― Então, sobre o que você queria conversar?
Após mais algum tempo sentados em volta da fogueira, depois de acabarem seus canecos de cerveja e refeições, a conversa pareceu voltar a acontecer.
Preparei-me para sair de fininho antes que me descobrissem, mas as palavras de Marcy me paralisaram no lugar, antes mesmo de dar um passo:
— É difícil para vocês perceberem, sendo pais e tudo mais, mas o pequeno Vanitas é excepcionalmente inteligente — disse Marcy, enchendo novamente o caneco e estendendo a botija para meu pai, que a recusou. — Na verdade, "inteligente" é apenas o começo.
Mamãe observava por cima da borda do caneco.
— Quem passa algum tempo com ele percebe isso, Marcy. Não vejo motivo para achar que ele seja tão importante. Muito menos você.
— Acho que vocês não estão captando o todo — retrucou Marcy, esticando os pés quase dentro da fogueira. — Com que facilidade ele aprendeu a tocar alaúde?
Meu pai pareceu surpreso com a mudança de assunto.
— Com bastante facilidade. Por quê?
— Quantos anos ele tinha?
Papai passou um instante puxando a barba, pensativo. No silêncio, a voz de mamãe soou como uma flauta suave.
— Quatro.
— Pense em quando você aprendeu a tocar. Lembra-se da sua idade? Das dificuldades que enfrentou?
Papai continuou a puxar a barba, agora com uma expressão mais reflexiva e o olhar distante.
Marcy prosseguiu:
— Aposto que ele aprendeu cada acorde, cada dedilhado após uma única demonstração, sem tropeços nem queixas. E, quando cometia um erro, nunca o repetia, não é?
Meu pai parecia um pouco perturbado.
— Quase sempre, mas ele teve suas dificuldades, como qualquer um. Os acordes em mi. Ele teve problemas com o mi maior e o mi menor.
Mamãe o interrompeu baixinho:
— Também me lembro disso, querido, mas acredito que era apenas por causa das mãos pequenas. Ele era muito jovem...
— Aposto que isso não o deteve por muito tempo — disse Marcy com um tom sereno. — Ele tem mãos admiráveis; minha mãe as chamaria de "dedos de mágico".
Meu pai sorriu.
— Ele puxou isso da mãe: dedos delicados, mas fortes. Perfeitos para esfregar panelas, não é, mulher?
Mamãe deu-lhe um tapinha, depois segurou uma de suas mãos e a abriu para que Marcy visse.
— Ele herdou do pai: dedos graciosos e gentis. Perfeitos para seduzir as filhas dos nobres.
Meu pai estava prestes a protestar, mas ela o ignorou.
— Com seus olhos e essas mãos, nenhuma mulher estará segura no mundo quando ele começar a perseguir as damas.
— Cortejar, querida — corrigiu-a papai delicadamente.
— Semântica — respondeu ela, dando de ombros. — É tudo uma perseguição e, quando a corrida termina, sinto pena das mulheres castas que tentam escapar.
Ela se encostou em papai, mantendo sua mão em seu colo. Inclinou a cabeça levemente, e ele entendeu a dica, curvando-se para lhe dar um beijo no canto da boca.
— Amém — disse Marcy, levantando o caneco em um brinde.
Meu pai envolveu mamãe com o outro braço e a abraçou.
— Ainda não vejo aonde você quer chegar, Marcy.
— Ele faz tudo com uma rapidez impressionante e raramente comete erros. Aposto que conhece todas as músicas que vocês já cantaram para ele. Sabe mais sobre o que há na minha carroça do que eu.
Marcy pegou a botija e tirou a rolha.
— Mas não é apenas memorização. Ele compreende. Metade das coisas que pretendo mostrar ele já descobriu por conta própria.
Marcy encheu novamente o caneco de mamãe.
— Ele tem 8 anos. Vocês já conheceram algum menino dessa idade que fale como ele? Grande parte disso se deve ao ambiente esclarecido — disse, gesticulando para as carroças. — Mas as reflexões de um menino de 8 anos geralmente envolvem quicar pedrinhas na água ou descobrir como pegar um gato pelo rabo.
