O som suave de passos chegou aos meus ouvidos antes que eu recobrasse totalmente a consciência. Minha cabeça latejava, como se cada pulsação carregasse um peso adicional, e meus músculos estavam tão fracos que parecia impossível me mover.
Pisquei lentamente, tentando clarear a visão turva. Aos poucos, o teto branco da sala surgiu diante de mim, familiar, mas de um jeito que não trazia conforto imediato.
— Onde…? — murmurei, minha voz rouca e fraca, escapando como um sussurro. Percebi que não estava no meu quarto, e a confusão se misturou ao desconforto.
Enquanto tentava reunir os pedaços do que tinha acontecido, uma voz suave interrompeu meus pensamentos.
— Ah, você acordou!
Virei o rosto, e lá estava Yuki, ajoelhada ao lado do sofá. Ela segurava um copo de água em uma das mãos e uma toalha úmida na outra. O leve brilho nos olhos dela parecia carregar algo que eu não esperava: preocupação.
— Yuki? — consegui dizer, minha voz pouco mais do que um eco abafado. — O que você está fazendo aqui?
Ela colocou o copo de água cuidadosamente na mesinha de centro antes de se virar novamente para mim. Sua expressão era calma, mas havia algo a mais em seu rosto, como se ela ainda estivesse avaliando meu estado.
— Você... desmaiou na porta — explicou, com a voz tranquila, mas firme. — Não tinha como eu simplesmente ir embora e deixar você assim.
As palavras dela me atingiram com mais força do que eu esperava. Meu rosto esquentou imediatamente, e eu torci para que fosse apenas a febre, mas sabia que não era só isso.
— Ah… d-desculpa por isso. Eu… eu não queria dar trabalho… — gaguejei, desviando o olhar na tentativa de esconder o constrangimento.
Ela balançou a cabeça, o leve movimento fazendo seus cabelos se mexerem.
— Não foi trabalho nenhum. — Sua voz era tão serena que parecia dissipar qualquer desculpa que eu pudesse inventar. — Não dava pra deixar você lá fora, não com o estado em que você estava.
A simplicidade e a naturalidade com que ela disse isso eram quase desarmantes. Por um momento, não soube o que dizer. Tudo o que consegui foi murmurar:
— Obrigado…
As palavras saíram carregadas de uma sinceridade que eu raramente conseguia transmitir. Enquanto sentia o calor das minhas bochechas aumentar ainda mais, não sabia se era pela febre ou por algo muito mais difícil de admitir.
Tentei me sentar, mas Yuki levantou uma das mãos em um gesto firme, o olhar determinado que não deixava espaço para discussão.
— Nada disso! Você precisa descansar.
— Eu já tô melhor… — protestei, mesmo sabendo que era uma mentira fraca.
Ela não parecia minimamente convencida.
Antes que eu pudesse insistir, ela inclinou-se para frente e colocou a mão na minha testa, os dedos frios contrastando com a febre que parecia incendiar minha pele.
— Não parece que você está bem — disse, com um tom firme, mas ainda assim gentil.
A proximidade dela fez meu coração disparar, e eu senti como se o tempo tivesse diminuído. Sua expressão concentrada, o toque leve… tudo isso me deixava estranhamente sem palavras. Eu queria desviar o rosto, mas estava paralisado, dividido entre o embaraço e o alívio que aquele simples gesto trazia.
— Sua febre ainda está alta… — murmurou, quase para si mesma, enquanto retirava a mão e pegava outra toalha úmida da bacia ao lado. Ela a torceu com cuidado antes de colocá-la sobre minha testa, ajeitando-a com um toque delicado.
— Isso deve ajudar a baixar a febre. Fique quieto e deixe o corpo descansar.
Eu assenti, engolindo em seco. As palavras pareciam presas na garganta. Tudo isso parecia surreal. Ela estava ali, cuidando de mim como se fosse a coisa mais natural do mundo. Como ela conseguia transformar algo tão simples em algo tão reconfortante?
Depois de um breve silêncio, ela perguntou, com uma leve inclinação de cabeça:
— Você comeu alguma coisa?
A pergunta me pegou de surpresa. Tentei vasculhar minha memória nebulosa, mas não encontrei nenhuma lembrança recente de comida.
— Acho que… não. — Minha resposta saiu hesitante.
Ela ergueu as sobrancelhas, chocada.
— O quê?! Você está com febre alta e não comeu nada? Como você espera melhorar assim? — Seu tom era uma mistura de preocupação e leve reprovação, como se não conseguisse acreditar que eu tivesse sido tão descuidado.
