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Chapter 19 - XVIII. ESTRADAS

A próxima onzena foi um verdadeiro tormento. Os poucos alimentos que levei comigo esgotaram-se rapidamente, forçando-me a parar em busca de qualquer coisa comestível quando a fome apertava.

Houve dias em que encontrar água se tornou uma batalha, e quando finalmente a achava, não tinha onde armazená-la. Uma pequena trilha de carroças levou-me a uma estrada maior, que por sua vez se conectava a outra ainda mais extensa. Meus pés, torturados dentro dos sapatos, estavam cobertos de bolhas e feridas.

As noites geladas tornaram-se minha rotina. Havia hospedarias ao longo do caminho, mas mantive-me distante delas, exceto por um ocasional gole de água furtado das gamelas dos cavalos. Passei por vilarejos, mas sabia que precisava alcançar uma cidade maior; os camponeses não teriam interesse nas cordas de um alaúde.

No início, cada vez que ouvia o som de uma carroça ou cavalo se aproximando, eu me apressava em me esconder à beira da estrada. Desde a noite do massacre de minha família, eu não trocava palavras com outro ser humano. Mais parecia uma fera selvagem do que um menino de dez anos.

Entretanto, a estrada ficou cada vez mais movimentada, e logo percebi que passava mais tempo oculto do que caminhando. Por fim, decidi enfrentar o tráfego, encontrando um estranho alívio ao ser praticamente ignorado.

Certa manhã, enquanto caminhava há menos de uma hora, ouvi o som de uma carroça se aproximando por trás. A estrada era larga o suficiente para duas carroças, mas, mesmo assim, desviei-me para a grama à margem.

— Ei, garoto! — bradou uma voz áspera. Sem me virar, continuei andando, afastando-me ainda mais para a grama, com os olhos fixos no chão.

A carroça passou vagarosamente ao meu lado, e a voz ecoou novamente, agora mais alta:

— Ô, menino!

Ergui a cabeça e vi um homem idoso, o rosto marcado pelo sol, lutando para enxergar através da luz intensa. Sua idade era difícil de decifrar, variando entre quarenta e sessenta anos. Ao seu lado, um jovem de ombros largos, que parecia ser seu filho, estava sentado na carroça.

— 'Ocê é suirdo, garoto? — perguntou o homem.

Balancei a cabeça em negação.

— 'Tão é mudo?

Novamente neguei, e minha voz, estranha e rouca após tanto tempo sem uso, respondeu:

— Não.

Ele me estudou com os olhos apertados.

— Tá 'íno pra cidade?

Assenti, sem muita vontade de falar novamente.

— Então, suba aqui — ele indicou, apontando com a cabeça para a traseira da carroça. — A Gina não vai se importar de puxa um fardo como 'ocê. — E deu um tapinha na mula.

Concordar parecia mais fácil do que continuar fugindo. Além disso, meus pés estavam em chamas devido ao atrito nos sapatos. Com o alaúde nas costas, subi na parte traseira da carroça, onde três quartos do espaço estavam ocupados por grandes sacos de aniagem. Algumas abóboras rolaram ao longo do chão da carroça.

O homem balançou as rédeas, e a mula retomou o passo, ainda que relutante. Peguei as abóboras soltas e as coloquei de volta no saco. O lavrador me ofereceu um sorriso por sobre o ombro.

— Obrigado, garoto. Sou o Doga, e este é o Unei. Melhor 'ocê se sentar; um solavanco forte pode te jogar pelos lados.

Sentei-me em um dos sacos, sentindo uma tensão inexplicável. Doga entregou as rédeas ao filho e tirou uma grande broa marrom de uma sacola entre eles. Cortou um pedaço generoso, espalhou manteiga e me ofereceu.

A gentileza repentina apertou meu peito. Já fazia meio ano desde a última vez que comera pão. O sabor era uma lembrança de tempos mais simples. Guardei um pedaço para depois, colocando-o em minha sacola de lona.

Após um quarto de hora de silêncio, Doga se virou.

— 'Cê toca esse instrumento, garoto? — perguntou, apontando para o alaúde.

Apertei o instrumento contra o corpo.

— Está quebrado.

