impregnando o ar. Ao longe, ele viu uma pequena figura correndo. Uma criança. Seu coração apertou ao reconhecê-la. Era Dóris.
Ela estava assustada, chorando, correndo para se afastar das chamas. Kieran tentou gritar, avisá-la, mas sua voz não saiu. Ele tentou se mover, mas seus pés estavam presos em uma poça de sangue que parecia se expandir cada vez mais. Ela olhou para trás, seus olhos grandes e cheios de medo encontrando os dele.
"Por favor... me ajude..." Dóris gritou, mas Kieran não podia alcançá-la. Seu corpo não se movia. Tudo o que ele conseguia fazer era assistir enquanto uma sombra gigante se erguia atrás dela, a monstruosidade que ele sabia que era ele mesmo. A criatura o encarava com olhos vermelhos e flamejantes, uma versão deformada e grotesca de sua forma monstruosa. Suas garras estavam prontas para atacar.
"Não... Não!" Kieran gritou, mas era tarde demais. A criatura desceu sobre Dóris, e tudo escureceu novamente.
Agora, ele estava novamente no vazio. Sozinho. Silêncio absoluto. Mas algo estava diferente desta vez. Kieran sentia a presença de alguém... ou de algo.
"Você nunca será capaz de escapar de mim," uma voz profunda e distorcida ecoou ao redor dele, reverberando por toda a escuridão. A voz era familiar, mas ao mesmo tempo, distorcida. Era a voz de sua monstruosidade.
"Você causou tudo isso," a voz continuou, fria e implacável. "E sabe que, no fundo, eu sou o verdadeiro você."
A sombra de sua forma monstruosa começou a tomar forma diante dele, seus olhos vermelhos brilhando na escuridão.
"Você acha que pode me controlar? Que pode me manter preso?" A criatura riu, um som gutural e perturbador. "Mas a verdade é que você precisa de mim. Eu sou sua força. Eu sou seu poder."
Kieran tremia. Ele queria lutar, queria resistir, mas as palavras da criatura eram como veneno, se infiltrando em sua mente. Ele sabia que parte disso era verdade. Sem a monstruosidade, ele teria morrido. Sem ela, ele nunca teria sobrevivido. Mas também sabia o preço.
"Você vai me liberar, mais cedo ou mais tarde," a sombra disse com um sorriso grotesco. "E quando o fizer... você será invencível."
Kieran tentou gritar em negação, mas sua voz se perdeu no vazio.
"Até lá... eu estarei esperando."
A criatura desapareceu, e Kieran se sentiu caindo em um abismo sem fim, o peso da culpa e do medo o puxando para baixo. O som de sua própria respiração ecoava enquanto ele despencava na escuridão sem fim.
Depois disso, enquanto seu corpo estava completamente ferido, sua mentalidade também estava instável, nem mesmo ele sabia como ele podia sentir tanta dor tanto físico quanto mental, ele estava no inferno, uma dor que não acaba, já que ele estava sendo constantemente se regenerando da habilidade ativa de Fenrir absorvida, o Bestíario do lado, apenas testemunhava a dor dele, sem dizer nada.
Em um outro lugar...
O sol estava baixo no horizonte, derramando uma luz dourada sobre a estrada de terra que serpenteava entre as colinas. O vento suave agitava os cabelos de Dóris enquanto ela caminhava ao lado de seu pai, Hyir. Ele estava sério, o semblante mais pesado do que de costume, em uma das suas mãos, ele segurava com bastante firmeza sua muleta, enquanto o outro, segurava o machado com a mesma firmeza. O silêncio entre eles era denso, quase palpável, desde que haviam deixado a floresta. Algo pesava na mente de ambos, mas nenhum dos dois ousava falar primeiro.
Finalmente, foi Dóris quem quebrou o silêncio.
"Pai... você acha que ele vai ficar bem?" A voz de Dóris era suave, quase hesitante.
Hyir suspirou profundamente antes de responder, sem desviar os olhos do caminho à frente.