Senti meu rosto esquentar novamente, não só pela febre, mas pelo jeito direto dela.
— Hã… não pensei muito nisso… — murmurei, tentando justificar o injustificável.
Ela suspirou, passando os olhos rapidamente pela sala antes de olhar para a cozinha.
— Isso não pode continuar assim. Posso usar sua cozinha?
— Minha… cozinha? — repeti, confuso. Minha mente ainda estava lenta, e levou alguns segundos para eu entender o que ela queria. — Ah… sim, claro. Pode usar.
Ela se levantou, mas antes de ir, ajeitou novamente a toalha na minha testa, como se quisesse garantir que ela ficaria no lugar.
— Espere aqui. Eu vou preparar alguma coisa.
Enquanto ela caminhava em direção à cozinha, ouvi o som de armários sendo abertos, utensílios sendo retirados e uma torneira sendo ligada. A cena era tão inesperada que eu só conseguia ficar ali, deitado, ouvindo os sons familiares da cozinha misturados com a suave movimentação dela.
Fechei os olhos por um momento, deixando o frescor da toalha aliviando a febre se misturar ao estranho conforto que a presença de Yuki trazia. Era difícil acreditar que tudo isso estava realmente acontecendo.
O aroma suave de algo cozinhando logo se espalhou pela sala, trazendo um conforto inesperado. Era um cheiro reconfortante, o tipo que fazia parecer que tudo ficaria bem.
Pouco tempo depois, ouvi os passos leves de Yuki voltando para a sala. Ela carregava um pequeno prato de mingau em uma das mãos e uma colher na outra. O vapor subia lentamente do prato, dançando no ar, e o cheiro era ainda mais apetitoso de perto.
— Desculpa, não é algo muito elaborado, mas deve ajudar — Ela se ajoelhou ao meu lado no sofá, colocando o prato na mesinha de centro antes de olhar para mim com um sorriso tranquilo.
— Uau, parece bom… — murmurei, tentando me sentar para pegar a colher. O simples movimento parecia mais difícil do que deveria, mas minha determinação não me deixaria parar ali.
No entanto, antes que eu pudesse alcançar a colher, Yuki levantou a mão para interromper meu movimento.
— Ah, espera um pouquinho. Ainda está muito quente.
Com uma naturalidade que me desarmou completamente, ela segurou o prato com uma das mãos e começou a soprar o mingau com delicadeza. Seus cabelos caíram levemente sobre o rosto, e, com um gesto fluido, ela os colocou atrás da orelha, continuando a soprar o prato com cuidado.
Fiquei paralisado, apenas observando. Cada gesto parecia tão simples, mas ao mesmo tempo tão surreal. Era algo que eu só tinha visto em cenas de animes ou filmes, e, honestamente, nunca imaginei que viveria algo assim.
Por um momento, até me perguntei se estava delirando por causa da febre.
Quando ela terminou de esfriar a primeira colherada, Yuki trouxe a colher até minha boca, com um sorriso que era, ao mesmo tempo, gentil e resoluto.
— Pronto. Aqui.
Olhei para ela, completamente perdido. Meu rosto já estava quente por causa da febre, mas aquele gesto fez minha temperatura parecer subir ainda mais.
— Você… quer que eu…? — As palavras saíram desconexas enquanto eu tentava entender o que estava acontecendo.
— Você está doente. Não reclame — disse ela, ainda com o tom calmo, mas havia uma firmeza subjacente que não deixava espaço para objeções.
Ainda assim, não pude evitar. Por mais tentador que fosse apenas aceitar, uma parte de mim sabia que aquilo era… demais. Yuki me alimentando? Não, isso já ultrapassava o limite do embaraço.
— E-eu consigo comer sozinho! — protestei, recuando ligeiramente, tentando soar convincente, mesmo com a voz ainda fraca.
Ela suspirou, balançando a cabeça com um pequeno sorriso de quem parecia se divertir com meu nervosismo.
— Tudo bem, mas coma tudo, tá? Não quero ouvir que você deixou sobrar.
Peguei a colher com cuidado, sentindo meus dedos tremerem levemente, seja pela febre ou pelo constrangimento. Levei a primeira colherada à boca. O sabor era simples, mas delicioso, com um toque de conforto que eu não sabia que precisava.
— Nossa… tá muito bom. — As palavras saíram antes que eu pudesse pensar, mas não consegui encará-la diretamente enquanto dizia isso.
