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Chapter 9 - Descobridor

"AAAAAAAH! ALGUÉM ME TIRA DAQUI PELO AMOR DE DEUS!" ← grito interno.

Mal fazem duas semanas desde que reencarnei nesse corpo e já estou perdendo os miolos.

Meu corpo não se move do jeito que quero e minha fala é subdesenvolvida, o máximo que consigo produzir são sons infantis sem sentido ou conexão, totalmente avulsos aos meus pensamentos.

Passar o dia todo preso em uma prisão de carne minúscula vai me enlouquecer mais cedo ou mais tarde. Particularmente, eu aposto no mais cedo.

O único refúgio que minha mente possui é a meditação.

Se não houvesse descoberto sobre a "energia interna" e gastasse a maior parte do meu tempo acordado focado estudando-a, já teria ficado completamente biruta dias atrás.

Por isso, sair dessa casa é mais um sonho distante para mim, em muitos sentidos na verdade.

Eu quero explorar a floresta, ver a fauna e a flora desse lugar, estudar cada uma delas e compará-las ao meu mundo. Desejo sentir verdadeiramente a realidade em que estou.

Nem posso imaginar todas as criaturas que vivem nesse lugar. Entre as que vi alguns dias atrás, grande parte delas eram familiares como cobras, lobos, ursos, macacos, aves, ainda sim, apresentando sutís diferenças. E eu posso apostar que vi um palmon passando entre os animais, eu tenho certeza, não estou ficando maluco.

Digo... Talvez só um pouco.

Contudo, ouça bem, é tudo culpa daquela... daquela cabeça de folha viciada em chá. Ela não liga de me tirar dessa casa. Não importa o quanto eu aponte pela janela ou faça mímicas em direção ao lado de fora, ela só acha fofo um bebê brincando e enterra minha cabeça em seu decote protuberante, sem se preocupar se posso respirar ou não.

Dessa maneira, o que me resta fazer? olhar a sala, encarar a estante repleta de livros a minha frente e imaginar o conteúdo de suas páginas, contemplar as luzes do candelabro no teto que acendem automaticamente ou meditar.

Valendo 1 milhão de reais em barras de ouro que valem mais do que dinheiro. Qual a alternativa correta?

A) Olhar a sala

B) Encarar a estante repleta de livros a minha frente e imaginar o conteúdo de suas páginas

C) Contemplar as luzes do candelabro no teto que acendem automaticamente

D) Meditar

Rufem os tambores...

Turururururururururururururururururururururururururururururururururururururururururururu!

Tá bom, chega de tambor!

E a resposta correta é:

Letra D) Meditar.

Com certeza, dentre as opções, a melhor.

Pra aqueles que acertaram... Me cobrem quando eu ficar milionário.

Enfim...

Para todos que querem saber, ou não, as novidades são boas. Fiz novas descobertas e, no pouco tempo que tive desde que a descobri, melhorei substancialmente minha meditação.

Graças à repetição e treino constante, agora consigo manter o estado de concentração por 1 hora direto sem vacilar e ter que recomeçar ou ficar esgotado no final. Minha visão - essa um tanto quanto literalmente - e entendimento em relação a energia e seu funcionamento deram um grande salto em comparação a uma semana atrás.

5 dias atrás quando meditei pela primeira vez, não conseguia ver a energia percorrendo meu interior, apenas senti-la transcorrendo pelo meu corpo, ao contrário de hoje, onde, além de sentir, posso vê-la dentro de mim.

Para exemplificar o que venho sentindo, o "formigamento" que senti anteriormente, assemelha-se a sensação do sangue voltando ao braço depois de dormir por cima dele. Já seu causador e agravante, a "sujeira", obstrui parcialmente as veias de energia, forçando-a por passagens estreitas, criando uma sensação similar ao formigamento.

Ao confirmar as suspeitas que tinha, minha idéia anterior mostrou-se correta, a energia interna flui por pequenos caminhos, muito semelhantes aos vasos sanguíneos - em função e estrutura - atravessando todo o corpo, transportando a energia gerada pelo 'núcleo'.

