[Pov: narrador.]
[Em algum lugar no interior de Cronos.]
De uma ponta a outra do horizonte, tudo o que você vê é um vasto mar de ácido. Verde, viscoso, letal. As ondas estão tão imóveis que parecem congeladas no tempo. Assustador, não é?
No céu, nada. Nem escombros flutuantes, nem nuvens. Apenas um vazio opressor que faz você se perguntar: "Será que estou mesmo olhando para um céu?"
Mas espere. Você notou aquilo? Bem no meio desse cenário desolador, há algo que não deveria estar ali: uma pequena ilha de gelo flutuando no ácido. Isso não faz sentido, certo?
Agora, olhe mais de perto. Sobre essa ilha, sentado como se fosse o dono do mundo, está Poseidon. Sim, o Poseidon. E antes que você pergunte, deixe-me responder: ele parece diferente. Mais maduro, mais... sério.
Seus olhos estão fechados. Ele está imóvel, como se o ambiente ao redor simplesmente não existisse. E você deve estar se perguntando: "O que ele está fazendo aqui?"
Treinando.
É isso mesmo. Um deus, treinando. Parece absurdo, eu sei. Você acha que os deuses são seres perfeitos, não é? Invencíveis, inalcançáveis, acima de qualquer esforço mundano. Mas a verdade, meu caro, é bem diferente.
Os deuses não são onipotentes. Eles podem morrer, e isso é um fato. A diferença entre deuses e mortais é apenas um rótulo, uma ideia que eles mesmos criaram para se sentirem superiores. Arrogância divina, se você preferir chamar assim.
Claro, a maioria deles acredita nessa farsa. Deuses tendem a ser egocêntricos e impulsivos, preocupados apenas com o próprio prazer. Mas Poseidon não é como a maioria. Ele sabe que a força bruta não é o suficiente. Ele entende suas fraquezas, aceita que precisa melhorar, crescer.
Ah, se todos fossem assim... Mas não. Olhe para Hera, por exemplo: fala muito, faz pouco. Poseidon, por outro lado, está aqui, sentado sobre uma ilha de gelo, enfrentando o caos em sua forma mais pura.
E agora você quer saber: "O que exatamente ele está treinando?"
Poseidon é o deus do mar, das águas, das tempestades. Parece óbvio que ele está treinando algo relacionado a isso, certo?
Mas olhe ao redor. O mar ácido está calmo, quase sereno. Não há água, não há tempestades. Você deve estar pensando: "Ele está apenas meditando?"
Não exatamente.
De repente, Poseidon abre os olhos. Você sente o impacto, mesmo de longe. Há um brilho feroz ali, como se ele tivesse acordado algo poderoso dentro de si. Ele enxuga o suor que escorre pela testa, um gesto sutil, mas que diz muito.
No instante em que ele se move, o mar ácido responde. Ondas começam a se formar, crescendo em intensidade, como se a própria natureza tivesse despertado de um transe.
Agora você entende. Todo esse tempo, o mar estava calmo porque Poseidon o mantinha assim. Ele estava controlando cada gota, cada molécula, usando sua força para impor ordem sobre o caos corrosivo.
É isso que ele está treinando. Não a força destrutiva que todos esperam de um deus, mas seu controle minucioso.
Para Poseidon, controlar a água não é apenas um privilégio divino. É uma responsabilidade, um dever inegociável. A água deve seguir sua vontade como um reflexo de sua força interior. Se ele não conseguir isso, se falhar em dominar o próprio elemento, será apenas uma piada entre os deuses.
[Pov: terceira pessoa.]
Poseidon se levanta lentamente, seu corpo imponente projetando uma sombra longa sobre a pequena ilha de gelo. Ele olha ao redor, o vasto mar ácido refletindo seu semblante sério e determinado.
"Só isso não vai ser suficiente."
O pensamento é direto, quase cortante. Embora o que ele acabara de realizar fosse impressionante, manter todo um oceano de caos em ordem perfeita, ele sabia que ainda estava longe do nível necessário para alcançar seu objetivo.
Poseidon tem algo claro como a água em mente. Algo que alimenta sua determinação e queima em suas entranhas como uma chama inextinguível.
Ele vai matar Cronos.
A profecia, a maldita profecia, previu que um dos filhos de Cronos seria sua ruína.
Aquela simples previsão encheu o coração do titã com um medo que só os poderosos conhecem: o medo de perder o controle.
E, como resposta, Cronos tomou a decisão mais cruel que um pai provavelmente poderia tomar.
Ele devorou seus próprios filhos.