— Fico feliz que tenha gostado. — Ela sorriu de leve, um brilho de satisfação no olhar.
Enquanto eu continuava comendo, cada colherada parecia trazer um pouco mais de energia, mas também me fazia questionar o quanto esse momento era real. Yuki estava cuidando de mim, ali, naquele momento, como se fosse a coisa mais natural do mundo. E eu… bem, eu não sabia como lidar com aquilo, além de aceitar o cuidado dela da melhor forma que conseguia.
Quando terminei de comer, Yuki pegou o prato vazio e o colocou de lado, entregando-me um copo de água em seguida. Segurei-o com cuidado e tomei alguns goles, sentindo a garganta finalmente aliviar. Era como se, pela primeira vez naquele dia, meu corpo estivesse começando a relaxar.
Coloquei o copo de volta na mesinha de centro, e o silêncio que se seguiu parecia confortável, mas também me fez sentir a necessidade de dizer algo. Olhei para Yuki, que ajeitava a toalha na bacia de água ao lado, parecendo absorta no gesto.
— Então... sua prova de atletismo. Tá tudo indo bem? — perguntei, quebrando o silêncio.
Ela parou por um momento, como se precisasse reunir os pensamentos, antes de assentir devagar.
— Tá, sim… — respondeu, mas havia uma hesitação na voz dela. — Só que, conforme o dia se aproxima, eu fico cada vez mais nervosa. É muito importante pra mim, sabe? Mais do que qualquer coisa...
Havia algo na maneira como ela disse isso que me fez perceber o quanto aquilo significava. Não era apenas uma competição para ela; era um marco.
— Vai dar tudo certo. — Tentei soar confiante, esperando que isso a tranquilizasse um pouco. — Você sempre dá o melhor de si. É impossível não acreditar que você vai arrasar.
Um sorriso suave surgiu em seus lábios, e por um momento parecia que ela queria dizer algo mais, mas acabou mudando de assunto.
— E o seu concurso? Como foi?
A pergunta me pegou de surpresa, e, de repente, era minha vez de hesitar. Ainda não estava totalmente acostumado com a ideia de ter vencido.
— Ah… — murmurei, coçando a nuca. — Eu… ganhei.
Os olhos de Yuki se arregalaram, e sua expressão mudou para uma mistura de surpresa e empolgação.
— Sério?! Isso é incrível, Shin! — disse ela, o tom de voz animado, quase contagiante. — Parabéns! Eu sabia que você tinha uma chance enorme, mas… ganhar mesmo? É demais!
— Obrigado. — Um sorriso tímido escapou enquanto eu desviava o olhar. — Mas confesso que estava tão nervoso que quase não consegui subir no palco.
Ela riu suavemente, o som leve e reconfortante.
— Imagino como deve ter sido. Mas, de qualquer forma, você conseguiu. Isso é o que importa. — Ela inclinou a cabeça ligeiramente, o sorriso ainda nos lábios. — Bom, você cumpriu sua parte da promessa. Agora só falta eu ganhar a minha prova.
— Quando vai ser? — perguntei, curioso.
— Poucos dias depois das provas finais. — A resposta dela veio rápida, mas havia uma leve tensão no tom.
— Hmm, entendi. Então posso ir torcer por você? — sugeri, tentando manter o tom casual.
Ela congelou por um momento, os olhos arregalando-se ligeiramente antes de piscar algumas vezes. Foi claro que a pergunta a pegou desprevenida.
— Ah… — A voz dela saiu vacilante, e ela gaguejou, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas. — Não sei… Se você estiver lá, talvez eu acabe me distraindo…
Fiquei em silêncio, esperando a continuação, sem querer pressioná-la.
Depois de um instante, ela respirou fundo e tentou recuperar a compostura.
— Mas… se você realmente quiser ir, eu não me importo.
Um sorriso cresceu no meu rosto. Havia algo adorável na maneira como ela dizia isso, tentando parecer casual, mas falhando ligeiramente.
— Então eu vou. Pode contar com isso.
Os olhos dela brilharam por um momento, mas Yuki rapidamente desviou o olhar, como se estivesse tentando esconder algo. Ainda assim, não pude deixar de notar o rubor que subia por suas bochechas enquanto ela dava um pequeno sorriso.
— Obrigada… — murmurou, quase inaudível, enquanto mexia distraidamente na toalha na bacia de água ao lado.