O "núcleo de energia" como chamei, é particularmente interessante. Sendo o "órgão" responsável pela produção e armazenamento da energia, além de distribuí-la pelo corpo através das veias de energia, é responsável por funções comparáveis a da medula óssea, criar sangue, e do coração, bombear o sangue.

(Pra quem não sabia, o sangue é produzido na medula óssea dos ossos chatos, vértebras, costelas, quadril, crânio e esterno.)

Quando descobri o método de meditação e passei a trabalhar pouco a pouco com a energia, o estudo dessa substância estranha apresentou complicações, tendo em vista não apenas o desconhecimento por minha parte, mas também a dificuldade de trabalhar com algo que não podia ver nem tocar, apenas sentir.

Estudar com base unicamente em uma sensação desconfortável como um formigamento não foi nem um pouco fácil, pelo contrário, os inúmeros impasses apresentados nessa última foram mais problemáticos do que poderia imaginar. Então sempre que encontrava-me frente a um novo obstáculo, minha mente nublava, estacionada perante ao desconhecido.

Claro, é a única coisa divertida a ser feita atualmente e, por ser novidade, mal posso conter a empolgação que sinto ao descobrir coisas novas sobre isso e seus fenômenos.

Sempre que penso nisso meu sangue ferve e minha curiosidade dispara. É incrível.

De volta aos estudos.

Minha preocupação anterior sobre a sujeira bloqueando o fluxo de energia mostrou-se infundada.

Após 3 dias de meditação diária, consegui enxergar o fluxo pela primeira vez, a imagem surgiu como um raio-x turvo e pouco detalhado na minha cabeça. Foi como olhar para dentro de mim, mais literal do que gostaria de admitir. Foram apenas por uma dúzia de segundos, contudo, consegui ver tudo ao vivo e em movimento.

Nesse dia exato ao repetir essa mesma ação incontáveis vezes, presenciei algo que me deixou com o coração na garganta.

Um fragmento de sujeira, pouco menor que 1 centímetro, se desgrudou de um dos canais de energia próximo ao joelho esquerdo.

Quando vi aquilo pela primeira vez, não imaginei que isso pudesse acontecer - talvez por não ter organizado todas as novas informações.

Mas a imagem da diminuta formação negra percorrendo desenpedida pelo meu corpo - todo o caminho da perna até o pé, onde parte do fluxo se divide, convergindo entre diversas outras veias de energia - para ser mais específico.

Não foi uma visão particularmente prazerosa.

Como um coágulo sanguíneo flutuando pelas veias, o "grão" de sujeira percorreu todo o caminho até o núcleo de energia, desprendendo fragmentos por onde passava, articulação do tornozelo, joelho e articulação do quadril foram mais afetados, nada significativo.

A surpresa gerada em mim foi... surpreendente, uma vez que não tinha cogitado o ocasionamento de um possível efeito bola de neve.

Os vários pequenos fragmentos de sujeira flutuando em meio ao fluxo se uniram antes de alcançarem o núcleo, formando um pequeno amontoado negro, pouco maior que 1 centímetro.

Não vou mentir, naquele momento eu estava com o c# na mão pensando o que poderia acontecer comigo quando aquilo atingisse o núcleo de energia, tipo ter um AVC(acidente vascular cerebral), uma embolia arterial ou coisa parecida.

Felizmente, tudo deu certo e para minha alívio, a sujeira que adentrou ali foi pulverizada, "Puff", sumiu sem deixar vestígios.

Me preocupei em atoa.

Com essa informação, limpo o máximo de sujeira que posso todos os dias. Sim que esse "máximo" ainda é pouco substancial quando comparado a totalidade da sujeira no meu corpo.

O processo de limpeza é lento e demorado e mais cansativo que a meditação normal, mas vale a pena, porque sempre que o acúmulo de sujeira diminui um pouco a circulação de energia interna melhora, fluindo mais suavemente, tornando mais leve e aerando o interior do meu corpo.

Por ser um processo progressivo, não posso empurrar grandes amontoados de sujeira de uma única vez, aprendi isso do pior jeito; dor, muita, muita dor.

