Após o massacre que dizimou minha trupe, houve momentos em que sonhei com meus pais, vivos e entoando canções alegres.
Nos sonhos, a morte deles parecia um equívoco, um mal-entendido, uma nova encenação que eles estavam ensaiando. Por breves instantes, eu me libertava da imensa tristeza que me envolvia, que constantemente me esmagava. Eu os abraçava e ríamos da minha tola preocupação. Cantávamos juntos e, por um breve momento, tudo era maravilhoso.
Maravilhoso.
Mas, ao despertar, sempre me encontrava sozinho na escuridão, à beira do lago na floresta. O que estava fazendo ali? Onde estavam meus pais? E então, a verdade me retornava como uma ferida aberta. Eles estavam mortos e eu estava terrivelmente sozinho.
O peso imenso, que por um momento parecia ter se dissipado, retornava com uma intensidade ainda mais opressiva, pois eu não estava preparado. Assim, eu permanecia deitado de costas, encarando a escuridão, com o peito dolorido e a respiração dificultada, sabendo, no fundo, que nada, nunca mais, seria como antes.
Quando Poko me lançou ao chão, meu corpo estava quase dormente demais para perceber o alaúde de meu pai sendo esmagado sob meu peso. O som que ele produziu era um lamento onírico, trazendo de volta aquela dor aguda e sufocante em meu peito.
Olhei ao redor e vi Poko, ofegante, segurando o ombro. Um dos garotos estava ajoelhado sobre o peito do outro. A luta havia cessado e ambos me observavam, perplexos.
Atordoado, olhei para minhas mãos ensanguentadas, onde as lascas de madeira haviam penetrado a pele.
— O pirralho me mordeu — murmurou Poko, como se não conseguisse acreditar completamente no que dizia.
— Sai de cima de mim — disse o garoto que estava caído de costas.
— Eu avisei para não dizer essas coisas. Veja o que aconteceu.
O rosto de Poko se contorceu, corando de raiva.
— Ele me mordeu! — gritou, dando um chute violento na minha cabeça. Tentei me esquivar, protegendo o alaúde, mas o chute atingiu meus rins e me fez cair novamente sobre os destroços, fragmentando ainda mais o instrumento.
— Viu o que acontece quando você zomba do nome de Ardonai?
— Fechem a boca sobre Ardonai. Saiam de cima de mim e peguem aquele instrumento. Pode ser que ainda tenha algum valor para Dokken.
— Olha o que você fez! — continuou Poko a gritar sobre mim. Um pontapé me atingiu de lado e comecei a perder a visão periférica. Quase acolhi isso como uma distração bem-vinda, mas a dor profunda permanecia, inalterada. Fechei as mãos ensanguentadas, transformadas em punhos de dor lancinante.
— Esses objetos emaranhados ainda parecem intactos. São prateados, aposto que podemos conseguir algo com eles.
Poko moveu o pé para trás. Tentei erguer as mãos para me proteger, mas meus braços apenas tremiam e ele chutou minha barriga.
— Pegue aquele pedaço ali...
— Poko. Poko!
Poko me deu outro chute no estômago e, sem forças, vomitei nas pedras do calçamento.
— Vocês aí, parem! Vigilância Urbana! — gritou uma nova voz. Um instante de silêncio foi seguido por um tumulto de passos se arrastando e se afastando. Em breve, botas pesadas ecoaram no chão e o som se dissipou ao longe.
Lembro-me da dor em meu peito. Afundei na escuridão, inconsciente.
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Fui arrancado da escuridão por alguém que revirava meus bolsos. Lutando para abrir os olhos, ouvi uma voz murmurando para si mesma:
— É só isso que eu ganho por salvar sua vida? Cobertor e um par de moedas? Bebida para uma noite? Garoto inútil.
O hálito pesado de álcool me atingiu.
— Gritando daquele jeito! Se você não fosse tão frágil, eu não teria corrido todo esse caminho até aqui.
