Ponto de vista de Yata:
Surpreso com tamanha descoberta, decidi compartilhar meu ponto de vista com a guardiã. "Estou certo que a senhora já saiba disso, mas irei perguntar só por via das dúvidas, você percebeu o porquê fiz isso, correto?" perguntei, crente que receberia algum esclarecimento.
"Claro que percebi." ela respondeu.
Tive minhas dúvidas sobre a motivação da senhora Liliana, mas "isso" serve de motivação, mas que suficiente, para ela cuidar diretamente desse garoto.
"Todos nós precisamos de um abraço de vez em quando, até mesmo você com toda a sua 'carrancudez'." comentou em tom irônico.
"O quê?" perplexo sobre sua fala.
Ela acha... "Você acha que estou falando do abraço? Eu estou falando do circuito de mana desse humano, essa coisa não é normal, nem pros padrões desse lugar."
(O circuito de mana é composto por duas partes principais, o núcleo de mana, lugar onde a mana é criada e armazenada, e as veias de mana, lugar por onde a mana criada pelo núcleo circula. Em conjunto, eles funcionam de forma similar ao coração e aos vasos sanguíneos, respectivamente.)
Posso ter me alterado um pouco dessa vez, nunca esperei ver um circuito de mana tão impressionante em alguém tão jovem que nunca recebeu nenhum tipo de treinamento. Não apenas suas veias de mana são espessas e resistentes, como também são estranhamente limpas pra alguém dessa idade.
Além disso, a robustez de seu núcleo de mana é surpreendente, a quantidade de mana sendo gerada em seu núcleo, deveria ser prejudicial para um humano tão pequeno, na verdade, a maioria dos filhotes das feras mágicas, não conseguiriam suportar tanta energia sem sofrerem efeitos colaterais, como refluxo de mana ou coisa pior. E olha que eu não comentei sobre a pureza da mana desse garoto, é como olhar um lago cristalino, límpido e reluzente.
"Ora, não precisa se envergonhar, ninguém vai te julgar por dar um abraço." disse ela, depois de engolir a risada.
Ôvo dar uma bicada na cara dessa mulher, ela não perde por esperar.
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(muito bravo!)
"Tá, tá. Entendo o que você quer dizer, eu mesma passei a última semana inteira observando de perto esse garoto, e se tem uma coisa certa, é que ele possui poder bruto suficiente para, no futuro, rivalizar com as grandes raças."
"Gaaasp!"
Para a guardiã afirmar algo desse tipo com tanta certeza... O que esse garoto pode se tornar? Com o treinamento apropriado, ele se tornaria o ápice dos magos humanos.
Uma...
"Uma anomalia. Deve ser isso que você está pensando. Pela expressão que você está fazendo, é fácil dizer."
Expressão? Que tipo de expressão eu estou fazendo?
Por reflexo, cobri os olhos, instintivamente, percebendo o que ela quis dizer.
"Haha, não precisa cobrir os olhos. Parece que você está muito mais animado do que pôde imaginar."
O tom sarcástico de suas provocações, realmente me atingiram em cheio, mesmo assim, sua afirmação está completamente correta. Quantos anos fazer que não sinto meu sangue ferver dessa maneira?
"Nós precisamos dar fim a essa discussão. Desde o começo, nada se resolveu e nós já estamos a quase uma hora e meia empacados no mesmo problema, ' O que fazer com o bebê?'." pontuou.
"Entre todas as minhas ideias, as únicas viáveis são um arriscadas. A primeira delas, seria você mesma cuidar dele, mas nós sabemos que não seria algo bem aceito entre os Eluni, e a segunda opção..." interrompi abruptamente minha fala.
"Qual seria a segunda?" levantou a sobrancelha.
Sei que o que vou propôr agora é, absolutamente, a coisa mais impensada a sair do meu bico, entretanto, eu desejo ver o que acontecerá a seguir.
"Lili, você confia em mim?"
"Confio totalmente." totalmente séria.
Então lá vai.
"Escutem todos, a grande guardiã tomou sua decisão. Por ser a autoridade máxima sobre nós, seria ultrajante que ela cuidasse pessoalmente deste humano...", consegui sentir na ponta das minhas penas, o clima ficando tenso enquanto falava, "ela tomou a decisão de admitir o filhote humano como um habitante da floresta, o primeiro e único Eluni humano..."
"O QUÊÊÊÊÊÊ?" o espanto e a surpresa deles quase me fez cair, até mesmo Lili ficou em choque.
Antes que eles pudessem opinar, retomei meu discurso, ainda mais impiedoso que antes, "Quietos, a mensagem ainda não foi finalizada. Para manter a imparcialidade entre todas as raças, a grande guardiã requisita um guardião para o humano, quaisquer raças podem se candidatar a esse posto. Todos dispensados. Espalhem a notícia para cada canto do território da floresta, todos devem saber a vontade de Liliana Elunia..."
"... Ou vocês desejam que a high dríade, guardiã espiritual e protetora da grande floresta de Elunia, Liliana Elunia, se rebaixe a uma mera babá de uma criança humana?"