Da vez que tentei isso, forcei o acúmulo no meu ombro esquerdo a seguir passagem pelo braço, erro crasso da minha parte.

A dor aguda que senti quando a massa escura travou no meio do caminho, empurrando e acumulando-se em cada junta do meu braço, me fizeram repensar cada segundo da minha curta vida nesse mundo.

Nunca Imaginei sentir tanta dor quanto a que senti naquela hora. Experimente tomar 20 doses de bezentacil no braço de uma única vez.

Minha salvação foi a massagem que Lili fez no local e, como em um passe de mágica, a dor aguda diminuiu rapidamente, coisa de poucos segundos até a dor desaparecer completamente.

Foi excruciante. Quase senti meus ossos explodirem de dentro pra fora com toda a pressão gerada.

• • •

Agora mesmo estou fazendo um pouco de "limpeza interna", enquanto repenso isso.

Só de lembrar a espinha gela.

Acordei faz pouco tempo, devem ser por volta das 6 ou 7 da manhã.

Lili está lendo um dos livros da estante enquanto toma sua primeira de muitas xícaras de chá do dia.

O grande livro de capa azul profundo com adornos prateados em volta da lombada e grandes letras amarelas na capa. Imagino ser um livro relacionado a botânica ou coisa parecida, dada a flor no centro da capa. Pude ver bem os detalhes enquanto o livro flutuava da estante até ela.

Foi chocante para mim primeira vez que vi algo subitamente flutuar em um sua direção, foi como olhar para as aulas de física e cuspir na cara de Newton.

O corvo, que aprendi recentemente ter nome, chamado Yata, baita nome criativo por sinal, está sentado na cabeça de Lili, descansando, não demonstra interesse no livro.

Ele é um corvo muito esperto e comportado. Por diversas vezes eles dois aparentam conversar. A maneira como gesticula, como se argumentasse defendendo uma idéia, parece tão real e humano. Claro, nunca ouvi ele falar nada, mas é intrigante como ele se comporta.

Será que ela realmente consegue falar com os animais e eles estão realmente conversando?

Talvez eu esteja me repetindo aqui mas, algum dia, eu desejo poder perguntar diretamente a ela e pedir pra ela me ensinar esse truque.

Voltando minha atenção de volta ao interior do berço, reinicio minha meditação matinal.

Fecho os olhos, pondo a mão no peito, focando somente no fluxo de energia.

Ao mergulhar profundamente em um estado de concentração total, uma imagem surge em minha mente, uma esfera de cristal translúcida do tamanho de uma bola de baseball, fixa no centro do peito ao lado do coração, repleta de uma substância azul claro e interligada a diversos tubos estreitos.

[núcleo de energia]

A pequena esfera emite uma sensação quente, tal qual uma chama acesa em meu peito, queimando calma e vigorosamente.

Independendo de qualquer interferência externa, a pequena jóia esférica reluzente, aparentemente oca, se mantém gerando energia e emanando-a constantemente por todo o corpo, provendo, essencialmente, uma segunda fonte de energia ao corpo.

Para nada além de incrível, o núcleo de energia armazena a maior parte da energia interna, e ainda contribui com a limpeza das veias de mana, destruindo resquícios de sujeira, material negro presente nas paredes dos canais de energia, responsáveis pela obstrução das veias de energia.

[Veias de energia/Canais de energia]

As veias de energia, ou canais de energia, são tubos ocos, como canos, que transportam energia pelo corpo.

As semelhanças entre as veias de energia e os vasos sanguíneos se mostraram ainda mais expressivas do que previ anteriormente.

Esses canais espalhados pelo corpo, possuem como fonte o núcleo de energia, lugar de onde a energia parte. Dezenas desses vasos anexados ao núcleo carregam a energia interna, dividindo-se entre centenas de outros canais e suas interseções.

[Energia]

Pode ser tida como a protagonista de toda essa construção, a peça chave que unifica e move a estrutura complexa que é o circuito de energia interna.

O que ela é, você pergunta.

Hahaha, a resposta para isso é muito simples jovem mancebo...