"Não sei, menina. Aquele homem... Kieran, tem algo de estranho nele. Ele está ferido, muito mais do que fisicamente." Ele olhou de lado para Dóris. "Mas nós fizemos o que podíamos. O resto... bem, agora está nas mãos dele."
Dóris assentiu, mas a preocupação ainda fervilhava dentro dela. Kieran parecia carregar o peso do mundo nos ombros, e havia algo nos olhos dele que a fazia pensar em uma fera encurralada. Algo sombrio, incontrolável.
"Eu sinto que ele... está lutando contra alguma coisa. Algo dentro dele," Dóris murmurou, mais para si mesma do que para o pai.
Hyir franziu o cenho, não respondendo imediatamente. Ele sabia que sua filha tinha uma sensibilidade aguçada para perceber as emoções das pessoas. Era um dom raro, mas também perigoso, especialmente em um mundo onde as emoções podiam ser distorcidas por forças além do entendimento humano.
Enquanto caminhavam, as sombras das árvores ao redor começaram a se alongar, dando um ar mais sinistro ao ambiente. Hyir finalmente falou, quebrando seus próprios pensamentos.
"Estamos chegando à vila. Fique perto de mim. Não sabemos quem pode estar à espreita."
Dóris balançou a cabeça em concordância, mas seus pensamentos estavam distantes, ainda focados em Kieran. Ela se perguntava o que realmente se passava dentro dele, e por que ele parecia estar sempre à beira de um precipício.
Foi então que algo incomum aconteceu.
Enquanto eles contornavam uma curva na estrada, uma figura apareceu à frente deles, caminhando vagarosamente em direção contrária. Era um homem idoso, curvado pelo peso dos anos, apoiado em um cajado simples de madeira. Seus cabelos brancos flutuavam suavemente na brisa, e ele vestia uma túnica de lã desbotada, comum para um viajante humilde.
Hyir parou abruptamente, segurando o braço de Dóris, instintivamente colocando-se entre ela e o estranho.
"Quem é você?" Hyir perguntou, a desconfiança evidente em sua voz.
O idoso levantou o olhar, e seus olhos eram surpreendentemente claros e brilhantes para alguém de sua idade. Um sorriso sereno curvou seus lábios, como se estivesse esperando por eles.
"Não há necessidade de se alarmar," disse o homem, sua voz rouca, mas firme. "Eu sou apenas um viajante... buscando algo."
Hyir estreitou os olhos, mas manteve o machado abaixado, embora ainda em uma postura de alerta.
"O que exatamente está buscando?" perguntou Hyir, com cautela.
O velho sorriu novamente, mas desta vez seus olhos se voltaram para Dóris, e ela sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Não era medo... mas algo muito mais profundo, uma sensação de ser vista de um jeito que ela nunca havia experimentado antes.
"Não algo... mas alguém," respondeu o idoso, olhando diretamente para Dóris agora. "E parece que a encontrei."
Dóris sentiu seu coração acelerar. Havia uma estranha familiaridade naquele homem, como se ele soubesse algo sobre ela que nem mesmo ela conhecia. Sua mente girava em perguntas não formuladas, e ela abriu a boca para falar, mas o homem se adiantou.
"Você, menina," ele começou, sua voz suave, mas carregada de um peso antigo. "Carrega dentro de si um potencial raro. Algo que poucos neste mundo poderiam entender... ou utilizar."
Hyir deu um passo à frente, agora mais alerta.
"O que você está insinuando, velho?" sua voz estava grave, com uma ameaça contida.
Mas o idoso não demonstrou medo ou preocupação. Ele simplesmente ergueu uma mão, gesticulando para que Hyir mantivesse a calma.
"Estou falando de dons antigos, adormecidos, que residem nela. Forças que remontam às divindades esquecidas, Hati e Sköll."
Dóris piscou, surpresa ao ouvir aqueles nomes. Ela os conhecia das lendas, lobos que perseguiam o sol e a lua, criaturas de poder e mistério, mas nunca pensou que poderia ter alguma conexão com eles, muito mais ao ver que o monstro que tinha ajudado Kieran a derrotar possuía os poderes, ou pelo menos, uma parte deles.
