[Um tempo indefinido depois, dentro de Cronos.]
Titãs, seres fascinantes, nascidos da personificação vivas dos conceitos e princípios, os Primordiais.
Como tais, eles são tudo, menos normais, não apenas em aparência física ou poderes esquisitos, mas sua fisiologia interia.
Dentro da vasta e interminável cavidade de Cronos, onde as leis naturais parecem não existir, não há os odores comuns de ácidos gástricos ou restos de comida em decomposição.
Não. O interior do corpo de Cronos é um mundo à parte. Um cenário de caos, onde destroços de mundos fragmentados flutuam ao acaso, como se estivessem presos em uma realidade distorcida, incapazes de se unir ao todo.
Chorume ácido cai em gotas esparsas, queimando qualquer superfície que toque, apenas para desaparecer em um mar de ácido com poderes corrosivos infinitos.
Esse mar não é algo trivial. Qualquer ser divino que por infortunio cair ali seria rapidamente digerido, aniquilado pela força destrutiva que o impregna.
Cronos, com seu "intelecto superior", certamente pensou que seus filhos seriam consumidos dessa maneira.
Mas a natureza dos deuses e dos seres divinos é complexa, marcada pela constante intervenção do acaso.
O destino parece estar sempre do lado deles, mesmo quando as probabilidades de sucesso são nulas, o melhor sempre ocorre.
E, contra todas as expectativas, todos os filhos de Cronos, sem exceção, permaneceram vivos, mesmo dentro de seu ventre.
Eles não foram consumidos, não desapareceram. Em vez disso, persistiram, talvez pela pura sorte ou pela intervenção de forças maiores que desafiam a própria lógica da existência.
Agora, em meio a um dos grandes destroços flutuantes dentro desse espaço sem tempo, um grupo peculiar de filhos de Cronos se reúne.
Mas havia algo estranho sobre eles, eles pareciam ter uma idade muito superior à que deveriam.
Isso se devia ao fato de estarem dentro de Cronos, o Titã do Tempo, onde a noção de tempo é uma loucura. Anos podem passar em dias e segundos podem se estender por uma eternidade.
— Alguém quer uma maçã? — Perguntou uma mulher com aparência de adolescência.
Com pele e cabelos brancos como a neve, olhos azuis como cristais de gelo e uma expressão calma, essa era Deméter, a Deusa das Estações, que, a essa altura, deveria ter 38 anos, mas parecia ter apenas 18.
— O que eu quero é sair logo daqui. E quando eu sair, vou fazer Cronos pagar por me prender aqui. — Resmungou uma mulher madura, na flor da idade.
Com cabelos ondulados cor de vinho até os ombros e olhos rosas, ela tinha uma feição permanentemente frustrada. Essa era Hera.
— Não diga isso, Hera. Deméter está sendo tão gentil, compartilhando seus frutos com nós. Muito obrigado, irmãzinha. —Disse uma jovem moça, enquanto chutava uma maçã.
Ela era de estatura baixa, cerca de 1,50m, com pele clara e cabelos curtos e pretos, uma franja cobrindo parte de sua testa. Seus olhos grandes e azuis transmitiam uma energia jovial, e sua presença exalava uma gentileza natural.
— Por nada, Hestia. Quer uma, Hades? — Disse Deméter, oferecendo uma maçã para seu irmão.
Hades parecia ter apenas nove anos, com cabelos vermelhos vibrantes e pontas pretas, seus olhos eram escuros e desfocados, como se estivesse sempre olhando além de qualquer coisa visível.
"Passo." Ele respondeu com uma voz firme, quase distante.
— Uma pena. Mas tenho certeza que nosso caçulinha vai aceitar... falando nisso, cadê Poseidon? —
"Ali." Hades apontou para o alto.
