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Chapter 2 - Reconfiguração

Em um espaço imaginário, onde a única coisa que você consegue ver é um mar de branco. A densa cinzenta névoa paira no ar, obscurecendo qualquer detalhe ou ponto de referência, misturando-se ao ambiente, dificultando sua percepção. Cada olhar que você dá parece ecoar em suas retinas, perdendo-se na brancura infinita ao seu redor. O ambiente parece etéreo, como se estivesse em um sonho, onde as fronteiras entre o espaço e a mente se confundem.

"Abra a fenda!" exclamou, em tom acertivo.

A doce voz feminina, de caráter angelical, quase divino, repetiu: "Abra a fenda!" Repleta de nervosismo, uma jovial voz masculina, replica: "P-PORQUE EU? ABRE VOCÊ! J-J-JÁ FIZ ISSO DA ÚLTIMA VEZ!" o tremor em sua mandíbula era intenso, atrelado a um nervosismo aparente, sua fala sai mais alto do que pretendia, ele engole seco.

Indignada com sua audácia, sem perder a compostura, ela levanta seu punho cerrado. "Quem você acha que é para me responder dessa maneira?" uma veia salta em sua testa. Assustado, respondendo a um reflexo involuntário, ele rapidamente se agacha protegendo a cabeça.

"Parem com isso, OS DOIS." enfatiza, outra voz feminina, interrompendo a discussão acalorada. A segunda voz feminina, dessa vez, de sonoridade forte, envolta de uma atmosfera madura e sedutora.

*Para evitar confusões, as 'vozes' serão tratadas como: brilhinho (1° voz feminina), esquentado (voz masculina) e fortuna (2° voz feminina).*

Querendo saber o motivo da discussão anterior, fortuna, indignada com a briga imatura, pôs a mão direita sobre o rosto, apoiando o cotovelo com as costas da outra mão e, os questionou sobre o que estava acontecendo. Levantando-se, esquentado ergue o braço, pronto para explicar a situação. "Eu estava fazendo minhas coisas quando a brilhinho me chamou, exigindo que eu abrisse uma fen-" impedido de falar, graças ao soco no queixo desferido por brilhinho. Um golpe certeiro, limpo e eficaz.

'Paft.' o impacto da sua queda ressoa por todo seu corpo. O som de seus joelhos encontrando o chão ecoa pela cabeça de brilhinho, percebendo seu erro.

Esquentado, caído no chão, se pergunta sobre o sentido da vida.

"Que tal você começar a se explicar." o olhar perfurante de fortuna atravessava a mentira de brilhinho como uma lança. "É... Não... É que..." brilhinho miava, propelindo palavras desconexas, tocando os dedos indicadores.

Visivelmente impaciente, fortuna bate o pé no chão. Sem escapatória, brilhinho decide abrir o jogo. Após ouvir toda a explicação, fortuna, com os punhos cerrados, pergunta, com os dentes apertados, o porquê dela mandar o esquentado abrir a fenda, sendo que ela foi escolhida para fazer isso dessa vez.

"Você sabe que eu tenho medo. " seu olhar desviado não demonstrava mentira, apenas nervosismo e vergonha sútis.

Entre suspiros, fortuna repousa a mão direita sobre o ombro de brilhinho, confortando-a. "Haa... Tá bom. Deixa que eu faço dessa vez..." fortuna diz, se aproximando de brilhinho. "Mas não pense que farei isso novamente. Se você tem que fazer algo, fique quieta e faça, não atrapalhe os outros." fortuna sussurrou na orelha de brilhinho. Os calafrios que rastejavam-se como vermes debaixo de sua pele, congelaram seu corpo.

Brilhinho acena com a cabeça e afasta-se alguns passos para o lado.

Sem mais incômodos, fortuna inicia o ritual.

Estendendo os braços a sua frente e recitando cânticos, fagulhas brilhantes desprendiam-se de suas mãos, seguindo os movimentos ondulares. As cintilantes faíscas espalhadas a sua frente, emergiram a um único ponto. Aglomerando-se, as fagulhas tomam a forma de uma esfera dourada, semelhante a um orbe de ouro líquido. Em poucos instantes, a esfera auricolor possuía o tamanho de uma bola de basquete.

"Primeira parte concluída."

