As coisas nem sempre são como imaginamos. Eu, por exemplo, nunca pensei que escorregaria em uma casca de banana deixada por mim no meu quarto e acabaria morrendo por causa disso.Sempre tive uma vida bem monótona. Minha maior "aventura", se é que posso chamar assim, era participar de sessões de RPG com alguns colegas do trabalho. Ah, e para você saber, eu costumava ser contador em uma pequena empresa na cidade de Feira de Santana, na Bahia... Sim, consegui sobreviver à violência local, mas morri por causa de uma casca de banana... Francamente, isso é patético.
Mas agora isso não importa mais. Desde que bati a cabeça e apaguei, algumas coisas aconteceram. A primeira delas foi o cheiro forte de algas, peixe e mar invadindo minhas narinas. A segunda, bom, eu estava pequeno, lento e incrivelmente fraco. A parte boa é que uma bela mulher me segurava em seus braços; acho que ela é minha mãe. O lugar onde eu estava não era tão ruim. Parecia uma cabana toda de madeira, com cortinas improvisadas nas janelas feitas de roupas velhas. Tudo ali tinha um toque "rústico", então não foi difícil entender que eu não estava mais nos tempos da tecnologia e da inteligência artificial. Eu estava em uma época com a qual sempre sonhei: um período obviamente medieval.
- Helena... então ele nasceu... Finalmente!
Ouvi uma voz grossa e ríspida vindo de trás mencionando o nome de minha mãe. Apesar de ser assustadora, havia um tom de amor em sua voz.
- Sim, venha ver seu filho, meu querido... O pegue em seus braços e dê-lhe seu nome... - Dizia minha mãe.
A mulher que me segurava falava com ternura. Sua voz era doce e combinava perfeitamente com seu rosto. Seus olhos castanhos escuros e seus cabelos negros não conseguiam expressar toda a sua beleza. Mesmo aparentando cansaço, ela certamente seria bastante popular no mundo moderno, talvez até uma modelo de sucesso. Por outro lado, um verdadeiro ogro surgiu diante de mim. Músculos tão grandes que pareciam saltar, uma barba preta desgrenhada, um nariz que talvez já tivesse sido quebrado, e mãos com braços peludos. Era o típico exemplo da Bela e a Fera bem na minha frente. O brutamontes me pegou com brutalidade, o suficiente para me fazer ficar enjoado e com os olhos girando.
- Cuidado, Frederic, ele não é um de seus peixes. Seja mais cuidadoso!
Minha mãe repreendia o "brucutu" ao ver a empolgação do meu, agora, pai. O homem logo se controlou e tentou me aconchegar em seus braços de forma mais carinhosa e cuidadosa. Era estranho. Eu nunca tive um pai de fato na minha vida passada e, depois de anos como adulto, era desconcertante ser tratado como bebê por um homem adulto, especialmente um com a aparência de um ogro cabeludo.
- Este garoto será chamado de Bartolomeu e será um grande e forte pescador em nossa vila. Tenho certeza de que nos trará muitas felicidades, meu amor. Eis seu nome, Bartolomeu Di'Santini, assim como nossos antepassados.
Após ouvir aquele nome, meu coração gelou. Eu estava no corpo do meu personagem de RPG que nunca terminei de criar. A questão crucial era que o nome Di'Santini precedia o evento que mudaria a vida de Bartolomeu. Na história original, Bartolomeu, antes de adotar o nome Cooper, tinha o sobrenome Di'Santini, herdado de seus pais, moradores de uma vila portuária, que morreram após uma intensa praga quando Bartolomeu tinha apenas oito anos. Isso significava que, sendo meu personagem de RPG, eu poderia mudar a trágica história inicial dele, mesmo que isso causasse algumas alterações em seu futuro. O importante agora era retribuir o carinho que estava recebendo dos meus novos pais.
- Sim, querido, Bartolomeu é um lindo nome... Ele será nosso maior tesouro e orgulho, nosso pequeno Bart.
Minha mãe sorria, concordando com meu pai, e com seu sorriso, eu finalmente, após anos, encontrava uma certa paz no coração.
