Desde que vim a este mundo, senti constantemente uma sensação esquisita por todo meu corpo, semelhante a um formigamento, começando no centro peito e se espalhando por todo meu corpo.
Agora, no meu berço de madeira, feito pelos poderes de Lili, acredito estar entendendo a causa por trás desse fenômeno. Enquanto olhava em volta, buscando ocupar a mente com a imagem da sala de estar, inspirei e expirei profundamente, chateado por não conseguir fazer nada, foi quando o incômodo em meu peito diminuiu um pouco, não fez grande diferença, mas foi melhor que antes.
Atualmente, estou tentando replicar o efeito, ainda não obtive sucesso. Tentei respirar de todo jeito diferente em minhas tentativas passadas, o mais próximo que consegui, foi quase hiperventilar. Nem cheguei perto da sensação anterior.
Visto que nada de ruim me aconteceu até hoje, acredito que esse incômodo não seja prejudicial.
Talvez seja algo inerente a todos os bebês? Isso explicaria o porquê, em certos momentos, eles choram por nada.
E se não for algo puramente físico? E se eu estou sentindo isso por não poder me mover livremente? No que eu estava pensando quando experienciei aquele alívio?
Huum... Na mobília do quarto? Não.
Já sei, eu estava lembrando o que aconteceu ontem.
Deixe me ver... Liliana estava me segurando quando todos aqueles animais apareceram lá fora... Daí eu abracei o corvo enquanto ela me segurava...
Qual a causa comum?
Seriam os abraços?
É possível que esse corpo esteja carente por atenção ou algo desse tipo? É uma teoria plausível, tendo em vista, a necessidade afetiva presente em crianças dessa idade, e, também, nessas duas situações, meu corpo estava mais leve, com pouco ou nenhum incômodo.
Dentro desse berço não tem nada para eu abraçar, então, como posso comprovar minha teoria? Aquela mulher inconsequente me deixou aqui sozinho, pra fazer sabe se lá Deus o quê, então não posso chamar ela aqui.
(Análise...) Esfregando o queixo.
Não dá pra abraçar as barras do berço, olhando ao redor, também não dá pra abraçar o cobertor.
(Análise 2...) Tocando a ponta do nariz com o lábio superior.
Já sei! Eu posso me abraçar. Não sei se vai ter o mesmo efeito que abraçar outra pessoa, mas já é alguma coisa.
Para começar o teste, cruzei os braços por cima do peito, fechei os olhos e me concentrei no formigamento, partindo da fonte, atrás do externo, próxima ao coração. Seguir o ritmo cardíaco, ajudou a me concentrar no "formigamento."
A naturalidade com a qual o movimento segue e se propaga por cada centímetro do meu corpo, dos fios de cabelo, até a ponta dos pés, tive quase certeza que "isso" não era maligno, apenas uma função natural do meu corpo atual.
Mantendo concentração constante no "fluxo" através do meu corpo, notei a repetição de um mesmo ciclo; iniciando da traseira do externo, indo as extremidade do corpo e contornando de volta ao início, próximo ao coração, similar à circulação do sangue. Certas regiões tem a passagem do fluxo dificultada, são nesses lugares onde o formigamento se torna mais acentuado. Lugares como as articulações são mais afetados.
Como não sei o que compõe esse fluxo, vou chamá-lo apenas de "energia", para me guiar melhor.
Continuei focado no fluxo de energia por alguns minutos, que, por algum motivo, mostra-se uma atividade muito relaxante, além de mudar minha atenção do desconforto.
Irônico, preciso focar no desconforto, para não sentir o incômodo causado por ele.
Concentração vai, concentração vêm, baseando-me no tic tac do relógio na parede, imagino que se passaram pouco mais de 1 hora desde o começo da minha "sessão de meditação", se é que posso chamá-la assim.
Hum... Me pergunto aonde Lili e o corvo foram, ela não costuma demorar quando sai. Ou talvez, eu não percebesse por causa da sonolência constante.
Enfim...
Nesse tempo percebi três coisas, uma delas é, não preciso abraçar, nem a mim, nem a ninguém para sentir o fluxo de energia, basta me concentrar firmemente nele, entretanto, colocar as mãos próximas ao coração, me permite sentir com mais facilidade. A outra coisa é, os lugares por onde a energia possui dificuldade em passar livremente, estão sendo bloqueados por um tipo de "sujeira acumulada." Se for comparar, é parecido com o acúmulo de gordura nos vasos sanguíneos. O que me leva ao terceiro ponto, é possível influenciar diretamente no fluxo de energia, não consigo dizer até que ponto isso é possível, mas imagino que seja possível forçar a "sujeira" a seguir a mesma direção que o fluxo.
