Estava anoitecendo, e ela via o sol subir a ribanceira ao lado do lago, quase tão alta quanto o céu. "Se eu pudesse voar" ela pensou, desejando sentar na beira da ribanceira para admirar a vista. Mas ficou lá embaixo, sentada observando o sol subir ao céu com a pressa de quem deixou a pessoa amada a espera. Olhou para o celular ansiosa, nenhuma mensagem.
Não sabia porque esperava uma mensagem de Dornelles, nem porque havia deixado, naquela tarde, cair aos pés dele o número de seu telefone. E era exatamente isso que a deixava feliz: ter feito algo sem nenhuma razão. Isso era ser Rosa. Embora não soubesse o que queria ser e de como queria viver, mas ela sabia que era isso: ser Rosa.
Interrompeu os pensamentos e começou a cantarolar alguma coisa que não era música. Não demorou a se sentir enteada com tudo aquilo e decidiu mergulhar para refrescar suas ideias. A noite já dava as caras e a lua no céu ofuscava as estrelas com seu brilho majestoso de rainha. Seria uma boa ideia tomar banho de lago? Não. Ela achou melhor ir embora.
Júlia estava aos berros dentro de casa. Rosa diminuiu o passo para tentar traduzir aqueles sons berrantes e saber se seria ela o motivo da fúria da dona da casa. Não. O motivo era o sumiço de Jonas. O menino vivia saindo sem dá satisfação a mãe, que ficava descontrolada por não saber o paradeiro do amado e idolatrado rapaz.
Essa era uma relação de altos e baixos. Em alguns dias Júlia queria matar o filho, desprezava-o, negligenciava-o. E de repente sem nenhum motivo aparente passava a ser a mãe mais zelosa da terra. Não demorou até que todos percebessem o que acontecia ali. Se Guto dissesse bom dia a filha, Júlia fazia um café da manhã especial para Jonas. Naquela casa, portanto, acontecia uma disputa, em que cada um queria demonstrar mais amor. Um amor sufocante.
Um ano tinha a menina, filha da garçonete, quando Deus agraciou Júlia com um filho. Desde então ele passou a ser o centro das atenções, o primeiro, o mais cuidado. Essa forma de criar a criança tornou o menino um ser insuportável. Ele cresceu acreditando que podia ter tudo que quisesse. Cresceu não. Era só um menino de 16 anos agora. Nada mais que um adolescente arrogante.
Em resposta aos gritos de Julia se ouviu gritos que se aproximava de casa. Era Jonas que estava chegando, entrou na casa instantes depois da chegada de Rosa. E ficou batendo boca com a mãe, enquanto Rosa se dirigiu ao seu quarto.
Como Rosa odiava aquelas situações! E pensava que o melhor mesmo seria ela voar para bem longe. Se não tivesse assas, que arranjassem alguém que lhe desse de presente um par. E ela já sabia quem poderia ser essa pessoa.
Naquele momento tomou uma decisão: iria sair de casa. Não sabia como, pois tinha apenas 17 anos. Não tinha emprego, nem onde morar. Ir para onde a mãe não era uma opção. Esse era outro defeito de Rosa: ser muito racional. Talvez por isso evitou a todo custo enfrentar a madrasta. Sempre se fazia de surda e muda, para não ter que discutir com a mulher de seu pai. Naquela família, ela se sentia a intrusa. Quando ela chegou Júlia já era a esposa e depois se tornou a mãe do filho de seu pai.
Era pedir demais ter uma vida só sua? Sendo racional, ela percebia que sim. Para isso acontecer ela iria ter que pagar um preço. E isso ela tinha jurado que não faria. Ser Rosa, não era está à venda em vitrines imundas da vida. Tinha que ter outro jeito. Não tinha, ela sabia. E por isso preferia a casa de seu pai.
Olhou pela janela a lua majestosa reinando no céu. Uma lágrima principiou a descer pelo seu rosto. Não conseguiu segurar o choro. Como ela era infeliz, pensava. Não sabia do que era feita a felicidade, mas sabia todos os ingredientes da infelicidade. Pensamentos desconexos tomou conta de sua cabeça. Virgem aos 17, e para que se todos a chamavam de puta? Poderia ir morar com a mãe... ou fugir com Dornelles.
Sentiu-se culpada pelo último pensamento. Ele a queria e disso ela tinha certeza, porém ele era casado. Não, isso era errado. Ela precisava pensar em outra saída. Não aquentava mais viver naquela casa como uma intrusa, trabalhando como uma empregada. Sem salário. Até quando teria que pagar a dívida de sua mãe?
A lua já não estava mais no céu. Já era madrugada e Rosa continuava acordada, infeliz. Todas as possibilidades passaram por sua cabeça. No entanto, ainda não sabia como ter sua liberdade sem se aprisionar a alguém ou a alguma coisa. Já não tinha lágrima para chorar. De duas coisas ela tinha certeza: sua infelicidade e a necessidade de mudar. Ela precisava viver a sua vida. Não queria mais pagar a dívida de sua mãe. Decidiu falar com o pai.
O dia mal amanheceu e ela chamou o pai para conversar. Pediu que ele reformasse a casa próximo ao lago para que ela pudesse morar lá.
Guto tomou um susto com a proposta da filha. Era inadmissível uma moça de 17 anos querer morar sozinha numa casa sem nenhum vizinho. Júlia disse ao marido que ela queria isso para atender aos homens, era como a mãe, não tinha dúvida. Guto não discordou da esposa.
E foi nesse instante que Rosa tomou uma decisão. Não respondeu as insinuações da madrasta. Mas saberia o que fazer para ser dona de sua própria história. Ela iria ser a protagonista, pensava. Iria viver a sua maneira. E escreveria cada linha de sua vida sem se importar com o olhar dos outros. Ela sabia que sua felicidade dependia de ser ela mesma.