Isso foi o que aconteceu apenas quando abri meus olhos nesse "novo" mundo. As coisas a partir desse momento foram um pouco agitadas. Os dias foram cheios de descobertas e aprendizados, mas em algum momento, tornaram-se chatos e repetitivos. Eu acordava todos os dias às cinco da manhã. Parece que os hábitos do meu relógio biológico de quando eu trabalhava como contador ainda estavam funcionando. Depois de acordar e deixar, sem querer, um presente na fralda para a mamãe, eu costumava observar se ela não estava por perto e focava em mim mesmo, tentando entender como funcionava aquele novo corpo, e ver se conseguia gerar em mim energia magica. Meu pai não era um "problema", já que ele passava o dia fora de casa, trabalhando como pescador e vendedor de peixes no porto. Outra curiosidade sobre essa minha nova vida é que nasci em uma pequena vila portuária no leste do continente. O melhor era que essa vila era um ponto de encontro entre piratas e viajantes dos três mares, assim como na história original do meu personagem. E antes que pensem nos piratas como homens "bárbaros", naquele lugar, esse conceito de "agressivos" e "sem honra" não se aplicava a eles. A vila servia e era servida pelos piratas, formando uma espécie de pacto entre ambos os lados. Além de os piratas estarem sempre presentes na vila, eles não podiam saquear ou ferir os habitantes locais. Caso isso ocorresse, bem, o pirata ou o grupo responsável cometeria aquele erro uma única vez, já que depois estariam todos mortos.
Crescer novamente em um ambiente tão intenso estava sendo uma experiência surreal. Quando completei oito anos, passei a ajudar meu pai no mar, já que essa era a idade em que os filhos dos locais começavam a ser preparados para suas futuras profissões. No entanto, eu já havia expressado ao meu pai a vontade de me tornar um pirata, e mesmo que ele não gostasse muito da ideia, ele não proibia, apenas não era o que ele realmente queria.
- Bart!
Ouvia a voz grossa do meu pai me chamar enquanto eu estava admirando as enormes embarcações que chegavam ao porto da vila.
- Sei que você gosta desses navios, mas seu velho tá precisando de ajuda aqui.Quando me virei para olhá-lo, vi meu pai puxando uma rede lotada de peixes, tentando colocá-la no barco.
- Ah, desculpa, pai... — respondi, dirigindo-me até ele para ajudar a puxar a rede.
Eu sabia que ele não precisava de ajuda; meu pai era uma espécie de ogro no corpo de um humano. Em termos de força física, ele era facilmente o mais forte entre os pescadores e até mais forte que muitos piratas que passavam por ali. Eu até parava para admirar sua força por um momento, mas foi então que uma terrível memória voltou à minha mente. Todas as histórias que eu havia criado para Bartolomeu na minha antiga vida estavam se concretizando, então o dia em que todos da vila morreriam estava se aproximando. Eu havia me deixado levar pela vida pacífica que estava levando. Minha expressão mudou, meus olhos se tornaram poços profundos de desespero, e até minha pele bronzeada pelo sol ficou mais pálida.
- Pa-Pai... - tentei me controlar para que ele não percebesse meu desespero.
- Diga, Bart. - Meu pai respondeu enquanto focava na rede que puxava do mar, colocando-a dentro do barco.
- Se em algum momento, algo muito ruim acontecesse com todos da vila... o que você faria? - perguntei, tentando encontrar qualquer pista que me ajudasse a salvar a todos.
- Filho, temos os piratas com a gente. Não há com o que se preocupar... E mesmo que algo nos ameaçasse, poderíamos apenas fazer contato com os nobres da região. Esta vila é importante demais para que eles a deixassem de lado. - Ele ria, como se os nobres estivessem totalmente dependentes de nós.Em qualquer pensamento lógico, imaginar a possibilidade de os nobres perderem terras era algo que com certeza provocaria uma reação deles, mas isso não se aplicava quando a ameaça era uma doença, ou melhor, uma maldição.