Gorete arrumou-se para ir visitar uma família membro de sua igreja. A visita estava marcada para às 5 e 30 da tarde. Meia hora antes ela já estava pronta e meia hora após o horário de sua visita, seu marido ainda não tinha chegado.
Olhou-se no espelho e gostou do que viu. Vestia uma saia jeans preta com uma blusa branca social. Seu corpo esbelto saltava nessa roupa justa, mas comportada. Decidiu ir sozinha, deduziu que o marido havia encontrado algum conhecido na volta e por isso estava atrasado.
Ela não era do tipo de mulher que gostava de brigas. Desde muito cedo compreendeu que havia se casado com um homem público e, por isso, já estava acostumada com esses imprevistos. Sempre que algum plano que fazia com ele não dava certo, ela iniciava o plano B. Ela amava o plano B. Aliás, ela vivia o plano B, uma vez que seu marido não foi sua primeira opção.
Quando jovem era muito mais linda do que hoje. Mas sua beleza sempre foi uma beleza estática. Era alta, tinha as pernas torneadas, o quadril largo que harmonizava com o seu bumbum empinado e seus seios fartos. Era uma beleza escultural de dar inveja a qualquer mulher e despertar em qualquer homem o desejo. Escultural, estar ai um adjetivo que a definia. Era rica de beleza e pobre, na mesma proporção, de charme e carisma.
Fizeram uma grande festa quando se casaram. E mesmo em seu álbum de casamento, momento que deveria ser de felicidade, era possível constatar a sua falta de carisma. Mas quem a conhecia desde pequena justificava seu semblante amargo e seu sorriso sem sabor, que mal se apresentava. Ela havia perdido os pais em uma acidente de carro aos 12 anos. E ficou morando com uma tia.
Casou-se aos 21 anos e já não morava mais com a tia. É trágico, mas sua tia havia morrido quando Gorete tinha apenas 18 anos, o que obrigou ela a viver sozinha. Foi preciso coragem para enfrentar as correntezas da vida sem ter nenhuma família para compartilhar suas angústias. E era por isso que todos em sua congressão a entendia.
- No fundo é uma boa mulher - diziam todos.
Não só no fundo, ela era uma boa mulher completa, não media esforços para ajudar quem precisava.
Chegou sozinha na casa da irmã Marta, e chorou ao ver sua amiga, assim a considerava, em uma cama esperando a morte. Marta tinha 39 anos e estava com câncer. Os médicos haviam mandado ela para casa, para morrer próximo da família, tinha menos que 1 ano de vida.
Gorete olhava para Lucas e Caio, o primeiro de 10 e o outro de 6 anos e pensava em quem iria cuidar dos meninos quando a mãe se fosse.
Das muitas vezes que foi visitar Marta, ela acabou se aproximando dos meninos. E a sensação que a presença dos dois lhe trazia fazia despertar nela sorrisos mais agradáveis e abraços espontâneos. A mãe dos meninos amava ver como seus filhos eram bem cuidados pela amiga. E dizia em seu leito de morte, pedia, na verdade, que Gorete cuidasse deles.
A vida dos meninos, infelizmente, se assemelhavam a vida de Gorete, já haviam perdido o pai num acidente terrível numa empresa de mineração, fora soterrado pela lama de uma barragem que rompeu e aterrou o sonho e o respirar de muitas pessoas. Agora, aquelas pobres crianças perdiam a mãe pouco a pouco a cada dia. Eles precisavam de alguém que os amassem de verdade e esse alguém com certeza seria Gorete.
O menor foi até a mãe pedi-lhe permissão para chamar Gorete de mãe, Marta consentiu abraçando a amiga. Esse foi o último abraço que deu em alguém. Realmente, seus dias estavam contados. Desesperadas, as crianças choravam abraçadas com Gorete. E ela não conseguia segurar às lágrimas ao lembrar da amiga morrendo em seus braços.
Levou os meninos para sua casa, vestiu-lhe com roupas de luto, alimentou-os e levou os dois para que pudessem se despedir da mãe.
Na igreja todos choravam a perda trágica daquela jovem mulher. Não tem como traduzir em palavras a tristeza que foi para aquelas pessoas ver os dois meninos abraçados ao caixão implorando para que sua mãe não os abandonassem. E como os meninos, Gorete chorava a dor de perder uma amiga e de reviver a perda de seus pais por meio do sofrimento dos, agora, seus filhos.
Dornelles fez a oração e o cerimonial e sentou-se do lado da esposa, esperando que todos se despedissem de Marta. E mesmo em meio a todo aquele drama não conseguia esquecer do que havia feito. A culpa consumia sua alma, tinha sido ali, onde agora muitas lágrimas jorravam, que ele havia visto jorrar seu prazer. Mirava o local ao mesmo tempo culpado e constrangido, jurando em seu coração nunca mais fazer aquilo.
O corpo já tinha sido enterrado, as crianças, na casa de Gorete, dormiam de cansaço. E ela se mostrava triste, porém seus olhos tinha novo brilho. Aquela escultura estava ganhando novas expressões, o que foi constado com o passar dos dias.
Dois meses depois, e Dornelles chegou à conclusão que o que faltava para Gorete era ser mãe. Ela estava feliz, ria e cantava o tempo todo. Era simpática e carinhosa com todas as pessoas.
Acordava ainda de madrugada para preparar o café dos meninos, acordando os dois com beijinhos e bom dia. Eles a amavam e ela finalmente se sentia completa. Até na igreja deram por essa mudança, e diziam todos a mesma frase:
- ela só precisava ser mãe - e agradeciam a Deus pelos meninos terem encontrado alguém como ela. Gorete ria, conversava e festejava todas as datas comemorativas do calendário, tudo era um pretexto para que pudesse fazer festa.
Lucas e Caio não sentiam mais tanto a falta da mãe, seis meses já haviam se passado. Agora eles tinham uma mãe e um pai, Dornelles também estava se acostumando com a ideia de educar os meninos. Naquele dia eles estavam comemorando o aniversário de Caio, os minions enfeitavam todo o local e todos da igreja estavam lá para compartilhar com a família de Gorete aquele momento tão especial.
E antes que os parabéns fossem cantados, uma mulher que não tinha sido convidada entrou perguntando quem era Gorete. Entregou um papel a mulher do pastor, que cambaleou ao ler. Aquela mulher lhe arrancou o prazer de viver, o papel com a assinatura do juiz dizia que a mulher, por ser tia dos meninos, tinha a guarda dos mesmos. Não tinha o que contestar. A Gorete só restou ver os meninos irem com a tia, implorando por socorro.
Sua alma se partiu naquele momento, com a cena dos dois gritando por socorro e ela sem nada poder fazer. Quando os meninos já estavam fora de sua vista, ela gritou o mais alto que pode e quebrou quase todos os móveis de sua própria casa.
Ela sabia do que era feita sua felicidade e por isso lhe doía muito ser infeliz novamente. Um ódio grande de Deus tomou conta de sua alma, ele não permitiu que ela pudesse engravidar e agora tirava dela os filhos que a vida lhe deu. Jamais iria perdoar Deus por isso, tinha certeza.
Todos experimentaram o lado mais obscuro de um ser humano. E isso era muito difícil. No começo, todos se compadeciam de Gorete, mas com o passar do tempo foram percebendo que ela ficava mais amarga e não conseguiam mais ter sentimento por ela, além de repulsa.
O seu marido experimentou o mal humor de uma mulher desiludida com a vida. Ela era infeliz e seu objetivo parecia ser tornar todos a sua volta infelizes também, para que pudessem sentir, nem que apenas um pouquinho, a dor que consumia sua alma.