Hoje fazem exatos 7 dias desde que vim parar nesse mundo estranho, consegui aprender diversas coisas nessa curta semana, a maioria delas em relação a mulher misteriosa da floresta. Uma delas foi o nome da tal mulher que, aparentemente, decidiu me acolher, Liliana. Um nome bonito, combina com ela.
Não consigo entender o idioma que ela fala, mas posso dizer que é uma linguagem muito bonita e satisfatória de se ouvir. Algumas vezes, esse idioma se parece um pouco com japonês, outras com latim, não consegui decifrar.
Mesmo não entendo as palavras que Liliana dizia, a maneira como ela apontava para o próprio rosto, repetindo várias e várias e várias vezes a mesma palavra, assumi que esse fosse seu nome. Não entendo a língua falada, mas aprendi o significado da palavra, apenas por ouvi-la repetidas vezes. Isso me deixou com uma sensação estranha. Mesmo assim, dentre todos os males, esse é o pior.
Por ser um recém nascido, possuo pouco, ou quase nenhum, controle sobre meus membros, e isso tem me gerado uma grande quantidade de situações constrangedoras. "Que tipos de situações?" Meu caro, eu, um homem adulto de 24 anos, estou tendo minhas fraldas trocadas (o motivo do meu trauma cinematográfico), essa é a situação que não desejo nem para meu pior inimigo.
Passo a maior parte do dia dormindo, o cansaço que sinto parece infinito, o resto do dia que sobra, escuto Liliana falar, então vi diversas mudanças em Liliana, a maior delas, física.
Antes de reencarnar, essa região estava passando pelos dias finais do inverno, então, agora é primavera. Junto das folhas voltando, flores desabrochando e animais saindo de suas tocas, a aparência dela mudou drasticamente, todo o branco em seu visual se foi, dando espaço para os diversos tons verdes, presentes em seu vestido, cabelo e cílios.
A proporção das cores que a compõe, não sofreram grandes alterações, isso se prova em seu vestido, que manteve a mesma gradação de tonalidades - iniciando de cima, da cor mais clara, até embaixo, na cor mais escura - alterando apenas as cores de branco e azul, para diferentes tipos de verde. Também, seu vestido, encurtado, não alcança-lhe os pés, agora situado em seus tornozelos.
Seus cílios e cabelos esverdeados de raiz escura e pontas claras, me lembram da árvore onde deitava, sempre que eu e meus avós íamos ao sítio do vovô. A sombra que ela proporcionava, o frescor sob seus galhos folheados, o calor de suas raízes tocava minha cabeça, as gotas de chuva escorregando entre cada folha e o vento soprando rasteiro. Tudo parece tão distante agora.
Enquanto relembrava os tempos simples da minha infância, percebi Liliana parada a minha frente, seu rosto pretrificado de preocupação.
O que aconteceu para ela ficar desse jeito?
Logo percebi do que se tratava, senti a gravidade puxar para baixo todas as lágrimas em meus olhos, quando ela me puxou em direção a seu peito.
Talvez eu tenha ficado um pouco emocional demais, mesmo assim, não achei que fosse chorar sem perceber.
Mudando de assunto, 2 dias atrás vi minha atual aparência quando, essa mulher sem modos, me levantou de frente ao espelho do quarto dela, como se dissesse, "olha, esse é você."
Para os curiosos de plantão, eu renasci branco, ainda bem, meus direitos tão garantidos. Brincadeiras à parte, minha pele e meus cabelos são literalmente brancos como nuvens e meus olhos vermelhos como rubis.
Nunca tive muito apego por coisas como aparência, mas eu tenho que dar o braço a torcer dessa vez, eu sou a encarnação viva da fofura, modéstia à parte. Minhas características faciais também estão em outro patamar; olhos ferozes, cílios longos, nariz fino e empinado, bochechas rechonchudas.
Agora eu entendo o porquê as pessoas se acharem tanto por causa de suas aparências, o poder é grande demais, as pessoas facilmente se corromperiam.
Para todas as futuras casadas, eu estou chegando, podem esperar ansiosas.
"CAW! CAW!" grasnou o corvo, voando pela janela.
