[Em algum lugar dentro do vasto interior de Cronos]
— Yiiihaaa!
Poseidon gritava, a voz ecoando pelo ambiente surreal, enquanto surfava em uma prancha de gelo pelas ondas caóticas do mar ácido de Cronos.
Para qualquer outro ser, divino ou mortal, aquele oceano corrosivo seria um pesadelo encarnado, uma ameaça que sequer ousariam enfrentar. Mas, para Poseidon, era apenas um vasto parque de diversões.
— Agora eu quero uma onda bem alta!
Sua voz ressoou com autoridade. O mar ácido respondeu como se obedecesse ao seu comando. Em segundos, uma colossal onda começou a se formar, levantando-se como uma muralha líquida brilhante e perigosa, fervendo com uma intensidade que poderia desintegrar qualquer coisa.
Poseidon não demonstrava medo; pelo contrário, um sorriso empolgado surgiu em seu rosto. Ele inclinou a prancha de gelo e começou a remar na direção da onda crescente, a adrenalina correndo em seu corpo.
— É isso aí, meu bem! Vamos dançar!
Com precisão e ousadia, Poseidon subiu a parede da onda, desafiando as leis naturais. A prancha de gelo parecia se mover com uma sintonia perfeita com o líquido corrosivo, nunca se dissolvendo, como se até ela respeitasse a vontade do deus.
As explosões de ácido formavam vapor ao seu redor, criando um espetáculo de luzes verdes e amarelas enquanto ele surfava. Cada movimento de Poseidon era um show de confiança e controle, como se estivesse em total harmonia com aquele ambiente caótico.
— Agora quero um giro! — ele disse, gargalhando.
O mar obedeceu novamente. A onda mudou de forma, criando um turbilhão no topo que o lançou para o alto. Poseidon girou no ar, braços abertos, antes de aterrissar de volta na prancha com uma graça sobre-humana.
— Isso foi incrível! Quem mais consegue domar um monstro como você? — ele gritou para o oceano ácido abaixo dele, quase como se estivesse conversando com um velho amigo.
De longe, seus irmãos observavam a cena, descrentes.
— Ele é louco — murmurou Hades, cruzando os braços e observando Poseidon com um olhar de descrença.
— Louco ou apenas insano de autoconfiança — respondeu Deméter, franzindo o cenho enquanto tentava compreender a lógica que parecia reger as ações do irmão mais novo.
Vale mencionar que, com o passar do tempo, ambos estavam significativamente mais velhos do que antes.
Hades, agora um adulto, ostentava uma barba grande e espessa, que combinava com o porte físico imponente. Ele era alto, musculoso, e sua presença emanava uma aura naturalmente intimidadora, uma verdadeira representação do deus do submundo. A autoridade que ele exalava era quase palpável.
Deméter, por outro lado, parecia uma senhora de meia-idade. Seus cabelos, outrora branco e brilhantes como a neve, estavam agora grisalhos.
Ela, que já havia enfrentado uma onda de infortúnios, se encontrou com várias tempestades temporais, a mais recente que, a deixou idosa.
Para seu alívio, deuses não morrem de velhice, se não ela provavelmente há teria virado poeira.
Por isso, começou a buscar, de forma quase desesperada, tempestades temporais, na esperança de voltar à sua aparência mais jovem e radiante.
— Poseidon! Tem comida na mesa!
A voz de Hestia ecoou de dentro da casa, uma construção flutuante improvisada entre os destroços de Cronos.
— Estou indo! Ei, mar, me leva de volta!
Uma pequena onda se formou sob a prancha de gelo de Poseidon, e a correnteza começou a carregá-lo em direção à ilha flutuante.
Conforme ele se aproximava, a água ao seu redor se ergueu, formando uma elevação que o transportou até a terra firme.
— Isso foi incrível — disse Poseidon, saltando da prancha com um sorriso de satisfação enquanto se aproximava de seus irmãos.
— Sua juventude está se provando irritante, Poseidon. — Resmungou Hades, lançando um olhar em direção ao corpo juvenil de Poseidon, antes um atraente jovem adulto, agora parecia ter apenas 15 anos, apesar da imensidão de seu poder divino.
— Admita, velhote, você está apenas com inveja desse meu corpo jovem.
O sorriso provocador de Poseidon não passou despercebido.
Hades apenas o respondeu com um sorriso também, um leve sorriso de cumplicidade, ainda que mantivesse seu semblante sério.
A dinâmica entre os dois irmãos era, de fato, interessante. De acordo com a lógica, eles eram o oposto completo um do outro.
Enquanto Poseidon representava a vida e o crescimento, e Hades a morte e a decadência, havia algo entre eles que transcendia o confronto de suas naturezas.
Porém mesmo com domínios divinos de naturezas opostos, os dois agiam como verdadeiros irmãos de sangue e alma.
Eles passavam horas juntos, muitas vezes apenas se entendendo com um olhar, como se uma conexão invisível os unisse.
Uma irmandade silenciosa, que se manifestava no respeito e na compreensão mútua, mesmo que poucos ao redor conseguissem perceber a profundidade desse laço.
Os três entraram na casa improvisada, que, embora simples e acabada, parecia acolhedora.
A mesa estava repleta de diversas frutas, e o aroma doce de algumas delas se espalhava pelo ar.
Poseidon, olhou para a mesa e comentou enquanto pegava uma romã e a mordia com entusiasmo:
— Deméter, eu acho que a idade lhe fez bem. Olha quanta fruta diferente! Você deveria continuar assim.
Deméter, já acostumada com o comportamento de seu irmão mais novo, apenas deu um sorriso leve e descontraído, mas não se deixou impressionar.