"Hati e Sköll..." Dóris repetiu, mais para si mesma.
O idoso assentiu, os olhos brilhando com algo que parecia um entendimento profundo.
"Sim, menina. Você tem a habilidade de canalizar suas essências, se for guiada corretamente. E eu... sou um daqueles que pode te guiar."
Hyir deu outro passo à frente, sua postura protetora ficando mais evidente.
"O que você quer com minha filha?" Sua voz era quase um rosnado agora.
O velho não se abalou. Em vez disso, ele olhou para Hyir com uma expressão de respeito.
"Nada que não seja dela por direito," ele disse calmamente. "Ela tem um caminho a seguir, uma jornada que precisa ser feita. E será uma jornada perigosa, mas também necessária."
Dóris sentiu um turbilhão de emoções. Parte dela queria afastar-se do homem, mas outra parte, mais profunda, sentia-se atraída pelo que ele dizia. Como se, de algum modo, aquilo que ele falava estivesse ressoando com algo dentro dela que ela nunca soube que existia.
"Eu... não entendo," ela sussurrou.
O idoso sorriu, seu rosto gentil e paciente.
"Você entenderá no momento certo, criança. Mas saiba disso: as forças de Hati e Sköll estão te observando. Eles escolheram você para ser sua campeã."
Dóris sentiu um arrepio correr por sua espinha novamente, e seus pensamentos ficaram confusos. Campeã? Por quê? E o que isso significava?
Antes que ela pudesse fazer mais perguntas, o idoso começou a se afastar lentamente, como se sua presença já tivesse cumprido seu propósito.
"Nos encontraremos novamente, quando for o momento certo," disse ele, desaparecendo na escuridão da floresta que cercava a estrada.
Dóris ficou ali parada, o coração ainda batendo rápido, com uma sensação de inquietação crescendo dentro dela. Ela sabia que aquele encontro não tinha sido por acaso. Algo grande estava para acontecer... algo que ela ainda não entendia, mas que começava a sentir.
Hyir, ainda tenso, olhou para ela, seus olhos carregados de preocupação.
"Nós vamos manter distância disso," disse ele, sua voz firme. "Esse tipo de coisa nunca traz boas notícias."
Mas Dóris, olhando para o local onde o idoso havia desaparecido, não estava tão certa disso. Algo dentro dela já estava mudando.
"Talvez, pai... talvez seja o destino," ela murmurou.
E, pela primeira vez, ela sentiu que algo maior estava esperando por ela.
O caminho para a cidade foi mais curto do que Dóris esperava, mas o peso das palavras do velho idoso parecia prolongar cada passo. Quando ela e seu pai chegaram aos portões de madeira da vila, as casas simples e os telhados de palha já estavam sendo iluminados pelo nascer do sol, a luz alaranjada cobrindo tudo em um brilho suave. O cheiro familiar de pão assado e o som de conversas animadas preenchiam o ar, mas Dóris estava distante, perdida em pensamentos.
Ela se despediu de Hyir, que foi tratar dos negócios na vila, deixando-a livre para caminhar sozinha pelas ruas estreitas. Seus pés a guiaram instintivamente para a pequena pousada onde costumavam ficar nas raras ocasiões em que vinham à cidade. Entrando no local, ela sentiu o calor da lareira e o cheiro de comida fresca, mas não tinha apetite. O que lhe faltava era clareza.
Sentada em uma mesa perto da janela, Dóris apoiou o queixo nas mãos e deixou seus pensamentos voltarem ao idoso que encontraram na estrada. As palavras dele continuavam ecoando em sua mente. Hati e Sköll... campeã... forças adormecidas. Tudo isso parecia tão distante da realidade que ela conhecia, mas ao mesmo tempo, algo dentro dela reagia, como se já soubesse que aquelas palavras eram verdadeiras.