"De forma resumida, o primeiro estágio de abertura consiste em uma sequência de encantamentos complexos, sustentados por uma quantidade absurdamente grande de mana. Essa etapa tem como propósito criar um núcleo especial de portal. Esse núcleo especial é, de longe, muito superior aos outros, já que ele não deixa um rastro de mana quando é usado, possui alta estabilidade, a quantidade de mana transportável através dele excede em muito qualquer outro portal e seu alcance é imensurável, podendo acessar outras dimensões com facilidade. Por isso é mais seguro usá-lo para interligar dimensões com segurança, isto é, sem correr o risco do portal colapsar ou ser rastreado pelo criador/administrador da área."

Após concluir o primeiro estágio de abertura da fenda, ela seca o suor no rosto.

"Agora vem a parte REALMENTE difícil."

Concentrando uma quantidade massiva de poder ao seu redor, a segunda fase é iniciada. De maneira refinada e graciosa, fortuna guia a energia translúcida de coloração azul clara até o núcleo do condensado flavescente. Reagindo a mana, o centro do núcleo de portal reluz ainda mais intensamente, antes de liberar uma rajada de vento áureo, acompanhada por um líquido espesso de mesma coloração. A partir do gotejado dourado, uma pequena cascata formava-se, fluindo em um fluxo laminar. Essa fenômeno é chamado de .

(...Huummm... Parece doce de leite ao ponto escorrendo direto da panela...)

No chão, o material liberado lentamente serpenteia, deixando para trás rastros; desenhos, formas e caracteres. Nada muito expressivo ou munido de sentido.

"Conseguiu!" esquentado diz, animado.

"Você ainda tava deitado aí?" brilhinho rebate.

Esquentado mostra o dedo do meio para ela.

"Soca esse dedo no SEU..." preste a reanimar os ânimos, a crescente discussão é interrompida por esquentado, indo em direção a fortuna. Ele desapareceu em um piscar de olhos. Virando-se para contemplar o portal, uma coisa atraiu sua atenção; fortuna deitada nos braços de esquentado, ou melhor, sendo segurada por ele.

O corpo dela fraquejava. Olhos fundos, olheiras, palidez, pele enrugada, corpo trêmulo e seu cabelo vermelho-vinho apresentava mechas grisalhas; sua 'essência' havia sido tragada de seu corpo. Em seus braços, esquentado podia sentia o estado precário em que ela se encontrava.

"Por que você fez isso? Não havia necessidade de abrir um portal tão grande." a seriedade em sua fala exalava preocupação para com sua companheira, fortuna da um sorriso tímido, se aconchegando. Ele tinha razão em se preocupar, abrir esse tipo de portal já é uma tarefa desgastante por si só. Agora, abrir um dessa escala é... praticamente suicídio.

"Deixe-me te ajudar." trazendo-a mais perto de seu corpo, esquentado compartilha parte da sua mana com fortuna, visando ajudá-la a se recuperar. Seu corpo foi revestido por um brilho vermelho alaranjado, cor característica da sua mana. O fluxo de mana adentrando-a era quente e reconfortante. Envolta pelo brilho vermelho alaranjado, sua condição demonstra uma melhora considerável; suas bochechas ficam rosadas, o brilho em seu olhar retorna e a tremulidade em seus membros cessa.

"Obrigada. Já me sinto muito melhor." envolve seu braço ao redor do pescoço dele, buscando apoio na tentativa de ficar em pé.

"Opa." impedida de ficar de pé sozinha pelo ato cavalheiresco, esquentado a carrega como uma princesa em seus braços. Ato que não combina com sua estatura (Ele-1,60m, ela-1,70m).

O silêncio embaraçoso que se encontrava entre eles dois, era, de fato, ensurdecedor.

"Urgh!" resistindo fortemente a vontade de vomitar devido aquela situação melosa e constrangedora, brilhinho os avisa que o portal estava finalmente completo.

Os rabiscos indecifráveis no chão haviam se transformado, agora possuíam forma concreta.

Um exagrama de pelo menos 2,5 metros de circunferência, dentro de uma moldura redonda (a moldura é formada por dois círculos de tamanhos diferentes um dentro do outro, a distância entre eles é de 20 cm), formava um círculo mágico dourado no chão. Deste momento em diante, era fácil entender o porquê esse tipo de portal é tão difícil de abrir.

