Despertei com o nascer do sol, e saciei minha sede rapidamente antes de ir verificar a armadilha que havia preparado na noite anterior. Para minha surpresa, um coelho havia sido capturado, a corda o mantinha preso enquanto ele se debatia. Com a pequena faca em mãos, recordei as lições do lenhador sobre como preparar coelhos. Mas, ao imaginar o sangue tingindo minhas mãos, uma onda de náusea tomou conta de mim. Vomitei, incapaz de suportar a ideia. Liberei o animal e retornei ao lago.
Bebi mais um gole de água e me sentei sobre a grande pedra. A tontura que me envolvia só podia ser atribuída à fome que queimava em meu estômago vazio.
Após um breve momento, minha mente clareou e me repreendi por tamanha imprudência. Encontrei alguns cogumelos crescendo em um tronco de árvore morta e, após lavá-los no lago, os comi. Tinham uma textura áspera e um sabor terroso, mas eu devorava tudo que encontrava.
Preparei outra armadilha, desta vez com a intenção de matar. Mais tarde, ao sentir o cheiro de chuva no ar, voltei ao monólito cinzento, protegendo o alaúde que era tudo o que me restava do meu pai.
Nos primeiros dias, eu me movia como uma máquina, executando as tarefas que garantiriam minha sobrevivência sem pensar, sem sentir.
Comi o segundo coelho que capturei, e depois o terceiro. Descobri um pedaço de terra coberto por morangos silvestres e cavei em busca de raízes. No final do quarto dia, eu já havia conseguido o necessário para sobreviver: uma fogueira escavada na terra cercada por pedras, um abrigo improvisado para proteger o alaúde e um pequeno estoque de alimentos, para qualquer emergência.
No entanto, havia algo que eu possuía em abundância: tempo. Depois de cuidar das necessidades imediatas, percebi que não tinha mais nada a fazer. Foi nesse vazio que uma pequena parte de minha mente começou a despertar.
Não era mais o mesmo de antes. Aquela pessoa que veio de outro mundo havia desaparecido. Eu me dedicava a cada tarefa com uma concentração total, preenchendo minha mente para não deixar espaço para lembranças dolorosas.
Emagreci, minhas roupas se tornaram trapos. Dormia sob a chuva ou o sol, sobre a relva macia, na terra úmida ou sobre a pedra dura, com uma indiferença que apenas o luto profundo pode trazer. A única mudança que percebia no ambiente era quando chovia, pois então não podia tocar o alaúde, o que me causava uma dor sutil.
Mas, mesmo assim, eu tocava. Era minha única fonte de conforto.
Após o primeiro mês, meus dedos estavam cheios de calos, e eu passava horas e mais horas dedilhando as cordas. Tocava todas as músicas que sabia de cor, e depois as que lembrava parcialmente, preenchendo os espaços esquecidos com minha própria imaginação.
Havia dias em que tocava desde o amanhecer até o anoitecer. Parei de reproduzir as melodias conhecidas e comecei a criar novas. Já havia composto canções antes, até ajudara meu pai a escrever alguns versos. Agora, no entanto, dedicava-me inteiramente a essa tarefa.
Comecei a buscar algo diferente, tentando capturar em sons as sensações que me rodeavam. Quando o sol aquecia a relva e a brisa soprava suavemente, eu tocava até que a música refletisse essa sensação — chamava-a de "Relva Morna e Brisa Fresca".
Tocava apenas para mim, uma plateia exigente. Recordo-me de ter passado quase três dias inteiros tentando reproduzir o som do "Vento Rodopiando uma Folha".
No final do segundo mês, consegui tocar com a mesma facilidade com que via e sentia as coisas ao meu redor: "Sol Poente por Trás das Nuvens", "Pássaro Bebendo Água", "Orvalho nas Samambaias".
Eventualmente, parei de olhar para fora e comecei a olhar para dentro, buscando lembranças para transformar em música. Toquei "Andando de Carroça com Marcy", "Cantando com Papai junto à Fogueira", "Vendo Shae Dançar", "Mamãe Sorrindo..."
Tocar essas memórias doía, mas era uma dor familiar, como a dos dedos feridos sobre as cordas do alaúde. Eu sangrava um pouco, mas esperava que logo se formassem calos.
Com o fim do verão, uma das cordas do alaúde se partiu, irremediavelmente quebrada. Passei o dia inteiro em um estado de choque silencioso, incapaz de processar a perda. Minha mente ainda estava entorpecida, adormecida. Encarei o problema com apenas uma sombra da minha habitual perspicácia.
Sem como substituir a corda, sentei-me e comecei a aprender a arte de tocar com apenas seis delas.
Após alguns dias, eu já estava quase tão habilidoso com seis cordas quanto havia sido com sete. Três semanas depois, enquanto tentava tocar "À Espera sob a Chuva", a segunda corda se rompeu. Desta vez, não hesitei: removi a corda quebrada e me adaptei novamente.
Quando a terceira corda cedeu, quase ao término da estação, aceitei que aquilo era demais. Passei metade do dia lutando contra a frustração até que, finalmente, empacotei o que restava — a faquinha cega, metade do rolo de barbante, o livro de Marcy — e pendurei o alaúde de meu pai no ombro. Então, comecei a caminhar.
Tentei assobiar "Neve Caindo com as Últimas Folhas de Outono" ou "Dedos Calejados e um Alaúde de Quatro Cordas", mas não era a mesma coisa que tocar.
O meu plano era simples: encontrar uma estrada e seguir seu traçado até chegar a uma cidade. Não fazia ideia de quão distante estava de qualquer civilização, nem qual direção seria a correta ou sequer o nome do meu destino. Tudo o que sabia era que estava em algum ponto ao sul da República, mas a localização exata se perdia em meio a outras lembranças, aquelas que eu preferia manter adormecidas.
Foi o clima que me guiou em minha decisão. O frescor do outono começava a ceder espaço ao frio cortante do inverno. Sabia que o calor seria mais acolhedor no sul. Sem um plano melhor em mente, alinhei o sol nascente à minha esquerda e, com a esperança de cobrir uma grande distância, segui em frente, deixando que meus passos me levassem ao desconhecido.