Tentei falar, mas apenas um gemido saiu da minha boca.
— Bem, você está vivo. Já é alguma coisa, eu acho.
O homem se levantou e o som de suas botas ecoou pelo silêncio. Depois de um tempo, consegui abrir os olhos. Minha visão estava turva e sentia meu nariz maior do que minha cabeça. Toquei-o gentilmente. Quebrado. Seguindo o conselho de Marcy, coloquei minhas mãos de cada lado e, com uma torção firme, recoloquei-o no lugar. Engoli o grito de dor e lágrimas encheram meus olhos.
Pisquei até afastá-las e aliviei ao ver a rua sem o embaçamento doloroso. O conteúdo da minha bolsa estava jogado ao meu lado: meio rolo de corda, uma faca cega, "Crítica e Retórica" e um pedaço de pão que o lavrador me deu para almoçar. Parecia ter passado uma eternidade.
O lavrador. Pensei em Doga e Unei. Pão fresco com manteiga. Canções na carroça. Sua oferta de um lugar seguro, um novo lar...
Uma lembrança repentina foi seguida por um pânico nauseante. Vasculhei a viela, sentindo minha cabeça latejar com o movimento abrupto. Mexi no lixo e encontrei lascas de madeira terrivelmente familiares. Contemplei-as, mudo, enquanto o mundo escurecia ao meu redor. Olhei para o céu e vi que ele adquiria o tom lilás do crepúsculo.
Que horas seriam? Juntei minhas coisas rapidamente, tratando o livro de Marcy com mais cuidado do que o resto, e segui na direção que eu esperava ser a Praça Quasmera.
O crepúsculo já havia desaparecido quando cheguei. Algumas carroças passavam entre poucos transeuntes dispersos. Manquejei de um lado para o outro na praça, em busca do velho lavrador que me deu carona. Em busca da visão de uma daquelas abóboras feias e nodosas.
Quando finalmente encontrei a livraria onde Doga havia parado, estava ofegante e trôpego. Nem sinal dele ou da carroça em lugar algum. Desabei no espaço vazio deixado pelo veículo e senti as dores de uma dúzia de ferimentos que tinha ignorado.
Apalpei cada um deles. Muitas costelas doíam, mas não sabia dizer se estavam quebradas ou se a cartilagem estava rompida. Ficava tonto e enjoado ao mover a cabeça rapidamente; provavelmente tinha sofrido uma concussão. Meu nariz estava quebrado e tinha mais machucados e arranhões do que podia contar. Também estava faminto.
Como era a única coisa que podia fazer, peguei o que sobrou do meu pão e comi. Não foi suficiente, mas melhor do que nada. Bebi água de uma gamela de cavalos, não me importando com o gosto salobre e ácido.
Pensei em ir embora, mas teria que andar horas no estado em que estava. Além disso, nada me esperava fora da cidade, exceto terras cultivadas. Nenhuma árvore para proteger do vento. Nenhuma lenha para uma fogueira. Nenhum coelho para armar armadilhas. Nenhuma raiz para desenterrar, nenhum canto para servir de cama.
Estava tão faminto que meu estômago doía. Pelo menos ali, podia sentir o cheiro de frango cozinhando em algum lugar. Queria sair para procurá-lo, mas estava tonto e dolorido. Talvez alguém me desse algo para comer no dia seguinte. Naquele momento, estava cansado demais. Só queria dormir.
As pedras do calçamento perdiam o calor do sol e o vento ficava mais forte. Recuei até a porta da livraria para me proteger. Quase adormeci quando o dono da loja abriu a porta e me deu um chute, dizendo para sair, senão chamaria a guarda. Saí o mais rápido que pude.
Encontrei alguns caixotes vazios numa ruela. Encolhi-me atrás deles, machucado e exausto. Fechei os olhos e tentei não lembrar como era dormir aquecido e farto, cercado por pessoas que me amavam.
Assim foi a primeira noite dos quase três anos que passei em Notrean.