Apenas olhando sem procurar nada específico, era possível ver os mais diferentes símbolos, caracteres, runas, sigilos e circuitos mágicos de todo tipo de lugar e religião. Runas gregas e nórdicas, símbolos e sigilos demoníacos, encantamentos e maldições voodoo, orações divinatórias, escrituras xintoístas, budistas e taoísta, hieróglifos egípcios e todo tipo de outras coisas vindas das mais diversas culturas.

Em todo seu encanto reluzente, algo se destacava entre todo o resto; escrito em um idioma desconhecido, refulgindo na moldura do círculo mágico, o destino do portal.

"Terra 1- Infinito"

A primeira dentre todas as realidades concebíveis, "Infinito", produzida pelo ser primordial, seu nome reconhecido em cada plano existente. Temido por todos os seres superiores intitulados de "deidades", graças ao seu poder ilimitado. O pavor que a simples menção de seu nome causa, lhe rendeu a alcunha de "D".

Agora vem a dúvida: por que, mesmo temendo D, fortuna, brilhinho, esquentado e seus semelhantes, invadem secretamente a terra 1?

...Ganância...

O simples impulso de ficar mais forte, com o intuito de expandir sua área de influência, os fizeram tomar uma decisão astronomicamente perigosa.

"Mas por que eles não se mantém em suas próprias regiões e se fortalecem lá mesmo?" Talvez essa pergunta tenha surgido em sua mente. Para responder isso é necessário entender como divindades podem aumentar sua força.

Existem diversas maneiras, as mais seguras são: aumentar seu número de fiéis e absorver a energia da natureza, mana/qi/chakra. O nome pode diferir de região em região, mas são essencialmente a mesma coisa. Além da nomenclatura, outros quesitos diferem essa energia. Pureza, quantidade e concentração. Enquanto melhores forem essas características, maior será o fortalecimento ao absorvê-la.

Dito isso, como aumentar sua pureza, quantidade e concentração?

Poder. Simples assim.

Enquanto maior o poder do criador de uma região, maior é a qualidade da energia em seu domínio. Então, a mana fornecida por D, um ser onipotente, onisciente e onipresente, obviamente, dispõe do ápice da qualidade. Por esses fatores, diversos seres divinos cruzam a fronteira e invadem à terra-1, buscando se fortalecer, mesmo essa prática sendo considerada tabu entre eles.

Portanto, se essa prática é um tabu, e a "terra-1" é lar da entidade mais poderosa e temida de todas, porque a invadem?

A resposta para isso pode ser mais desagradável do que parece, mas... D abandonou sua criação. Bem.. isso não aconteceu sem motivo.

Antes do começo, D criou a dimensão "infinito", que compreende a tudo que existe, seja isso outro planeta, galáxia ou universo, tudo existe dentro do infinito, e nela criou o planeta nomeado de "terra-1", o primeiro planeta habitável pela vida, em toda a criação. Fazendo tudo isso por causa do tédio.

No planeta recém-nascido, criou uma espécie a sua imagem e semelhança, buscando acabar com seu enfado. Deu-lhes a capacidade de evoluir, o dom de pensar e a dádiva da surpresa, também conhecida como livre-arbítrio; chamou-os de "Humanos". Os ínfimos milênios em que acompanhou a evolução de seus filhos, lhe trouxe satisfação, entretanto, assim como um boleto, seu tédio voltou para assombrá-lo.

Buscando novas maneiras de acabar com a monotonia incomensurável, pôs em prática uma idéia prévia; presentear os humanos com magia. Estava empolgado para saber o que eles fariam com ela. Para não pegá-los desprevenidos com essa notícia, criou a alma mais gentil e bondosa de todas e a enviou aos humanos, para que ele espalha-se a palavra do criador.

Tudo estava caminhando bem, a mana já havia sido implementada previamente, há 66 milhões de anos atrás e o enviado espalhava a palavra em seu nome.

Nada podia dar errado, pensou.

Tudo que podia dar errado, deu, e da pior forma possível. Seu enviado foi julgado e morto. Dada essa situação, ele trouxe-o de volta a vida e o concedeu um lugar ao seu lado.

Eles devem estar com medo da magia, irei esperar que eles cresçam e desenvolvam-se mais, pensou.

Abandonou o planeta por pouco tempo, por volta de 1600 anos. Sua falta mergulhou o mundo na "idade das trevas".