Corvo fela da puta, quase que eu saio voando dos braços dessa mulher, susto desgraçado. Esse corvo tem sorte que eu sou vegano, se não, ele ia pro espeto.
"Uwaaaah!"
Não conseguir controlar meu choro é mais uns de meus inconvenientes diários.
Acostumada com tal situação, Liliana prontamente começou a balançar os braços de um braço para o outro, tentando acalmar o choro.
Não vou mentir, isso é um baita de um calmante, efetividade: 100%.
Enquanto me acalentava, ela parecia brigar com o corvo invasor, não como se tentasse amedrontar um animal selvagem, e sim, uma discussão entre duas pessoas.
Seria ela capaz de falar com os animais?
Rapidamente meu corpo se acalma e recebo um sorriso caloroso de Liliana.
Talvez ela não seja tão estranha, pensei, antes dela esfregar, freneticamente, suas bochechas contra as minhas.
Ao que parece, eu não me canso de estar errado quanto as atitudes dessa mulher.
Após o que pareceu ser uma conversa acalorada, o corvo se dirigiu a parede, magicamente criando a porta de entrada, Liliana o seguiu. Do lado de fora, incontáveis criaturas, dezenas ou talvez mais, e das mais diferentes espécies. Para mim, como um amante dos animais, essa cena é inacreditável, tantos animais diferentes juntos aqui.
Animais de todos os tamanhos, cores e espécies se reuniram aqui.
Alguns dos animais que posso reconhecer daqui: sapos, lagartos, lobos, ursos, cervos, lêmures, macacos, cobras, aves. Todos eles possuindo alguma característica diferente dos animais da terra, por exemplo, os cervos possuem chifres cristalinos.
Que droga. Se ao menos meu corpo me obedecesse, eu poderia me aproximar e analisá-los mais de perto, mesmo que eles pareçam bravos.
Ponto de vista da Liliana:
"Todos vocês, se acalmem. Yata (o corvo) já me informou a opinião que vocês possuem sobre o humano."
Sobre o que eles estão sentindo no momento, eu posso dizer claramente o porquê disso, eu acolhi alguém, ainda por cima um humano, a raça mais odiada pelos habitantes dessa floresta.
Mesmo que minha função exija imparcialidade entre as diferentes raças e espécies vivendo na floresta, essa ocasião se diferencia das demais, ainda a muito que preciso descobrir sobre os eventos envolvendo esse humano.
"Dríade, nos responda, POR QUE TEM UM HUMANO NESSA FLORESTA?" berrou, o macaco-niva, de cima de uma árvore.
"Lembrem-se bem quem eu sou antes de levantarem o tom de voz para mim. Acredito que nenhum de vocês tenha esquecido quem sou, certo?"
Todos as criaturas mortíferas presentes ali, recuaram com o rabo entre as pernas ante o aviso da guardiã, alguns mais literalmente que os outros.
O macaco barulhento foi arremessado para longe por um urso GG(G= Grizzly, GG= Grand Grizzly), voando floresta à dentro.
"Grande guardiã, perdoe nossa falta de cortesia, mas todos nós acreditamos que a senhora, melhor que qualquer outro, compreende o que sentimos." o cervo disse, solenemente.
Ele está certo. Na visão deles, a high dríade, guardiã da floresta, alguém que sempre teve problemas com os seres humanos, da noite pro dia, adotar uma criança humana, sem mais nem menos, deve ter sido, além de controverso, um ultraje abismal.
Quando os ânimos se acalmaram um pouco, decidi que seria melhor contar a todos a verdade. Eles merecem saber a motivação por trás de minhas ações infundadas, mesmo que isso significasse mostrar meu lado egoísta, já que a decisão de cuidar dessa criança se baseou, pura e indiscriminadamente, em minha curiosidade para com essa criança.
Dei um passo a frente, assumindo uma postura digna, "Todos aqui presentes, acredito que eu, como a responsável pela floresta que vocês chamam de lar, devo explicar algumas coisas. Peço que todos se acomodem, a história pode ser um pouco longa."