Mamãe riu, mas o rosto de Marcy permanecia sério.
— É verdade, senhora. Já tive alunos mais velhos que dariam tudo para realizar metade do que ele faz. — Sorriu. — Se eu tivesse suas mãos e um quarto da sua inteligência, estaria comendo em travessas de prata em menos de um ano.
Houve uma pausa.
Mamãe falou baixinho:
— Lembro-me de quando ele era apenas um bebê, aprendendo a andar. Observando sempre, com aqueles olhos claros e vivos, que pareciam querer devorar o mundo.
Sua voz tremia ligeiramente. Papai a envolveu com um dos braços e ela apoiou a cabeça em seu peito.
O silêncio seguinte foi prolongado. Eu pensava em escapar quando papai finalmente falou:
— O que você sugere que façamos? — perguntou, com uma mistura de apreensão e orgulho paterno na voz.
Marcy sorriu gentilmente.
— Apenas pensem nas opções que terão para oferecer a ele quando chegar o momento. Ele deixará sua marca no mundo, tornando-se um dos melhores.
— Melhores no quê? — trovejou meu pai.
— No que ele desejar. Se ficar aqui, não duvido que se torne o próximo Ullien.
Papai sorriu e estufou o peito. Ullien era o herói dos integrantes da trupe, o único Therion verdadeiramente famoso em toda a história. Nossas melhores e mais antigas canções eram suas.
Além disso, segundo as histórias, Ullien havia reinventado o alaúde durante sua vida. Mestre luthier, transformou o alaúde arcaico, frágil e desajeitado, no magnífico e versátil alaúde de sete cordas que usávamos. As mesmas histórias diziam que o alaúde de Ullien tinha oito cordas.
— Ullien. Gosto dessa ideia — disse mamãe. — Reis viajando quilômetros para ouvir meu pequeno Vanitas tocar.
— Sua música fazendo cessar as brigas nas tabernas e as guerras de fronteira — acrescentou Marcy, sorridente.
— As mulheres enlouquecendo ao seu redor — entusiasmou-se papai —, deitando os seios em sua cabeça.
Houve um momento de silêncio perplexo. Então mamãe falou devagar, com um toque de aspereza na voz:
— Acho que você quer dizer "as feras deitando a cabeça no colo dele".
— Eu quis?
Marcy tossiu e continuou.
— Se ele decidir ser arcanista, aposto que terá um cargo nomeado pela realeza aos 24 anos. Se optar por ser mercador, não duvido que possua metade do mundo ao morrer.
As sobrancelhas de papai se juntaram. Marcy sorriu e disse:
— Não se preocupe com essa última ideia. Ele é curioso demais para ser mercador.
Fez uma pausa, como se considerasse cuidadosamente suas palavras seguintes.
— Ele seria aceito na Academia, vocês sabem. Não antes de alguns anos, é claro. Dezessete é a idade dos mais jovens, mas não tenho dúvida...
Perdi o resto do que Marcy disse. A Academia! Eu a via como a maioria das crianças vê o reino dos seres encantados, um lugar mítico, reservado aos sonhos. Uma escola do tamanho de um vilarejo. Dez vezes dez mil livros. Um lugar onde poderiam ter as respostas para qualquer pergunta que eu viesse a fazer...
Quando voltei a atenção para eles, o silêncio continuava.
Papai olhava para mamãe, aninhada sob seu braço.
— E então, mulher? Será que você se deitou com um deus que vagava por aí há oito anos? Isso resolveria nosso pequeno mistério.
Ela lhe deu um tapinha brincalhão e uma expressão pensativa cruzou seu rosto.
— Pensando bem, houve uma noite, há mais ou menos oito anos, em que um homem se aproximou de mim. Envolveu-me com beijos e acordes de canções. Roubou minha virtude e me raptou. — Fez uma pausa. — Mas ele tinha cabelos prateados. Não pode ter sido esse.
Deu um sorriso malicioso para papai, que parecia um pouco sem jeito. Depois beijou-o, e ele retribuiu o beijo.
Saí de lá silenciosamente, com pensamentos sobre a Academia dançando em minha cabeça.