Me atrevo a fazer isso? Não.
Se o fluxo de energia seguir um padrão similar a circulação do sangue, e a sujeira ser equivalente a gordura acumulada, é presumível que, o lugar de onde a energia vem, corresponda ao coração, e convenhamos, ninguém quer gordura chegando ao coração.
Então, por enquanto, vou apenas observar e buscar entender melhor essa "energia" e se é possível remover a tal "sujeira."
"Swish."
Uma refrescante brisa de ar adentra a sala, passando livremente pela porta aberta, quase que, se estendendo ao chão, anunciando o retorno da dona dessa residência.
Olha, ela chegou, pensei, me perguntando o porquê de tudo que ela faz, acaba tendo esse ar gracioso.
O cabelo esvoassante, os movimentos sutís com as mãos, a poeira brilhando, refletindo os raios de sol, ao seu redor.
Se isso aqui fosse uma animação, ela com certeza gastaria uma quantidade incrível de quadros só pra fazer essa entrada.
Vocês deveriam ver quando ela toma chá, o sol brilha mais claro, as folhas ficam mais verdes, os pássaros até cantam mais bonito vendo ela pela janela, verdadeiramente, uma cena digna de novela.
"Thump!"
O que é isso? Uma grande onda de cansaço me atingiu repentinamente, mesmo que eu não tenha feito nada além de "meditar" um pouco, parece que tem um cavalo sentado em mim.
Quanta estamina isso gasta?
Não que um recém nascido tenha muita estamina, mas ainda sim.
Não, consigo, ficar, acordaa...
O peso do sono e do cansaço repentino, forçaram minhas pálpebras a se fecharem, levando-me, forçadamente, ao cochilo da tarde.
Sono maldito, você me paga.
"Zzzzz."
(A mimir...)
Prota-0 x Sono-1.
————————————————————
Ponto de vista da Liliana:
"...Essa foi a primeira coisa que imaginei que ele pudesse comer, e até agora, ele não apresentou nenhum efeito colateral. Além disso, é uma boa fonte de nutrientes, e não se preocupe com a toxicidade ou com a mana acumulada, eu faço questão de retirar essas coisas para ficar adequado para o consumo humano." disse, abrindo a porta de casa.
"Por que a primeira coisa que você imaginou que serviria de alimento para uma criança humana, fosse a cera produzida pelas abelhas imperiais? O que te levou a pensar nisso?" Yata rebateu, voando até o lustre.
"O que você queria que eu fizesse? Ordenhasse uma tigresa áugure? Qual desculpa eu daria nessa situação? 'Presada tigresa, poderia me ceder um pouco do seu leite, para que possa alimentar um filhote humano, que por ventura, eu adotei?'"
"Claro que não. Mas haviam escolhas melhores que cera de abelha!"
"E você está enganado. O que pedi a abelha imperatriz não foi cera, mas sim, a pasta base usada na produção da geleia imperial."
"A cera é usada para construir a colmeia e os favos de mel, nesse processo, as abelhas operárias consomem o açúcar sob forma de mel, na proporção de 8 pra 1 (exemplificando, 8 kg de mel viram 1 kg de cera, por isso 8:1), diferente da geleia imperial, que é produzida a partir da tóxica digestiva de uma planta carnívora, chamada orquídea escorpião, uma espécie de planta predatória. Ela é usada, exclusivamente, para alimentar e proteger a larva candidata a imperatriz. Essa larva é colocada em uma cápsula cheia desse material, lá, ela cresce se alimentando da geleia e da mana acumulada, até o dia de eclodir e tomar o posto de sucessora da colmeia. Esse é um dos motivos dessas abelhas serem venenosas."
Pela sua reação, bico aberto e olhos arregalados, imagino que ele tenha entendido minha situação. Por isso, peço apenas um pouco, o suficiente para alimentar o bebê por pouco mais de uma semana. Como essa base é densa, se assemelhando a creme ou gel, 80 ou 100 gramas são suficientes, basta dissolver em água, na medida de, 8 partes de água para 1 de base.
Visto que ele é muito jovem, divido em 10:1, então fica líquido.
"Espere um momento... Deixe me confirmar se ouvi direito..." falou, não parecendo acreditar no que acabara de ouvir.
