Minha memória seguinte é de Marcy me ajudando a levantar. Tive uma percepção vaga das outras carroças parando, dos rostos curiosos nos observando. Mamãe desceu da sua carroça, e Marcy foi ao seu encontro, rindo e dizendo algo tranquilizador. As palavras se perderam, pois eu estava concentrado apenas em respirar fundo; inspirar e expirar.
As outras carroças seguiram em frente, e eu acompanhei Marcy de volta à sua carroça, em silêncio. Ela se ocupou com pequenas tarefas, ajustando as cordas que mantinham a lona esticada. Eu me recompus e tentei ajudar como pude, quando a última carroça da trupe passou por nós.
Levantei a cabeça e encontrei os olhos de Marcy, faiscando de raiva.
— Que ideia foi essa? — ela sibilou. — Bom, e então? Que ideia foi essa?
Nunca a tinha visto assim, com o corpo inteiro tensionado em um nó de fúria. Ela tremia. Levantou o braço para me bater... e parou. Após um momento, deixou a mão cair ao lado do corpo.
Metodicamente, verificou o último par de cordas e subiu na carroça. Sem saber o que fazer, decidi segui-la.
Marcy puxou as rédeas, e Alfa e Beta puseram a carroça em movimento. Agora éramos os últimos da fila. Marcy fixava o olhar na estrada à frente. Passei a mão no peito rasgado da camisa, e o silêncio entre nós ficou ainda mais pesado.
Em retrospecto, o que fiz foi de uma estupidez gritante. Quando conectei minha respiração ao ar exterior, tornei impossível respirar. Meus pulmões não tinham força para mover tanto ar assim. Eu precisaria de um peito como um fole de ferro. Minha sorte seria a mesma se tentasse beber um rio ou levantar uma montanha.
Rodamos por cerca de duas horas em um silêncio incômodo. O sol tocava o topo das árvores quando Marcy finalmente respirou fundo e soltou o ar em um suspiro explosivo. Ela me entregou as rédeas.
Quando olhei para ela, percebi pela primeira vez como era velha. Sempre soube que estava perto dos quarenta anos, mas nunca a tinha visto aparentá-los.
— Menti para sua mãe lá atrás, Vanitas. Ela viu o final do que aconteceu e ficou preocupada com você — disse, sem tirar os olhos da carroça à frente. — Eu disse a ela que estávamos ensaiando algo para uma apresentação. Ela é uma boa pessoa. Merece mais do que mentiras.
Seguimos em um silêncio agonizante, ainda faltavam algumas horas para o pôr-do-sol quando ouvimos vozes gritando "Monólito cinzento!" no início da caravana. O sacolejo da nossa carroça, virando para a grama, arrancou Marcy de sua meditação carrancuda.
Ela olhou ao redor, percebendo que o sol ainda brilhava no céu.
— Por que estamos parando tão cedo? Alguma árvore caiu na estrada? — perguntou.
— Marco cinzento — respondi, apontando para o bloco de pedra que se erguia acima das outras carroças.
— O quê?
— Volta e meia nos deparamos com um desses à beira da estrada — expliquei. Apontei novamente para a rocha cinzenta que se elevava acima das copas das árvores mais baixas. Como a maioria, era um retângulo toscamente acabado, com uns 3,5 metros de altura. As carroças que se juntavam ao redor pareciam insignificantes diante da sólida presença da pedra. — Já ouvi chamarem essas rochas de pedras verticais, mas muitas vezes estão deitadas. Sempre paramos um dia ao encontrar um desses monólitos cinzentos, a menos que estejamos com muita pressa.
Parei, percebendo que estava tagarelando demais.
— Eu as conhecia por outro nome. Sinal do viajante — disse Marcy suavemente. Parecia cansada. Após um momento, indagou: — Por que vocês param ao encontrá-los?
— É o que sempre fazemos, só isso. Um intervalo na jornada — respondi, refletindo por um instante. — Acho que parecem dar sorte.
Desejei ter mais coisas a dizer para continuar a conversa e manter seu interesse, mas não consegui pensar em mais nada.
— Suponho que possam dar — disse Marcy, guiando Alfa e Beta para um ponto afastado, longe das outras carroças. — Volte para o jantar, ou logo depois. Precisamos conversar — acrescentou. Virou-se sem me olhar e começou a desatrelar Alfa da carroça.
Nunca a tinha visto assim. Temendo ter estragado as coisas entre nós, dei meia-volta e corri para a carroça de meus pais.
Encontrei mamãe sentada diante de uma fogueira recém-preparada, adicionando gravetos aos poucos para atiçá-la. Meu pai estava atrás dela, massageando seu pescoço e ombros. Ambos ergueram os olhos ao som de meus passos.
— Posso jantar com a Marcy hoje?
Mamãe olhou para papai, depois novamente para mim.
— Você não deve se tornar um incômodo para ela, querido.
— Ela me convidou. Se eu for agora, posso ajudá-la a se instalar para a noite.
Mamãe remexeu os ombros, e papai recomeçou a massageá-los. Ela me deu um sorriso.
