Notrean, com sua vastidão incomensurável, não poderia ser atravessada em um único dia, mesmo que alguém conseguisse evitar se perder ou ser assaltado nas ruas sinuosas e becos labirínticos. Era uma cidade colossal, uma verdadeira metrópole, onde multidões se entrelaçavam como ondas de um mar caótico, e edificações se erguiam como florestas de pedra. O ar estava impregnado com o cheiro de urina e suor, a fumaça de carvão e alcatrão.
Se eu estivesse em perfeito juízo, jamais teria me aventurado naquele lugar.
Perdi-me em um momento, errando a esquina cedo demais ou tarde demais. Tentei compensar cortando caminho por uma viela estreita entre dois prédios altos. A viela serpenteava como um riacho sinuoso, cavado pela correnteza em busca de um leito mais limpo. O lixo acumulava-se ao longo das paredes, preenchendo as lacunas entre os edifícios, como se fossem alcovas recuadas.
Após várias voltas, o odor nauseante de algo podre chegou até mim. Ao virar outra esquina, tropecei em uma parede, e uma explosão de dor fez estrelas dançarem diante dos meus olhos. Pouco depois, um par de mãos ásperas agarrou meus braços.
Quando abri os olhos, deparei-me com um garoto maior, com o dobro do meu tamanho, com cabelos escuros e um olhar selvagem. A sujeira em seu rosto, que parecia uma barba, conferia ao seu rosto juvenil um aspecto estranhamente cruel.
Dois outros garotos me arrastaram para longe da parede com brutalidade. Gritei quando um deles torceu meu braço. O garoto maior sorriu ao ouvir meu grito e passou a mão pelos cabelos.
― O que você está fazendo aqui, garotinho? Perdeu-se? ― perguntou, ampliando o sorriso.
Tentei me soltar, mas um dos garotos torceu meu pulso, forçando-me a dizer um "não" arfante.
― Acho que ele se perdeu, Poko ― disse o garoto à minha direita. O da esquerda me deu uma cotovelada forte na cabeça, e a viela girou ao meu redor.
Poko riu.
― Estou procurando a oficina de marcenaria ― murmurei, atordoado.
Poko assumiu uma expressão assassina. Suas mãos apertaram meus ombros.
― Eu te perguntei alguma coisa? ― gritou. ― Eu disse que você podia falar?
Deu-me uma cabeçada no rosto, e senti um estalo agudo, seguido de uma explosão de dor.
― Ei, Poko ― uma voz surgiu de uma direção inesperada. Um pé cutucou o estojo do meu alaúde, virando-o. ― Ei, Poko, olha só isso.
Poko abaixou os olhos para o impacto surdo do estojo no chão.
― O que você roubou, garotinho?
― Eu não roubei.
Um dos garotos que segurava meus braços riu.
― Seu tio deu isso a você para vender e comprar remédio para a vovó doente?
E riu novamente, enquanto eu piscava para conter as lágrimas. Ouvi três cliques quando os fechos foram abertos. Em seguida, veio a inconfundível vibração harmônica do alaúde sendo retirado do estojo.
― Sua vovó ficará muito triste por você ter perdido isso, garotinho ― disse Poko, com calma.
― Ardonai amaldiçoado! ― explodiu o garoto à minha direita. ― Poko, você sabe quanto vale essa coisa? Isso é ouro, Poko!
― Não invoque Ardonai assim ― disse o garoto da esquerda.
― O quê?
― "Não invoque Ardonai, a menos que seja absolutamente necessário, pois Ardonai julga todos os pensamentos e ações" ― recitou.
― Ardonai, com seu falo radiante, pode se mijar todo. Isso deve valer uns 20 crimos, o que significa que podemos arranjar pelo menos seis com Dokken. Sabe o que você pode fazer com todo esse dinheiro?
― Você não terá a chance de fazer nada com ele se não parar de dizer essas coisas. Ardonai nos protege, mas é vingativo ― disse a voz do segundo garoto, reverente e amedrontada.
― Você esteve dormindo na igreja de novo, não esteve? Você abraça a religião como se eu abraçasse pulgas.
― Eu vou te dar um nó nos braços.
― Sua mãe é uma prostituta barata que se vende por trocados.
― Não fale da minha mãe, Len.
― Trocados de ferro.
Nesse momento, consegui conter as lágrimas, piscando muito, e vi Poko agachado na viela, fascinado com meu alaúde. Meu precioso alaúde. Ele o segurava com um olhar sonhador, girando-o nas mãos sujas. Um lento terror começou a se infiltrar em mim, misturando-se com a dor e o medo.
Enquanto as duas vozes continuavam a discutir atrás de mim, comecei a sentir uma raiva fervente crescer dentro do peito. Tenso, sabia que não podia enfrentá-los, mas se pegasse meu alaúde e me lançasse em meio à multidão, poderia escapar e encontrar segurança novamente.
― ...mas ela continuou mesmo assim. E agora só consegue uns trocados por isso. É por isso que você é tão mole. Você tem sorte de não ser retardado. Então, não se sinta mal, é por isso que é tão fácil você se tornar tão religioso ― concluiu o primeiro garoto, triunfante.
Senti apenas uma tensão do lado direito e preparei-me para agir.
― Mas obrigado pelo aviso ― o provocador começou novamente. ― Ouvi dizer que Ardonai gosta de se esconder atrás de montes de merda de cavalo e q...
De repente, meus dois braços ficaram livres, enquanto um garoto jogava o outro contra a parede. Com um salto, percorri os três passos que me separavam de Poko, agarrei o alaúde pelo braço e puxei.
Mas Poko foi mais rápido do que eu esperava, ou mais forte. O alaúde não saiu de suas mãos. Fui detido com um tranco e o garoto, com um puxão, levantou-se.
Minha frustração e raiva transbordaram. Deixei o alaúde cair e me atirei sobre ele. Arranhei furiosamente seu rosto e pescoço, mas Poko era um veterano em brigas de rua, experiente demais para permitir que eu chegasse perto de algo que pudesse feri-lo. Uma de minhas unhas rasgou uma faixa de sangue do seu rosto, da orelha ao queixo. Então, ele revidou, empurrando-me contra a parede do beco.
Bati a cabeça nos tijolos e teria caído se Poko não estivesse me esmagando contra a parede degradada. Fiquei sem fôlego e só então percebi que estava gritando o tempo todo.
Ele estava suado e gorduroso. Suas mãos prenderam meus braços aos lados do corpo e ele me apertou ainda mais contra a parede. Tive uma vaga consciência de que ele deve ter deixado meu alaúde cair.
Tentei respirar novamente, ofegante, e me debati às cegas, voltando a bater a cabeça na parede. Meu rosto estava espremido contra seu ombro, e eu mordi com força. Senti a pele dele se romper sob meus dentes e provei o gosto do sangue.
Poko soltou um grito e se afastou de mim com um empurrão. Respirei fundo e me encolhi, sentindo uma dor lancinante no peito.
Antes que eu pudesse me mover ou raciocinar, ele me agarrou novamente, me lançou contra a parede, uma, duas vezes. Minha cabeça balançava para frente e para trás, batendo nos tijolos. Então, ele me segurou pelo pescoço, girou meu corpo e me jogou ao chão.
Foi então que ouvi o barulho e tudo pareceu parar.