Prontamente expliquei todos os eventos que haviam acontecido, e que me levaram a tomar os cuidados de um humano. Acredito que, mesmo após toda a explicação, eles não aceitaram minha decisão. Independendo do fato de que sou a autoridade máxima sobre tudo e todos aqui, eu não devo negligenciar a opinião dos Eluni (Eluni: habitantes da floresta de Elunia, ou seja, as feras mágicas e os espíritos.)
Diversos minutos depois, após o fim da história, o burburinho das conversas paralelas preenchia o espaço em que estamos. O som da floresta, agora abafado por piados, cochichos, assobios, grunhidos, miados e os mais diversos sons produziveis por seus corpos, estava denso como lodo.
Esperei por uma resposta, mas nenhum deles falou nada, então decidi perguntar, "Então, o que vocês acham?"
Todos imediatamente se calaram, restando somente esse silêncio cortante entre nós. Olhei em direção ao cervo de antes, esperando que ele pudesse responder, ele virou o rosto quando nossos olhos se encontraram.
"Nós não sabemos."
Yata foi o primeiro a se pronunciar.
"Não sabem o que?" perguntei, confusa.
"Nós não sabemos nada. Não sabemos o que fazer ou dizer quanto a isso. Mesmo que nós tenhamos nossas críticas quanto aos humanos, um filhote sem seus pais, não passa de uma criatura indefesa esperando o fim." ele disse, esfregando a cabeça com a asa. Parecia desconfortável.
"Além disso, ele parece muito estranho." complementou.
"Eu entendo seu argumento, alguém voltar a vida depois de passar horas morto, graças a uma estrela cadente misteriosa, é realmente estranho."
Essa conversa está sendo realmente difícil, nunca pude ver Yata desse jeito, perdido entre as palavras. Ele é sempre tão confiante
"Não é isso, quer dizer, voltar dos mortos graças a essa 'estrela cadente misteriosa' é, de fato, estranho. Mas o que eu, não, nós queremos dizer é que esse humano é estranho." afirmou, apontando em direção a criança em meus braços.
"Veja, diante de tantas criaturas, que fariam até mesmo um humano adulto se borrar, ele está nos observando sem medo."
O que isso significa, pensei. Entendi quando olhei para ele em meus braços. Seus olhos estavam encantados com o que viam, quase pude vê-los brilhar por um momento. Seus punhos cerrados pareciam indignados em não poder tocar nas criaturas a sua frente, criaturas essas, que, em sua maioria, poderiam tirar sua vida com um sopro, literalmente.
"Todos vocês pensam assim?" perguntei.
Eles acenaram com a cabeça, afirmando que sim. Quase pude sentir daqui o vento criado.
"Que tal nós testarmos essa teoria?" sorri, pensando que essa situação poderia se tornar ainda mais interessante.
Segurei-o com as mãos e estiquei os braços para frente, direcionando-o as feras mágicas a sua frente. A reação dele? Haha. Sem perder tempo, levantou os braços, agarrando o ar com as mãos, "Oooh!" seus pequenos pulmões exaltaram sua empolgação.
A reação dos Eluni também se mostrou inesperada, encolheram-se, surpresos pela reação incompreensível do humano. "Por que ele não está com medo?" A pergunta estava estampada em suas faces.
Retraí os braços, trazendo-o para perto de mim, imediatamente, seu semblante murchou e seus braços baixaram, "Aah." um suspiro escapou de seus lábios fazendo beicinho.
Novamente, todos estavam completamente confusos com tamanha reação inesperada.
Frente "Ooh!", Trás "Aah.", Frente "Ooh!", Trás "Aah."
Hehe, brincar assim é mais divertido do que eu imaginava.
(Pensamento do prota: Mermão, se essa mulher não parar com isso, eu vou morder a cara dela, mesmo que eu não tenha dentes ainda.)
"Hunf!"
"Hunf?" Ele acabou de bufar?
Vi sua expressão carrancuda, sobrancelhas franzidas e braços cruzados, como alguém tão pequeno consegue parecer tão bravo?
"Não fique bravo, tá? Aqui, vou te dar um presente." trazendo-o de volta ao colo.