"Você disse que está alimentando um humano - recém nascido - com uma geleia de abelha venenosa, extraída de uma planta carnívora venenosa?" perguntou, aparentemente incrédulo com a própria pergunta.
Concordei, acenando com a cabeça, enquanto ia ao outro cômodo pegar o bule de chá.
Murmurou alguma coisa, não entendi o que dizia.
Quando voltei a sala de estar com o bule e o pequeno braseiro de pedra de fogo em mãos, ele perguntou, "A orquídea escorpião é aquela com formato de uma mandíbula, que derrete ossos facilmente?" esfregando o inferior do bico com a asa.
"Essa mesmo." respondi, posicionando o bule sobre o braseiro circular em cima da mesa.
"Tá bom, tá bom."
Voltei a cozinha, indo buscar a erva para fazer o chá.
"E as abelhas imperiais tem um veneno que derrete e necrosa matéria orgânica só com o arranhar do ferrão?"
Muito compreensível da parte dele ser tão calmo, pensei que ele fosse ficar bravo, sorte a minha.
Coloquei água no bule, condensando-a do ambiente, "Isso mesmo." disse, me aproximando da mesa. "O veneno dessas abelhas também causa alucinações e impede a coagulação do sangue por alguns minutos." abri a janela, criando da madeira.
"Aah, que legal." pulou do candelabro até a mesa.
Puxei a cadeira para me sentar, feliz por aproveitar a vista da floresta e ter uma conversa legal como essa, enquanto a água do meu chá esquenta.
"Sabe, Lili, eu tenho outra pergunta pra você." andando pela mesa, vindo em minha direção.
"Claro, o que seria?" perguntei, sossegadamente.
Respirou fundo, "QUE DROGA VOCÊ TÁ USANDO?" gritou como um louco, pulando em direção a mim.
"Calma, por que isso?" confusa sobre o porquê de tanta agressividade repentinamente.
"POR QUE ISSO? VOCÊ AINDA TEM A CORAGEM DE FAZER PERGUNTAS IDIOTAS? SERÁ QUE É PELO VENENO MORTAL QUE VOCÊ ESTÁ DANDO DE COMIDA PRA UM RECÉM NASCIDO? TÁ QUERENDO MATAR ELE? TEM JEITO MAIS RÁPIDO DE FAZER ISSO." berrou, bicando violentamente minha cabeça.
"Calma, eu já disse que tiro todo o veneno antes de dar de comer para ele, e também, é muito nutritivo." expliquei, protegendo meu rosto das bicadas furiosas.
"Nutritivo? Eu vou te mostrar o que é nutritivo quando eu encher sua boca de terra. Eu vou jogar essa bomba tóxica fora." disse, enfurecido.
"Jogar fora, como assim? E eu vou alimentar ele com o quê?"
"Que tal.. comida, de, verdade?"
"Comida de verdade? Como eu vou dar comida pra um recém nascido? E, como eu já disse antes, essa pasta base é o suficiente para alimentá-lo. Além do mais, ele apresentou algum problema até agora?"
"Uwaaaah!"
"Viu? Por causa dos seus gritos, o bebê acordou. A essa hora, ele já deve estar com fome, então, observe e tire suas próprias conclusões sobre isso."
Peguei o bule e enchi 3/4 da xícara de chá com água morna, me certificando de que a água não está muito quente. Usando magia de vento, trouxe o pequeno frasco de vidro, onde guardo a pasta, da escrivaninha até mim, erguendo-o no ar com as correntes de ar.
O frasco de metal polido, semelhante aos usados para guardar pomada, não me lembro exatamente quando consegui.
Com o frasco em mãos, misturei duas colheres de chá da pasta base na água morna, dissolvendo-a. A solução líquida, recebe a cor branca devido a dissolução da base na água, lembrando a cor do leite. A mistura é bem simples, não tem gosto de nada, mas reforça o estômago e ajuda na circulação de mana.
Fui até o berço, no canto da sala, ao lado da estante de livros, segurei-o em meus braços, "Tá na hora do neném comer." o acalentando.
Sentada a mesa, posicionei sentado em meu colo, apoiado em meu braço esquerdo.
"Como você vai dar de comer a ele? Sendo que aqui não tem mamadeira." impaciente.
"Com a colher, obviamente." repliquei, trazendo a xícara para perto.
Enchendo a colher com o 'chá de geleia imperial(?)', "Olha o planador chegando." levei a colher até sua boca, que, quase imediatamente, parou de chorar.
"Ele não pode se engasgar desse jeito?" Yata disse, observando de perto.
