Nos meses que se seguiram à partida de Marcy, meus pais se esforçaram para preencher o vazio que ela deixou, envolvendo os outros membros da trupe para que eu não me afundasse na melancolia.
Na trupe, a idade era apenas um detalhe. Cada um contribuía com o que podia, seja selando cavalos, fazendo malabarismos, ou até assumindo papéis no palco. Tudo era simples e fluía naturalmente.
Stap me ensinou a arte de fazer piadas e dar cambalhotas. Shae compartilhou comigo danças de terras distantes. Netero, por sua vez, decidiu que eu estava pronto para aprender esgrima. Não para lutar de verdade, mas para criar uma performance que cativasse o público.
Seguimos rumo ao norte, cruzando vilarejos na República, apresentando-nos em cada parada. Com a ausência de Marcy, passei a acompanhar meu pai com mais frequência, e ele começou a me ensinar formalmente a arte de atuar.
Eu já sabia bastante, mas foi ele quem me mostrou a verdadeira mecânica da atuação: como pequenas mudanças na postura ou na entonação podiam transformar completamente um personagem.
Finalmente, mamãe começou a me instruir sobre como me comportar em ambientes refinados. Eu insisti que já sabia o suficiente sobre etiqueta e hierarquia, mas ela estava decidida a ensinar os detalhes mais sutis.
― Quem se importa se um visconde cealdamo é superior a um spathaen mitreziano? ― reclamei. ― E quem se importa se um deles é chamado de 'vossa graça' e o outro de 'milorde'?
― Eles se importam ― replicou minha mãe, com firmeza. ― Se você vai se apresentar para eles, precisa agir com dignidade e aprender a não colocar o cotovelo na sopa.
― Papai não se preocupa com qual garfo usar ou com quem é superior a o quê ― murmurei.
Mamãe franziu a testa e estreitou os olhos.
― Quem é superior a quem ― corrigiu-me, com um toque de contrariedade. ― Seu pai sabe mais do que aparenta. E o que ele não sabe, ele contorna com charme. É assim que ele se arranja ― disse, segurando meu queixo e levantando meu rosto em direção ao dela. Seus olhos verdes, com um brilho dourado ao redor das pupilas, eram hipnotizantes. ― Você quer apenas se sair bem ou deseja me deixar orgulhosa?
A resposta era clara.
Uma vez que me comprometi a aprender, tornou-se apenas mais um papel a desempenhar. Outro personagem a ser vivido. Mamãe criou rimas para me ajudar a memorizar os detalhes mais absurdos da etiqueta. Juntos, escrevemos uma canção chamada "O padre sempre serve a rainha". Rimos disso por um mês inteiro, e mamãe me proibiu rigorosamente de cantá-la para papai, temendo que ele a tocasse para as pessoas erradas e nos metesse em apuros.
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― Árvore! ― veio o grito abafado da frente. ― Taiga tripla!
Meu pai interrompeu o monólogo que recitava para mim e soltou um suspiro irritado.
― Parece que este será nosso limite por hoje ― murmurou, erguendo os olhos para o céu.
― Vamos parar? ― gritou minha mãe de dentro da carroça.
― Outra árvore bloqueando a estrada ― expliquei.
― Francamente! ― exclamou meu pai, guiando a carroça em direção a uma clareira à margem da estrada. ― Esta é ou não é a estrada real? Parece que somos os únicos a usá-la! Quanto tempo já se passou desde aquela tempestade? Duas dezenas?
― Nem isso ― respondi, começando a entender a peculiar contagem de dias daquele mundo. Não se contava em semanas, nem de segunda a sexta. Havia um sistema único, e eu ainda tateava por compreensão. Preferi me manter seguro: ― Dezesseis dias.
― E ainda assim, árvores bloqueiam a estrada! Estou a ponto de enviar uma conta ao consulado por cada árvore que tivemos de cortar e arrastar do caminho. Isso nos atrasará em mais umas três horas.
Meu pai desceu da carroça assim que ela parou.
― Acho que podemos ver isso como uma oportunidade ― disse minha mãe, contornando a carroça. ― Isso nos dá a chance de preparar uma refeição quente ― lançou um olhar significativo para meu pai. ― É frustrante nos contentarmos com o que encontramos no fim do dia. O corpo pede mais do que isso.
O humor de meu pai pareceu melhorar consideravelmente.
― Tem razão ― concordou ele.
― Querido ― chamou-me minha mãe. ― Você acha que pode encontrar um pouco de silva-brava para mim?
― Não sei se cresce por aqui ― respondi, com uma pontada de incerteza.
― Não custa tentar ― retrucou mamãe com sensatez, lançando um olhar de lado para meu pai. ― Se encontrar o suficiente, traga um punhado. Vamos secá-la depois.
Geralmente, não importava muito se eu achava ou não o que procurava.
Costumava me afastar da trupe ao entardecer. Sempre havia algo para fazer enquanto meus pais preparavam o jantar, mas essas tarefas eram apenas desculpas para nos darmos um tempo.
Na estrada, a privacidade era rara, e eles precisavam tanto dela quanto eu. Se eu demorava uma hora para trazer um feixe de lenha, ninguém se importava. E se eles ainda não tinham começado a fazer o jantar quando eu voltava, bem, era justo, não?
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Deixemos de lado o tempo que passei sozinho na floresta naquele entardecer, brincando com as coisas que as crianças inventam para se divertir e procurando a erva que minha mãe havia pedido. Eu não sabia, mas aquelas seriam as últimas horas despreocupadas de minha nova vida.
Deixemos de lado minha volta ao acampamento, com o sol se pondo. A visão dos corpos espalhados como bonecas quebradas. O cheiro de sangue e cabelo queimado. O modo como vaguei sem rumo, desnorteado demais para entrar em pânico, entorpecido pelo choque e pelo terror.
Gostaria de passar por cima de toda essa noite, na verdade. Gostaria de me poupar do peso de qualquer parte dela. Mas este é o eixo em torno do qual tudo gira, como uma porta que se abre.
Então, vamos acabar logo com isso.