Ela fitava a vila em movimento lá fora, mas sua mente estava longe dali, tentando fazer sentido do que aconteceria a seguir. Seria mesmo possível que ela tivesse esse destino? Como poderia, uma simples filha de lenhador, ter qualquer ligação com lendas tão poderosas? O idoso havia falado de dons antigos e de forças que ela sequer entendia... Mas a sensação de que algo estava prestes a mudar não a deixava em paz.
— "Você entenderá no momento certo," ela repetiu para si mesma, lembrando-se da voz do velho. Suas palavras, embora vagas, haviam plantado uma semente em sua mente. Uma semente de dúvida... e de curiosidade.
Enquanto o sol subia no horizonte, longe dali, Leonhardt estava imóvel, seus olhos fixos no corpo de Kieran. Ele mal havia se movido durante toda a noite, permanecendo em guarda, observando qualquer sinal de perigo, pronto para proteger o corpo ferido de Kieran contra os caçadores ou qualquer outro inimigo que pudesse aparecer.
Seu coração ainda estava acelerado, o eco da batalha contra os sete caçadores ainda vibrava em seus músculos. Ele havia vencido, como sempre, mas o peso da responsabilidade sobre seus ombros parecia ter crescido. Ele olhou para Kieran, o homem que, de alguma forma, tinha sobrevivido a ferimentos tão graves. O que ele está escondendo? Leonhardt se perguntava. Havia algo em Kieran que ele ainda não compreendia completamente, algo além da simples força física.
Mas, ao mesmo tempo, outra coisa corroía sua mente.
As palavras de seu pai, Caelum Valerius, ecoavam em seus ouvidos, tão nítidas quanto haviam sido na última vez que conversaram. "Você deve ser o mais forte, Leonhardt. Deve ser o caçador mais temido de todos, assim como eu fui. Essa é a tradição dos Valerius. A grandeza está no seu sangue."
Leonhardt cerrou os punhos, sentindo o peso daquelas expectativas esmagando seu coração. Ele havia passado a vida inteira tentando alcançar essa grandeza, lutando para ser o mais forte. Para ser o melhor. Mas agora, olhando para Kieran, um homem que parecia quebrado e frágil, ele não podia evitar a sensação de que havia mais do que força física em jogo. Algo estava mudando. Algo dentro dele. A luta pela força máxima parecia incompleta, como se não fosse mais o único caminho.
Ele balançou a cabeça, tentando afastar os pensamentos. Não havia espaço para fraqueza. Ele era um Valerius. Ele tinha um legado para honrar.
O sol agora brilhava alto no céu, as sombras da noite finalmente dissipadas. Leonhardt suspirou, observando Kieran mais uma vez. Apesar de tudo, o homem ainda estava vivo... e se Leonhardt era o caçador mais forte, era seu dever protegê-lo, pelo menos até que Kieran pudesse lutar por conta própria novamente.
Com esforço, Leonhardt ergueu o corpo desacordado de Kieran sobre os ombros. Seus músculos, ainda cansados da batalha, protestaram por um breve momento, mas ele ignorou a dor. A missão ainda não havia acabado.
Ele olhou para a estrada que se estendia à sua frente. O vilarejo onde ele havia encontrado Kieran pela primeira vez não estava tão distante. Eles precisavam de um lugar seguro para se recuperar, e ele precisava de tempo para processar tudo o que havia acontecido.
Enquanto começava a caminhar, o peso de Kieran em seus ombros, Leonhardt sentiu seu coração se apertar novamente. As palavras de seu pai continuavam a ressoar. "Seja o mais forte." Mas agora, pela primeira vez, ele questionava o que significava ser verdadeiramente forte.
O sol continuava a subir, lançando suas sombras para trás, enquanto Leonhardt caminhava lentamente de volta ao vilarejo, carregando não apenas o corpo de Kieran, mas também o peso de sua própria herança e das dúvidas que começavam a crescer dentro dele.
E assim, o capítulo terminava com Dóris, ainda assombrada pelas palavras do idoso, e Leonhardt, lutando contra as pressões de seu próprio legado. Ambos estavam em jornadas diferentes, mas igualmente transformadoras, sem saber que o destino os conectaria de maneiras inesperadas.