— Sinto em decepcionar, mas não. — Ela respondeu com sua voz calma e serena, como sempre.
Nesse momento, Hestia surgiu de um canto da casa, sorrindo para todos, gentil e acolhedora como sempre, como se sua presença fosse um bálsamo para qualquer tensão que pudesse pairar no ar.
— Como foi o dia de vocês? Se divertiram juntos? Alguém se machucou? — Perguntou Hestia, com sua típica suavidade, enquanto se aproximava da mesa, os olhos brilhando de curiosidade e carinho.
Poseidon, com o entusiasmo de um irmão mais novo, não perdeu tempo em responder. Ele estava animado, como sempre, e não conseguia parar de falar sobre suas aventuras do dia.
— Irmã Hestia, você não vai acreditar no que eu fiz hoje! Sabia que dá pra surfar em mar de ácido? A sensação é incrível, embora queime um pouco. Você deveria tentar, é uma experiência e tanto, além disso... — Ele continuou, animado, seus olhos brilhando com cada detalhe de suas peripécias.
Hestia, ao vê-lo tão cheio de energia, sentiu seu coração se aquecer. Era bom ver Poseidon tão animado, como se o tempo e a distância nunca tivessem mudado sua essência. Ela sentia orgulho dele, mas ao mesmo tempo, uma pontada de inveja a alcançou, algo que ela sempre tentou evitar.
Embora fosse a mais velha dos irmãos, Hestia parecia ser a mais jovem em aparência, e isso a incomodava de formas que ela preferia não encarar. Ela desejava tanto ver seu corpo amadurecer, sentir-se mais adulta, mas Cronos, com suas tempestades caóticas, parecia tê-la deixado estagnada.
Poseidon, com seu olhar atento, percebeu a mudança sutil na postura de Hestia, como se algo em sua irmã tivesse se desajustado, algo que ela estava tentando esconder.
— Hestia, você ainda está mais jovem do que todos nós! Como faz isso? — Perguntou ele, com um sorriso travesso, brincando, antes de dar mais uma mordida na romã. Sua energia juvenil, agora igualmente refletida em seu corpo mais jovem, parecia contagiante.
Hestia sorriu, mas seu sorriso foi ligeiramente tenso, como se uma camada de frustração estivesse oculta sob a superfície. Ela respondeu com sua habitual doçura, tentando disfarçar os sentimentos conflitantes dentro de si.
— Poseidon, você é um caso perdido — disse Hades, interrompendo a interação com sua voz profunda, cheia de autoridade. Ele estava mais robusto e imponente agora, sua presença forte refletindo o tempo e a maturidade que adquirira.
— Não sei por que, mas tenho a sensação de que falei merda... De qualquer forma, Hades, a culpa é sua. — Poseidon brincou, sem perder o ritmo, mas logo piscou para Hestia, querendo aliviar a tensão que ele mesmo tinha provocado.
— Hunf, moleque irritante — Hades resmungou, mas não parecia realmente aborrecido, apenas acostumado com as travessuras de Poseidon.
De repente, um estrondo ecoou pela casa, seguido por um cheiro forte de vinho, que imediatamente se espalhou pelo ambiente. Todos olharam para a origem do som, e logo Hera apareceu, ainda com seu corpo adulto e maduro, mas agora com os olhos semicerrados, como se estivesse tonta. Ela segurava uma taça de vinho vazia, balançando levemente enquanto andava.
— Hestia... dor... cabeça... massagem... — Ela resmungou, claramente afetada por uma ressaca, enquanto se jogava no colo de Hestia, que estava sentada em uma cadeira.
— Irmã Hera, você deveria parar de beber tanto, isso não é nada elegante. — Hestia respondeu, com um tom suave, mas ainda assim, com um toque de preocupação. Ela acariciou a cabeça de Hera, tentando acalmá-la.
Hera soltou um suspiro cansado e sorriu de forma preguiçosa.
— Eu sonhei que Soluça tinha limpado o chão com a cara de Cronos... Fiquei tão feliz com a ideia que resolvi beber um pouco. Eu bebi um pouco... e acordei agora. — Ela disse, com uma risada baixa, mas o humor estava apagado pela ressaca.
Hera sempre teve o hábito de beber vinho como se fosse água, uma característica que a tornava bem conhecida entre os deuses. Ela não conseguia parar, sempre acreditando que uma taça a ajudaria a relaxar, mas agora estava pagando o preço.
Poseidon, com seu humor irreverente, não perdeu a oportunidade de provocar a irmã.
— Se estás tão determinada, deveria treinar um pouco para realizar esse sonho. — Ele disse, lançando um olhar para Hera, que estava se afundando na preguiça. — Ela nunca treina para ficar forte, mas está sempre dizendo que vai "descer o sarrafo" em Cronos.
Hera, sem se dar ao trabalho de olhar para Poseidon, apenas fez um gesto de desprezo.
— Calado, pirralho. — Ela resmungou, ainda com a voz abafada pela dor de cabeça.
Os outros irmãos trocaram olhares cúmplices, conhecendo bem a dinâmica entre Hera e Poseidon. Hestia, por sua vez, soltou uma risada silenciosa, tentando aliviar o clima tenso com o irmão mais novo.
— Pelo menos estamos todos aqui, vivos e bem, e é isso que importa — Hestia disse, tentando trazer um pouco de leveza à conversa.
Ela sabia que os irmãos tinham suas diferenças e intrigas, mas, no final, o que importava era o vínculo que os unia, um laço que o tempo e as tempestades caóticas não podiam romper.
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