Apoiei-o com o braço direito, "Yata, venha aqui.", estiquei a mão esquerda, esperando-o pousar. "Veja, este é Yata, um corvo de três patas." aproximando meu pulso esquerdo, onde Yata pousou, ao pequeno humano.
Todos estavam em silêncio máximo, esperando o desenrolar da situação atual.
"O que a senhora planeja?" ele perguntou.
"Espere e veja." respondi.
Esticando os braços com cuidado, concentrado apenas na ave negra a sua frente, tocou a lateral da cabeça emplumada usando as pontas dos dedos. Yata, confuso, retribuiu, recostando a cabeça sobre a pequenina mão.
Pov do prota:
Até que enfim essa mulher fez uma pra Deus ver. Eu finalmente consegui tocar em um animal de outro mundo, se bem que, esse corvo não tem muita diferença dos corvos da terra, exceto, a pata extra e os olhos vermelhos de pupilas negras.
Um corvo com três patas, hum. Acho que o nome dele na terra é Yata-garasu, ou coisa parecida, tipo a carta de YuGiOh.
Talvez eu esteja sendo ganancioso, mas, será que eu consigo um braço? Tipo, ele encostou na minha mão, tentar um pouquinho não tira pedaço.
Cuidadosamente para não assustá-lo, passei os braços por suas asas, envolvendo seu corpo com as mãos, suavemente, trouxe-o para perto de mim, ele não ofereceu resistência e não pareceu assustado. Quando o puxei em minha direção, ele saltou, aterrissando em meu abdômen.
Liliana apoiou a mão livre em minhas costas, me segurando com mais firmeza.
Abracei-o, senti suas patas em minha barriga se curvarem, ele quase pareceu consciente que suas garras poderiam me machucar. Deitado sobre mim, o corvo baixou a cabeça, debruçando-a em meu ombro esquerdo.
Uau, eu sabia que corvos eram curiosos e sociáveis com as pessoas, contudo, isso supera em muito minhas expectativas. Além de aceitar um abraço, ele se sentiu confortável o suficiente para deitar comigo. Talvez uma criança inofensiva não cause medo nesses animais.
Eu retiro o que disse, eu não colocaria esse corvo no espeto.
'Treme, treme.'
O que é isso?
Olhando para cima, vi Liliana segurando a risada com todas as forças, a pálpebra de seu olho tremento incontrolávelmente, seu rosto completamente vermelho e as veias saltadas em sua testa, ela poderia explodir a qualquer momento. Ela morde os lábios para impedir que a risada saia.
Sigo acariciando as costas do corvo. Pra dizer a verdade, ele é quentinho e suas penas são macias.
Eu até entenderia se ela achasse essa cena fofa, mas, engraçada?
Pensamento de Liliana: puta que pariu... Aquele Yata, tá abraçadinho com um bebê, humano, ainda por cima. Pra onde será que foi toda aquela seriedade dele? Essa cena é impagável, uma pena eu não ter uma máquina fotográfica pra guardar esse momento histórico.
Alguns poucos minutos se passaram desde que comecei a abraça-lo e não pude notar nenhuma característica diferente dos corvos da terra, exceto, os olhos e a pata extra, com a pequena busca que fiz.
De todo jeito, ele não demonstrou nenhum desconforto em relação a mim, um bom sinal, entretanto, se eu continuar o segurando, é possível que ele se sinta mal ou fique estressado. Mesmo que, contra minha vontade, eu tenho que soltá-lo. Quando o soltei, ele demorou alguns segundos para se levantar e voar até o ombro de Liliana.
Se meu corpo não me impedisse, eu poderia fazer uma análise detalhada sobre ele, contudo, só de poder tocá-lo por 5 ou 6 minutos, já considero uma grande conquista para mim e para esse corpo desobediente.
Só de movimentar meus membros por um curto período de tempo, meu corpo ficou todo cansado e sonolento. Eu já não aguento mais dormir tanto. Eu entendo que recém nascidos precisam passar grandes quantidades de tempo dormindo, contudo, não conseguir passar 10 minutos seguidos sem tirar um cochilo é humilhante ao meu ego.
Dito isso, eu vou só dar uma cochilada rápida. Volto daqui a... quando meu corpo infantil permitir.