O momento parecia íntimo de uma forma inesperada, como se estivéssemos partilhando algo que não precisava ser dito em palavras. E, pela primeira vez em muito tempo, senti que tudo estava exatamente onde deveria estar.
Depois de terminarmos a conversa, Yuki recolheu o prato vazio e levou até a cozinha. O som da torneira sendo aberta ecoou pela sala, enquanto eu observava suas costas na entrada da cozinha.
— Desculpa, de novo, por te fazer cuidar de tudo… — murmurei, ainda meio envergonhado.
Ela virou o rosto para me encarar por cima do ombro, com um sorriso tranquilo.
— Não foi nada, Shin. É só um mingau e um copo de água. Não precisa se preocupar.
Houve um breve momento de silêncio antes de um som inesperado quebrar o ar. A chave girando na fechadura chamou nossa atenção ao mesmo tempo.
A porta da frente se abriu, e minha mãe e Hana entraram juntas, carregando sacolas de compras. Minha mãe lançou um olhar preocupado para mim.
— Shin, você está… — começou, mas parou abruptamente ao ver Yuki na cozinha.
Hana, por outro lado, abriu um sorriso malicioso que me fez querer me esconder debaixo do sofá.
— Oh, quem é ela? — perguntou ela, com um tom cheio de implicância.
Yuki rapidamente enxugou as mãos em um pano de prato e deu alguns passos para a sala, inclinando levemente a cabeça em cumprimento.
— Ah… meu nome é Yuki. — A voz dela era suave, mas havia um toque de timidez. — Eu vim trazer alguns materiais de estudo que o professor entregou, mas… Shin não estava bem, então fiquei para ajudar um pouco.
Minha mãe trocou um olhar com Hana antes de sorrir calorosamente para Yuki.
— Muito obrigada, Yuki. Você foi um anjo em cuidar dele. Isso significa muito pra mim.
— Não foi nada… — respondeu ela, encolhendo os ombros enquanto desviava o olhar, visivelmente desconfortável com toda a atenção.
Yuki começou a pegar as suas coisas para ir embora, mas minha mãe a interrompeu.
— Tem certeza de que não quer ficar para o jantar? — Minha mãe perguntou, com um tom acolhedor que não deixava dúvidas de que o convite era genuíno.
— Ah, não, obrigada! — Yuki balançou as mãos na frente do corpo. — Eu já estava de saída mesmo.
Mesmo ainda fraco, me levantei com cuidado e a acompanhei até a porta, ignorando o olhar atento e curioso de Hana, que claramente se divertia com a situação.
Quando chegamos à porta, Yuki virou-se para mim com um sorriso leve, mas um pouco hesitante, como se estivesse ponderando algo.
— Obrigado… por tudo, de verdade — murmurei, sentindo as palavras saírem com mais peso do que eu esperava.
Ela pareceu absorver aquilo por um instante antes de responder.
— Não tem problema! — começou, com um leve tom de hesitação. — Sabe, Shin… se quiser, podemos estudar juntos para as provas finais. Como fizemos na biblioteca, lembra?
Fiquei surpreso por um momento, mas rapidamente assenti, tentando não demonstrar o quanto aquilo significava para mim.
— Sim… claro! Eu adoraria!
Yuki sorriu de forma genuína, o tipo de sorriso que parecia iluminar tudo ao redor.
— Então combinado. Eu aviso quando estiver livre.
Ela deu um último aceno e começou a caminhar pela rua. Fiquei parado na porta, observando-a desaparecer na distância, enquanto uma brisa fresca balançava levemente as árvores ao longo da calçada.
Eu ainda estava fraco, mas havia algo dentro de mim — uma leveza, uma sensação de calor reconfortante — que me fez sentir melhor do que qualquer medicamento seria capaz.
Deixei escapar um pequeno sorriso, fechando a porta com cuidado antes de me apoiar contra ela por um instante. Voltei ao sofá com passos lentos, mas minha mente não estava mais presa na febre ou no cansaço. Eu me sentia diferente… melhor.
Deitado ali, olhando para o teto da sala, não pude deixar de pensar na gentileza dela, na maneira como ela cuidou de mim sem hesitar. Tudo parecia tão simples para ela, mas, para mim, foi… especial.
Um pensamento me atravessou de forma inesperada, como se fosse óbvio e inevitável: "Ela é incrível."
Fechei os olhos, permitindo que a sensação de calma me envolvesse. Por mais estranho que fosse, pela primeira vez naquele dia, senti que o mundo estava exatamente no lugar certo.