Decidido que os humanos haviam melhorado o suficiente, tentou novamente. Dessa vez enviou não apenas um mensageiro, mandou vários de uma única vez e espalhou-os pelo mundo. Em busca de melhorar a apresentação da magia, fez todos os seus mensageiros serem mulheres, dotadas de grande beleza, inteligência e carisma, apostando na futilidade humana.

Intitulou-as de "Bruxas", nome esse que significava, "Aquelas que detém a magia".

Tudo vai dar certo, tenho certeza disso. Pelo menos metade da população humana vai ouvi-las hehe, pensou mais uma vez, cego pela inocência e arrogância.

Mesmo concedendo as mais variadas habilidades mágicas a suas enviadas, desde conjurar fogo até curar feridas e doenças, os humanos, novamente, não aceitaram a magia, dizendo que a magia das bruxas era algo maligno, demoníaco.

Sem acreditar no que via, a ponto de escalar todos os humanos para o futuro Vasco, lembrou-se das palavras da alma gentil, poupando os humanos, visto que eles não entendiam o peso das próprias ações. Vendo que a humanidade não mudaria, abandonou por completo a terra-1, jurando nunca mais repetir o mesmo erro tolo.

A infindável palidez do espaço umbrático, treme e se retorce com a rachadura espaço-temporal.

"crack, craCK, CRACK!"

O espaço acima do círculo mágico estilhaça com a ligação forçada, criando uma fratura espacial inter-dimesional, interligando os dois mundos. Seguido pela abertura do portal, mana jorra incontrolovalmente pela fissura, adentrando o reino invasor.

"Aaaah! Essa sensação é incrível!" esquentado respira fundo, dando uma boa tragada na mana intoxicantemente pura, um largo sorriso mostra seus dentes pontudos.

"Huuum. Eu nunca me acostumo com o quão deliciosa essa mana é." brilhinho diz, sentindo arrepios percorrerem por todo o corpo.

Em perfeita forma, fortuna diz, "Todo esse poder é inacreditável, não importa quantas vezes eu sinta." sorri maliciosamente.

"Poderia me colocar no chão?" olhando para esquentado. "Ah, claro." pondo-a em pé.

Voltando as costas ao portal, "Vão chamar os outros." fortuna ordena, seus olhos lilás brilham em roxo.

"Sim." suas respostas ressoam em uníssono. Brilhinho some em um lampejo branco amarelado, esquentado desaparece dentro de um pequeno redemoinho flamejante. Aproveitando a solitude, a gananciosa fortuna começa a absorver mana primeiro, antes que os outros chegassem.

Absorvendo mana como se não houvesse amanhã, a ponto de ter uma overdose mágica, deixa passar um pequeno detalhe; uma alma da terra-1 adentrou sem querer o portal.

Vejam bem, essa não é uma ocorrência tão impressionante quanto parece. Almas de outras regiões constantemente transmigram à terra-1, mas é sempre nesse sentido do fluxo (outro lugar → terra-1), isso nunca havia acontecido no sentido inverso (terra-1 → outro lugar), visto que há um motivo das almas irem até lá. Reencontrar D.

Mesmo não estando mais lá, sua marca, os resquícios de sua presença, é tão poderosa que atrai as almas para lá. Semelhante ao brilho das estrelas, seu brilho pode ser visto, mas a estrela pode nem estar mais lá naquele momento e tudo que resta é a lembrança momentânea da vida de uma estrela morta.

Entre tantos outros, o jovem espirito, vagando entre consciência e inocência, perdido, incapaz de encontrar o caminho ao pós vida. Lançado à obscuridade da inexistência; atravessando sem rumo os vastos campos do desconhecido.

Tragado pela oportunidade repentina de uma segunda chance ao passar pelo portal, a translúcidez espectral do espírito errante é, mais uma vez, iluminada pelo fulgor viridescente da vivacidade pulsante, tem seu ego reavivado, dispara em direção ao mundo, iluminando o horizonte em uma explosão verde espectral, rasgando a noite estrelada com seu brilho verde.

Cruzando o céu noturno como uma estrela cadente, repentinamente é atraído ao chão, fazendo um desvio violento em sua trajetória.

¶ Entretanto...Qual motivo levou esse pequenino até uma terra tão longínqua? Sorte? Azar? Destino? Coincidência?

Ninguém sabe, nem mesmo eu. ¶