— Tudo bem, mas não a mantenha acordada até tarde. Dê-me um beijo — disse, com outro sorriso. Estendeu os braços e eu a abracei e beijei. Meu pai também me deu um beijo.
— Deixe-me ficar com a sua camisa. Vou consertá-la enquanto sua mãe prepara o jantar — disse ele. Ajudou-me a despir a camisa e passou os dedos pelas bordas rasgadas. — Está mais esburacada do que deveria.
Comecei a gaguejar uma explicação, mas ele a descartou.
— Sei, sei, foi tudo por um bem maior. Tente ser mais cuidadoso, ou farei você mesmo costurá-la. Há uma camisa limpa no seu baú. Traga-me agulha e linha, por favor.
Corri até a carroça e peguei uma camisa limpa. Enquanto procurava agulha e linha, ouvi minha mãe cantar:
"Quando, no ocaso, ligeiro o sol se deitar,
Alto, bem do alto, te haverei de observar.
Passou-se há muito a hora do teu regresso,
Mas um amor fiel é o que sempre te ofereço."
Meu pai respondeu:
"Quando, no ocaso, a luz do céu se apagar,
Meus pés irão enfim à casa retornando.
Com o vento entre os salgueiros a soprar,
Mantém, eu te rogo, o fogo da lareira crepitando."
Quando saí da carroça, ele inclinava o corpo de mamãe num abraço dramático e a beijava. Coloquei a agulha, a linha e a camisa ao lado dele e esperei. Parecia um beijo bonito. Observei com atenção, ciente de que, algum dia, poderia querer beijar alguém. Se o fizesse, queria que fosse bem-feito.
Após um momento, papai notou minha presença e colocou mamãe de pé.
— Meio lumen pelo espetáculo, Sr. Voyeur — disse, rindo. — O que ainda está fazendo aqui, menino? Aposto o mesmo lumen que foi uma pergunta que o reteve.
— Por que paramos ao encontrar monólitos cinzentos?
— Tradição, meu rapaz — respondeu ele, com ar grandiloquente, abrindo os braços. — E superstição. Paramos por sorte e porque todos gostam de uma folga inesperada. — Após uma pausa, continuou: — Eu sabia um poeminha sobre eles. Como era mesmo...?
"Feito a pedra-de-atrair, para quem está adormecido,
É pela pedra erguida, vista em toda velha estrada,
Que se vai mais e mais fundo até o reino encantado.
Marco miliário para quem em monte ou vale se deita,
Marco cinzento leva não-sei-quê, não-sei-quê 'eita'."
Meu pai ficou um momento em silêncio, puxando o lábio inferior. Por fim, abanou a cabeça:
— Não consigo lembrar o final desse último verso. Puxa, como antipatizo com a poesia! Como alguém pode se lembrar de palavras sem música? — Franziu a testa, concentrado, murmurando as palavras para si.
— O que é pedra-de-atrair? — perguntei.
— É um nome antigo das pedras-luden. São pedaços de ferro estelar que atraem outras formas de ferro. Vi uma delas, anos atrás, numa vitrine de curiosidades — disse mamãe. Olhou para meu pai, que ainda resmungava consigo. — Vimos uma pedra-luden em Parlesin, não foi?
— Hein? O quê? — fez ele, arrancado do devaneio pela pergunta. — Sim, Parlesin. — Tornou a puxar o lábio e franziu o cenho. — Lembre-se disto, meu filho, se vier a esquecer todo o resto: poeta é um músico que não sabe cantar. As palavras têm que chegar à mente do homem para poderem tocar seu coração, e a mente de alguns homens é um alvo tristemente pequeno. A música toca diretamente o coração, por menor ou mais teimosa que seja a cabeça do homem que escuta.
Mamãe soltou um som um tanto rústico, quase desprovido de feminilidade.
— Elitista. É só a idade chegando — disse ela, com um suspiro que carregava uma carga dramática. — A verdadeira tragédia é ainda maior; a segunda coisa que a idade leva é a memória de um homem.
Papai, em resposta, se endireitou numa postura de indignação fingida, mas mamãe o ignorou e voltou-se para mim.
— Além disso, a única tradição que mantém as trupes próximas aos marcos cinzentos é a pura preguiça. O poema deveria ser assim:
"Não importa a estação
Em que eu me veja na estrada,
Sempre busco uma razão,
Pedra em pé, pedra deitada,
Para uma boa descansada."
Um brilho peculiar surgiu nos olhos de meu pai, enquanto ele se aproximava por trás dela.
— Velho, é? — murmurou, recomeçando a massagear-lhe os ombros. — Senhora, estou pensando em lhe provar que está enganada.
Ela retribuiu com um sorriso irônico.
— Senhor, estou pensando em permitir que o faça.
Decidi deixá-los a sós em sua brincadeira e comecei a retornar apressadamente para a carroça de Marcy, quando ouvi meu pai gritar:
— Escalas amanhã, depois do almoço? E o segundo ato de Tom Berton?
— Está bem. — E saí correndo.