― Ah ― ele fez, desapontado. Pensei que ele fosse me pedir para descer, mas, em vez disso, ele sorriu e fez um sinal para o filho ao seu lado. ― Então nós é que vamo te entreter.

E começou a cantar "Criaferro Austero", uma canção antiga e conhecida. Pouco depois, o filho se juntou a ele, e suas vozes rudes formaram uma harmonia simples que mexeu com alguma coisa dentro de mim, evocando lembranças de outras carroças, outras canções e um lar meio esquecido.

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Era quase meio-dia quando a carroça virou em uma estrada larga como um rio, pavimentada com pedras. Havia poucos viajantes no início, mas para mim, depois de tanto tempo solitário, parecia uma multidão.

À medida que avançávamos pela cidade, as construções baixas cederam espaço a armazéns mais altos e hospedarias. Árvores e jardins deram lugar a ruelas e vendedores ambulantes. O cheiro de cerveja, suor e alcatrão enchia o ar. Perguntei-me que cidade era aquela, se já estivera ali antes…

Trinquei os dentes e forcei minha mente a se concentrar em outra coisa.

— Tamo quase lá — disse Doga, elevando a voz acima do burburinho. A estrada desembocou em um mercado. As carroças rolavam sobre as pedras com o barulho de um trovão distante. Vozes discutiam e pechinchavam. Em algum lugar, uma criança chorava.

Paramos em uma esquina desocupada em frente a uma livraria. Ajudei a descarregar as sacas e empilhá-las ao lado da carroça. Meia hora depois, Doga se acomodou entre as sacas e me olhou.

— Que 'ocê tá fazendo na cidade hoje, garoto? — perguntou com curiosidade.

― Preciso de cordas para o alaúde ― respondi, percebendo de repente que não sabia onde estava o alaúde do meu pai. Olhei ao redor, ansioso. Não o encontrei onde o havia deixado na carroça, nem encostado na parede, nem entre as pilhas de abóboras. Um aperto no peito me dominou até que, finalmente, o avistei sob alguns sacos de aniagem soltos. Fui buscá-lo com mãos trêmulas.

O lavrador sorriu e me entregou duas abóboras.

— Será que sua mãe gostaria de ver 'ocê levando para casa duas das melhores abóboras deste lado do Ald? — brincou.

― Não, não posso... ― gaguejei, afastando a lembrança dos meus dedos esfolados cavando a lama e do cheiro de cabelo queimado. ― Eu... quer dizer, o senhor já...

Minha voz falhou enquanto eu abraçava o alaúde e dava alguns passos para trás. O lavrador me olhou com mais atenção, como se estivesse me vendo pela primeira vez. Subitamente envergonhado, imaginei como deveria parecer: maltrapilho e faminto. Ele suspirou e colocou as abóboras no chão.

― Ah, garoto... ― ele murmurou baixinho. Colocou as abóboras no chão e virou-se para mim com seriedade. ― Unei e eu vamo ficar vendendo aqui até o pôr-do-sol, mais ou meno. Se até lá você tiver encontrado o que está procurando, será bem-vindo a voltar para a fazenda conosco. Minha esposa e eu poderíamos usa uma ajuda extra de vez em quando. Você seria muito bem-vindo. Não é, Unei?

Unei também me olhou, com compaixão no rosto sincero.

— Claro, pai. Foi o que ela disse antes de partirmos.

O velho lavrador continuou me encarando com seriedade.

― Essa é a Praça Quasmera ― ele apontou para o chão. ― Vamo ficar aqui até escurecer, talvez um pouco mais. Você se certifique de voltar, se quiser uma carona. Tá me ouvindo? ― ele perguntou, com uma expressão preocupada. ― 'Ocê pode voltar conosco.

Continuei recuando, sem entender exatamente por que estava fazendo isso. Só sabia que, se fosse com ele, teria que explicar, teria que lembrar. Qualquer coisa era melhor do que abrir aquela porta...

― Não. Não, obrigado ― gaguejei. ― O senhor já ajudou bastante. Eu vou ficar bem.

Então, fui empurrado por trás por um homem usando avental de couro. Assustado, dei meia-volta e saí correndo.

Ouvi um deles me chamar, mas a multidão abafou sua voz.

Corri, com o coração apertado no peito.