Sem remorso. Sem hesitação. Apenas um desejo desesperado de evitar o destino.
Mas o destino tem uma maneira curiosa de se impor. Às vezes, encontramos nosso fim no caminho que tomamos para evitá-lo.
Os filhos de Cronos sobreviveram. E agora, eles estão famintos por vingança.
Poseidon está entre eles. Mas, diferente dos outros, sua sede de vingança não se sacaria com tão pouco.
Ele não quer apenas que Cronos morra. Ele quer ser o responsável por isso. Quer ser aquele que realizará a profecia e matará Cronos.
Para isso, ele precisa ser mais forte. Mais forte que o próprio titã, claro, mas também mais forte que qualquer um que compartilhe de seu objetivo.
Hestia, Hera e Demeter não preocupam Poseidon. Cada uma, em sua visão, é incapaz de carregar o peso dessa tarefa.
Hestia, embora também guarde rancor de Cronos, é muito bondosa e gentil para isso, ela não tem a força de vontade necessária para encerrar a vida de alguém.
Hera, ela é apenas um caso perdido, uma bêbada sem esperanças, alguém como ela deveria apenas reconhecer seu lugar.
Demeter, até que ela poderia, ela tem a determinação o suficiente, mas não aparenta ser do tipo que luta muito bem.
Isso significa que sua única preocupação atual é apenas-
Hades.
O único entre seus irmãos que Poseidon considera um rival à altura.
Hades não é cego para as próprias fraquezas. Assim como Poseidon, ele entende que a força divina não é um dado adquirido, mas algo a ser conquistado.
E, assim como Poseidon, ele também tem o mesmo objetivo: ser aquele que coloca um fim na tirania de Cronos.
Poseidon sabe disso. Ele reconhece o perigo de ter Hades como competidor. O irmão mais velho é experiente, astuto, e está nessa terra corrosiva há mais tempo. Poseidon tem que ser mais forte. Não apenas para superar Cronos, mas para superar Hades.
"Eu preciso treinar mil vezes mais duro."
Ele olha para o horizonte ácido, o mar agora começando a ondular novamente em resposta à sua determinação renovada.
Ele estendeu uma mão para a frente, com a palma aberta, e então aconteceu algo extraordinário. No ar vazio diante dele, gotas começaram a surgir, pequenas e tímidas, mas crescendo rapidamente.
Elas se uniram, formando uma esfera translúcida, uma bolha de água que parecia pulsar com vida própria.
Poseidon observou a bolha com atenção, lentamente, ele ergueu ambos os braços e os mergulhou dentro da esfera líquida.
Por um momento, a bolha os envolveu completamente, como se tentasse compreendê-lo. Então, ele retirou os braços, e a esfera desmoronou, transformando-se em pequenas correntes de água que se prenderam a ele.
Agora, seus braços estavam cobertos de água, uma extensão de sua própria força. Era como se a água tivesse se fundido com ele, transformando-se em uma arma viva.
Poseidon começou a mover os braços lentamente, e a água seguiu cada movimento com uma precisão impressionante. Ele girou o pulso, e a corrente líquida girou junto. Balançou os braços para frente, e a água esticou-se no ar, como uma lâmina fluida.
"Interessante..." Ele murmurou, avaliando o potencial daquele novo poder.
Então, com um movimento mais forte, ele chicoteou o ar com os braços, e a água respondeu de forma violenta, cortando o vazio com um som agudo. Um sorriso surgiu em seus lábios.
"Vou chamar isso de... chicote de água."
Não se engane ao subestimar o talento de um deus. Não é porque raramente se esforçam que são incompetentes. Sua essência divina carrega um potencial inigualável, um talento natural para aprender, imitar e, principalmente, criar.
O que Poseidon acabou de fazer, materializando e controlando um chicote de água com tamanha fluidez, é algo que levaria dias – talvez semanas – para um ser mágico habilidoso e em sintonia com a água realizar. Mesmo para mestres dessa arte, alcançar a perfeição demandaria dedicação exaustiva e incontáveis tentativas.
Mas para Poseidon, tudo aconteceu em um instante. Não por mero acaso, mas porque ele escolheu se esforçar, escolhendo não apenas usar o dom divino que lhe foi dado, mas refiná-lo.
Agora, imagine isso: se um deus com a personalidade infantil que a maioria possui é capaz de criar feitos extraordinários sem esforço real, o que dizer de um deus que decide transcender essa natureza?
O resultado seria uma força da natureza, capaz de transcender seus predecessores, os Titãs.
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