Eu, não, sei. É isso. Eu só não sei.

Função? Incerta. Provavelmente associada aos poderes que Lili demonstrou até o momento.

Composição? Desconhecida. Com certeza algum material presente unicamente nesse mundo.

Forma? Não tem. Digo, ela é semelhante a gás ou vapor, mas não necessariamente isso. É estranho, confie em mim.

Cor? Azul claro transparente. Bonito de ver. Um tanto hipnotizante.

Me faltam palavras para descrever a energia interna, e digo isso no sentido literal da frase, desconheço um equivalente Terrestre que possa se equiparar a ela e suas características únicas.

Isso é tudo que descobri até o momento usando a quantidade mínima de informação disponível. Quer queira quer não, acredito ser um fato impressionante aprender tanta coisa sozinho, sem nenhuma ajuda externa.

Claro, eu tenho comigo toda uma carreira de nerd inveterado para me ajudar a compreender as coisas que não entendo em relação a este mundo. Não é como se eu fosse um rei que passou a vida toda lutando e reencarnou em um mundo de magia.

Eu tenho informação e vou usá-la a meu favor. Não que isso vá ser de grande ajuda na prática, mas toda a teoria apreendida em uma vida deve vir a calhar uma hora ou outra.

Devido a amplitude e abrangência do conceito de energia, que, de acordo com a física, energia é a capacidade de gerar trabalho, a força motriz que gera movimento, e a energia interna continua a se movimentar dentro de mim incessantemente, repetindo ciclos de novo e de novo. O conceito de energia cabe bem para explicá-la. Por isso, atribui-a o nome de energia.

E "Interna" porque ela está localizada no interior das veias de energia dentro do corpo.

Trazendo como exemplo elementos de fantasia famosos: mana, ki, chakra, nen, reiryoku, são todos tipos de energia interna usados em diferentes sistemas nas mais diversas aplicações. Cada um possui sua própria maneira de utilização e função específica, então não quis assumir nada precocemente.

Sem mais delongas, essas são todas as informações que tenho até agora, espero, o mais previamente possível, descobrir coisas novas sobre a energia e o que ela pode fazer.

Ehem...

Deixando os termos técnicos de lado por enquanto e voltando a realidade por um momento, uma coisa tem me incomodando. Por que Yata está me encarando tanto?

Me mantive tão imerso em meus pensamentos que não pude perceber quando ele chegou ali. Nem sequer ouvi o som do bater de suas asas.

Yata, parado de pé nas grades do berço, inclinado para frente, parecia descrente da visão a sua frente. Suas íris vermelho-sangue totalmente expostas brilham como rubis dispostos na tela branca dos seus olhos.

Manteu-se encarando-me profundamente por mais alguns segundos; bico aberto, escancarado.

Encarei de volta. Sem saber a decisão a se tomar nessa situação desconfortável.

Mesmo que eu pareça com um fantasma, dada a ausência extrema de melanina na minha pele e cabelos, reagir dessa maneira é desnecessário e rude. Além de ser muita falta de educação por parte dele.

O que será que ele quer aqui? Ele me vê todos os dias e nunca aparentou desgostar de mim.

Não tenho nada comigo que possa tê-lo chamado a atenção... Ou talvez, ele tenha notado meu incrível charme natural e ficou encantado por mim.

Não tem o que fazer, esse é um dos grandes dilemas de ser um bebê tão fofo quanto eu. Até mesmo os animais se encaixam pela minha beleza. Sou a própria branca de neve.

Qualquer dia eu dou um autógrafo pra ele. Quer dizer... Quando eu conseguir segurar uma caneta e aprender o idioma desse lugar, talvez isto aconteça.

Mas até a chegada desse dia futuro, a estrada que precisarei percorrer não parece ser a mais curta de todas. Na verdade, acredito que, não, eu tenho certeza do quão tortuoso será esse novo caminho... Calafrios rastejam pela minha espinha pelo simples pensamento dos futuros infernos esperando pacientemente por mim...

Infância, puberdade, adolescência...

Meu deus do céu.