Quando cheguei à carroça de Marcy, ela já havia desatrelado Alfa e Beta e estava a escová-los com carinho. Comecei a preparar a fogueira, reunindo folhas secas e montando uma pirâmide de gravetos e galhos de tamanho crescente. Ao terminar, virei-me para onde a arcanista estava sentada.
O silêncio se estendeu por um momento, e eu quase podia ver Marcy escolher cuidadosamente as palavras antes de falar:
— Quanto você sabe sobre essa nova música que seu pai está compondo?
— A que fala de Lanis? Não muito. Você sabe como ele é, ninguém ouve uma canção antes de estar pronta. Nem mesmo eu.
— Não estou falando da música em si, mas da história por trás dela. A história de Lanis.
Pensei nas muitas histórias que ouvi meu pai recolher ao longo do último ano, tentando encontrar um fio condutor.
— Lanis era um príncipe. Ou talvez um rei. Alguém importante. Ele desejava ser mais poderoso do que qualquer outra pessoa no mundo. Vendeu sua alma em troca de poder, mas algo deu terrivelmente errado. Depois disso, acho que ele enlouqueceu, ou perdeu a capacidade de dormir, ou... — Parei ao perceber Marcy balançando a cabeça, insatisfeita.
— Ele não vendeu a alma. Isso é uma bobagem — corrigiu ela, soltando um grande suspiro, como se isso lhe drenasse as forças. — Estou fazendo tudo errado. Esqueça a canção do seu pai. Falaremos dela depois que ele a terminar. Conhecer a história de Lanis pode lhe dar uma nova perspectiva.
Marcy respirou fundo e tentou outra vez.
— Imagine que você tenha um filho insensato de seis anos. Que mal ele poderia causar?
Pensei por um momento, sem ter certeza do tipo de resposta que ela esperava. A honestidade parecia ser o melhor caminho.
— Não muito.
— E se essa pessoa tivesse 20 anos e continuasse insensata? Quão perigosa ela seria?
Mantive-me nas respostas mais diretas.
— Ainda não muito, mas mais do que antes.
— E se você lhe desse uma espada?
A compreensão começou a clarear em minha mente, e fechei os olhos.
— Muito, muito mais perigosa. Eu entendo, Marcy. Entendo mesmo. O poder é uma coisa boa, e a imprudência geralmente é inofensiva. Mas o poder e a imprudência juntos formam um perigo terrível.
— Eu nunca mencionei imprudência — corrigiu-me Marcy. — Você é inteligente. Ambos sabemos disso. Mas também pode ser precipitado. E uma pessoa inteligente e insensata é uma das coisas mais assustadoras que existem.
Ela olhou para a fogueira que eu havia preparado, pegou uma folhinha, murmurou algumas palavras, e uma pequena chama começou a crescer no centro dos gravetos e galhos. Então, virou-se para mim.
— Você poderia ter se matado, tentando algo simples como isso — disse, com um sorriso cansado. — Ou buscando o nome do vento.
Ela começou a dizer mais alguma coisa, mas parou, esfregando o rosto com as mãos, como se tentasse aliviar o peso de seus pensamentos. Soltou um grande suspiro, que pareceu esvaziá-la por completo. Quando baixou as mãos, seu rosto mostrava sinais de cansaço.
— Quantos anos você tem mesmo?
— Vou fazer 10 no próximo mês.
Ela balançou a cabeça.
— É fácil esquecer isso. Você não age como alguém da sua idade — comentou, cutucando o fogo com um graveto. — Eu tinha 18 anos quando entrei na Academia. Estava com 20 antes de saber o que você já sabe.
Ela parou e ficou olhando para a fogueira.
— Sinto muito, Vanitas. Hoje, preciso de um tempo para mim. Tenho algumas coisas para pensar.
Assenti em silêncio. Fui até a carroça, peguei o tripé, a chaleira, a água e o chá. Levei tudo para junto de Marcy e deixei lá, sem dizer nada. Ela continuava contemplando o fogo quando me afastei.
Sabendo que meus pais não me esperavam tão cedo, fui para a floresta. Eu também tinha coisas em que pensar. Devia isso a Marcy. Eu queria ter mais.
Levou duas semanas para que Marcy voltasse a ser a pessoa jovial que eu conhecia. Mesmo assim, algo havia mudado entre nós. Continuamos amigos, mas havia uma barreira invisível, e eu sentia que ela se mantinha deliberadamente afastada.
Nossas aulas foram reduzidas até quase cessarem. Marcy suspendeu meus estudos iniciais em alquimia, restringindo-me à química. Recusou-se a me ensinar qualquer noção de siglística e, além disso, começou a racionar as poucas simpatias que considerava seguras para mim.
Fiquei frustrado com a demora, mas permaneci em silêncio, confiando que, se me mostrasse responsável e meticulosamente cuidadoso, ela acabaria relaxando, e as coisas voltariam ao normal. Éramos uma família, e eu acreditava que qualquer problema entre nós seria superado. Eu só precisava de tempo.
Mal sabia eu que nosso tempo estava prestes a chegar ao fim.