Deméter seguiu o dedo de Hades e olhou para cima, onde um bebê de dois ou três anos, bem gorducho e fofo, com cabelo azul marinho, estava pendurado na ponteira de um relógio inglês. Como ele foi parar lá? Não pergunte, apenas aceite.
— Que fofo... ele é tão animado, é quase o oposto do Hades. — Hestia comentou com um sorriso.
Mesmo que seu irmão, um bebê frágil, estivesse a dezenas de metros de altura e à beira de um desastre, ela permanecia inabalável. Não havia desespero em seus olhos, nenhuma hesitação em seus gestos. E por quê? Talvez soubesse algo que os outros não sabiam.
Poseidon, pequeno e curioso, esticou seus bracinhos para alcançar o vazio além do ponteiro do relógio gigante onde brincava. Um deslize bastou.
Ele escorregou. Seus risos inocentes se transformaram em gritos de felicidade e euforia enquanto seu corpo caía.
O mundo pareceu congelar. Pessoas ao redor prenderam a respiração, seus olhos seguindo o bebê em queda livre.
Mas ninguém se moveu. Talvez por medo, talvez por descrença, ou talvez apenas quisessem ver o que iria acontecer.
E então, quando Poseidon estava a meros metros do chão, algo impossível aconteceu.
Um jorro de água surgiu do nada, brotando como uma nascente em pleno ar. Mas não era uma água comum.
Ela se movia com graça, como se tivesse vontade própria. As correntes se entrelaçaram, formando braços líquidos que abraçaram Poseidon com delicadeza.
Era como se a água tivesse vida.
Ela o segurou com tanto cuidado que parecia uma mãe embalando seu filho. Poseidon, longe de estar assustado, soltou uma gargalhada contagiante, suas mãozinhas chapinhando na superfície brilhante.
— Hehehehehe! Abwa bah bah bah! — Ele ria e fazia sons desconexos, encantado com sua nova amiga líquida.
A multidão, ainda paralisada, observava a cena com olhares incrédulos porém logo se recomporam.
— Esse é talentoso, tão jovem e já tão capaz... — comentou Deméter, sua voz carregada de um respeito que raramente concedia.
— O que será de nós quando ele crescer? — ponderou Hera, seus olhos observando Poseidon com uma mistura de curiosidade e apreensão.
— Tenho certeza de que ele se tornará um homem grande e forte, responsável e confiável — disse Héstia, com orgulho brilhando em seus olhos. — Sempre disposto a ajudar a família.
Mas antes que a conversa pudesse continuar, algo inesperado aconteceu.
Como mencionado antes, o tempo dentro de Cronos era caótico, um tecido desfiado onde passado, presente e futuro se entrelaçavam de maneiras imprevisíveis. Sem que ninguém percebesse, uma corrente de ar peculiar começou a se mover pelo ambiente.
Era diferente de qualquer brisa comum. Invisível aos olhos mortais, ela atravessava as paredes como se fossem meras ilusões. Onde passava, o mundo mudava. Tijolos antigos e rachados se reconstruíam em perfeição, suas superfícies brilhando como novas. As ervas daninhas que infestavam o chão murchavam instantaneamente, tornando-se pó.
A corrente, como guiada por uma força desconhecida, começou a se aproximar de Poseidon.
Os irmãos, que haviam testemunhado esse fenômeno antes, ficaram alarmados. Eles sabiam o que estava prestes a acontecer.
Essas correntes de ar estranhas eram mais do que simples anomalias temporais. Eram manifestações do poder descontrolado de Cronos, a causa de suas idades instáveis, o motivo pelo qual os deuses podiam ser ao mesmo tempo jovens e velhos, vulneráveis e incrivelmente poderosos.
Quando a corrente tocou Poseidon, o bebê inocente foi envolvido em um vórtice de luz e energia. Foi rápido como um piscar de olhos, mas o impacto foi transformador.