"Não. E, mesmo que ele se engasgasse, eu poderia facilmente remover o líquido de suas vias aéreas. Ainda sim, mantenho controle sobre o chá, até ele engolir tudo." dando-o outra colherada.
A maior parte do tempo que estamos juntos, eu e o bebê, converso verbalmente com ele o máximo que possível, buscando estimular suas habilidades de comunicação, só que, dessa vez, me senti estranhamente desconfortável, talvez, por causa do olhar sanguinário do vigia, nos encarando vigorosamente, sem pestanejar nem mesmo uma vez.
Desconfortável pelo clima estranho, tentei iniciar uma conversa com Yata, pensei que, talvez, ele pudesse relaxar um pouco, "Sabe... No começo, eu tentei amamentá-lo, mas por algum motivo, ele sempre recusou, me empurrando para longe. Achei que pudesse funcionar, então absorvi a mistura com meu corpo e a levei até meus seios, funcionou na prática, mas foi tudo em vão, uma vez que, ele não quis experimentar."
"Era pedir muito que ele desse uma provadinha que fosse?" murmúrio.
(Silêncio esquisito...)
Será que eu falei besteira?
(Silêncio esquisito 2...)
De canto de olho, notei uma mistura de espanto, dúvida e nojo na cara dele, e, vendo como ele deu um passo para trás, aceitarei como um sim.
De pouco em pouco, a xícara gradativamente esvaziou, encerrando os infindáveis minutos onde me vi presa, frente a frente com Yata.
Olhando pelo lado bom, sua desconfiança quanto a maneira que alimento o bebê, parece tem se dissipado, mas, o lado ruim é, de fato, pior, já que agora, ele me vê diferente de antes, como se eu fosse uma pervertida.
Ele acha que eu faria algo desse tipo com duplas intenções?
Até mesmo eu sei quando é hora de fazer esse tipo de coisa, por isso, vou esperar até ele alcançar a maioridade antes de fazer qualquer movimento.
Mal por esperar por isso...
Huhuhu...
"Uhum" limpou a garganta, "Lili, é melhor você limpar a saliva escorrendo da sua boca, antes que ela respingue na criança. E também... Imagino não ser educado olhar para ele como se ele fosse um pedaço de bife..."
"Tá bom... Haha."
Yata: ela acredita esconder-se com uma risada? Inocência. Eu consigo enxergar através de quaisquer farsas, literal e figurativamente. Pobre garoto, chamar atenção, mesmo sem intenção, de alguém tão... peculiar, quanto Lili, é o mesmo que aceitar se tornar cobaia de laboratório. Pobrezinho.
"Pois bem, agora que ele está alimentado, seguro de algum modo, e voltou a dormir tranquilamente no berço, há mais trabalho a ser feito hoje?"
"Já são 5 da tarde, ele deve dormir até amanhã, e não sei se vai ser preciso trocar as fraldas dele hoje, além disso, a floresta está tranquila, o basilisco parece cansado e não causou problemas essa semana, então não, acho que por hoje é isso."
"Entendo, portanto, que tal voltarmos a escolha do nome do garoto? Esse tópico não progrediu nem um pouco desde ontem."
"Óbvio que não progrediu, você nunca aceita minhas opções."
"Sabe, Lili, se suas opções não fossem tão ruins, eu não as rejeitaria imediatamente."
"Ruins? Prove, diga um."
"Zartaniel, Thristopher, Lloyd... Que tipo de gente da o nome Lloyd, ao próprio filho? Só se quiser que o filho sofra bullying."
"Aé? E seus nomes são melhores que os meus?"
"Claro que são, além de não serem inventados na hora. Hakuya, Tomura, Hiroto, todos são nomes da minha terra natal."
"Mesmo assim, mesmo assim... Não combina, tem que ser um nome único, memorável e impactante, ele vai ser muito poderoso no futuro, com certeza vai deixar sua marca no mundo, então ele precisa de um nome incrível, e eu vou nomeá-lo."
"Se é assim, chama ele de Zaraki Kenpachi, todos vão reconhecer esse nome aonde ele for."
"Calma lá, também não é pra isso, você pegou pesado."
"Verdade, verdade. Erro meu."
"O tempo não vai passar mais devagar se discutirmos, então, vamos nos acalmar e conversar sobre isso enquanto aproveitamos uma boa xícara de chá."
Posicionei o bule sobre o braseiro e o enchi, condensando água do ambiente, antes de pôr as folhas secas de orquídea escorpião e deixá-las ferver.