No lugar onde o bebê estava, agora havia um jovem adulto. Seu corpo era alto e definido, como se esculpido pelos próprios deuses. Sua pele brilhava como a superfície do mar sob o sol do meio-dia, e seus cabelos, antes azul-marinho, agora eram loiros com mechas azuladas que pareciam dançar como ondas. Seus olhos, que antes refletiam a inocência de uma criança, agora possuíam um brilho profundo, como as águas mais misteriosas do oceano, repletas de sabedoria e poder além de sua idade aparente.
A multidão continuava em silêncio, ainda processando o que havia acontecido.
— Aí está sua resposta — disse Hera com um sorriso enigmático, cutucando Héstia levemente com o cotovelo.
Héstia, porém, não respondeu. Seus olhos estavam fixos em Poseidon, agora adulto, como se tentasse decifrar o mistério que o cercava.
Poseidon, por sua vez, parecia alheio à atenção. Ele se esticou lentamente, os músculos tensos após a transformação.
— Uhm~ minhas costas estão me matando — disse ele, com um suspiro exagerado, como se já fosse um veterano cansado da vida.
Hades, que havia observado toda a cena com um olhar analítico, cruzou os braços e respondeu de forma casual:
— Acostume-se. Isso acontece com frequência por aqui.
Poseidon ergueu uma sobrancelha, curioso, mas logo desviou sua atenção para outra coisa. Ele caminhou até Deméter, a postura confiante, como se sempre tivesse sido assim.
— Irmã Deméter, ainda tem aquela maçã? — perguntou ele, apontando para o pequeno cesto que ela segurava.
Deméter piscou, surpresa com a naturalidade do pedido, mas rapidamente sorriu e entregou a fruta.
— Claro. Aproveite.
— Valeu, estou morrendo de fome — disse Poseidon enquanto dava uma mordida generosa na maçã, mastigando com a calma de alguém que não parecia minimamente preocupado com sua súbita transformação.
Embora agisse de maneira madura e refinada, sua postura sem estranheza era intrigante. Nenhum deles o havia ensinado a falar, a contar, ou sequer a reconhecer os irmãos. Mas os deuses não eram como mortais. Ligados ao seu domínio, eles absorviam instintivamente informações dele.
No instante em que sua mente amadureceu, Poseidon buscou o máximo de conhecimento que seu reino poderia oferecer. Era como se as ondas e os mares tivessem sussurrado segredos a ele, preenchendo as lacunas de sua mente.
Por isso, ele não agia como um bebê no corpo de um adulto. Sua sabedoria era instintiva, mas a personalidade e as noções de convivência ainda estavam por se formar.
Héstia, sempre prática, quebrou o silêncio.
— Irmão Poseidon, não é adequado andar por aí despido. Fique com isto. — Ela estendeu uma túnica simples, mas elegante, com um sorriso caloroso.
Poseidon olhou para si mesmo e finalmente notou que ainda usava as mesmas roupas de quando nasceu, agora ridiculamente pequenas em seu corpo adulto. Ele corou levemente e aceitou a túnica.
— Mil perdões pelo incômodo. Vou garantir que isso não aconteça novamente.
— Eu não diria isso tão rápido — comentou Hades, com um sorriso travesso e um brilho malicioso nos olhos, claramente se lembrando de algum incidente passado.
Hera, sem paciência para as provocações do irmão, o interrompeu em tom ameaçador:
— Hades, mais uma palavra, e eu te jogo no ácido.
Mas Hades apenas retribuiu o olhar com um sorriso confiante, desafiando-a silenciosamente a tentar.
Poseidon, assistindo a interação com interesse, deu mais uma mordida na maçã enquanto pensava consigo mesmo:
'Minha família é estranha, porém igualmente interessante. Gostei.'
E enquanto seus irmãos discutiam e brincavam, Poseidon percebeu que, apesar de tudo, havia um conforto inesperado em estar entre eles. Era como o oceano: caótico e imprevisível, mas também acolhedor e familiar.
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