Petrificados, essa de longe é a melhor descrição para essa cena, completamente imóveis, presos a indecisão de um problema irresolúvel.
O que eles poderiam fazer? Se oporem a um pedido direto da sua governante ou acolher formalmente um humano em sua família, não existe escolha correta, independente da decisão, eles ficarão inconformados com o resultado, o que só torna esse problema ainda mais saboroso.
"O que vocês estão esperando? Vão espalhar a mensagem a todos que não puderam comparecer hoje, o tempo está passando."
Um a um foram saindo, mudos, alguns mais absortos que outros. A barulheira com que vieram até aqui horas atrás não existia mais, restando somente o silêncio, pesando toneladas em suas costas.
A conversa pode não ter gerado nenhum resultado satisfatório de imediato, mas, pelo menos os ânimos se acalmaram um pouco. Os próprios Eluni manterão um ao outro em xeque, alguns discordarão fortemente a ideia de acolher um humano com um dos seus, a maioria, os restante será dividido entre, aqueles que desejam cumprir o desejo de Lili, seja por honra ou em retroação pela proteção que ela provê a todos, agradecimento genuíno.
"Hum hum. Viu, Lili, tudo acaba bem quando acaba bem." disse, triunfante.
"..." sem resposta.
"O que foi, Lili? Por que você está tão quieta?"
Levantou-se, indo em direção a casa, ainda calada, deitou a criança adormecida no berço de vinhas, em cima do sofá. Nunca havia visto essa expressão em seu rosto, ou talvez seja melhor dizer que ela não possui expressão no rosto, isso mesmo, um semblante completamente inexpressivo.
Voei de seu ombro até a mesa ao lado, "O que há de errado?" perguntei, intrigado sobre sua quietude anormal. Virou-se, vindo em minha direção, "Yata..." disse, rangendo os dentes, agarrou-me firmemente com a mão direita, levantou o rosto e disse, "Que história é essa de 'encontrar um guardião para o humano?' tá drogado, porra?" a fúria em seu olhar quase me fez botar um ovo, e olha que eu nem consigo fazer isso.
Preciso acalmá-la, antes que algo ruim aconteça (comigo).
"Veja bem, Lili..."
" 'Veja bem, Lili', o quê? A única coisa que eu vou ver bem, vai ser um urubu depenado no forno hoje à noite." com sangue nos olhos, ela me interrompeu.
"Você sabe que eu fiz isso apenas para te ajudar." tentei trazê-la de volta a si.
Pronta para me esganar a qualquer momento, envolveu ambas as mãos em mim, "Você sabia muito bem que eu queria cuidar dele, e vem com a ideia de jogar ele na selva? Sabe quanta coisa eu posso descobrir sobre ele? EM?" disse, enquanto me chacoalhava violentamente.
Como vou colocar juízo nela? É sempre assim, se ela gosta de alguma coisa, ela brinca até estragar; se ela põe algo na cabeça, ela vai até o fim, sem se importar com mais nada, tudo para sanar essa curiosidade infindável. Pra completar, ela se afeiçoou muito pelo garoto, na verdade, ela gosta da aparência dele, com isso não dá para discutir, ele é quase um pon'yo, tamanha é sua fofura. Suas capacidades mágicas excepcionais vieram de brinde.
*Pon'yo: pequenas criaturas espirituais que habitam o mundo físico, normalmente localizadas em ambientes abundantes em energia espiritual e mana. São seres pacíficos, vivendo em comunidade com outros pon'yo. Diferente da escrita de seu nome, pon'yo, se lê sem o apóstrofo, ponyo.
Pesam entre meio quilo à 40 toneladas. Podem medir 18-40 centímetros, altura e comprimento, à 20 metros de altura e 20-150 metros de comprimento (podem variar seu tamanho e peso livremente.) Seu corpo coberto por grossas camadas de pelo branco, o protegem de temperaturas extremas, ataques físicos e mágicos, condições do ambiente e basicamente quaisquer causas externas, também podem estocar mana em sua pelagem e usá-la quando necessário.
Quando ameaçados, se escondem em seu pelo, semelhantes a tartarugas se encondendo em seus cascos. Possuem quatro patas, mas se movimentam, principalmente, saltando e rolando por aí. Sua aparência se adapta ao ambiente onde vive e podem comer, literalmente, qualquer coisa.
Seus olhos místicos possuem a capacidade de distinguir entre o bem e o mal no coração de qualquer um, além de os conferirem visão de 360° graus. A cor de seus olhos mudam de acordo com o elemento que possuem maior afinidade, sendo elas, vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta, elementos respectivos, calor, alma, luz, vida, espaço, matéria e tempo.
Nota: caso você irrite um pon'yo, ou encontre um irritado, e ele julgue que você é uma pessoa ruim... Desista dos seus sonhos, encontre um Deus e arrependasse dos seus pecados.*
E quem tem que mediar a infantilidade irrefreável dessa mulher, antes que algo de errado aconteça? Exatamente, eu.
Mas não, quando sou eu que faço alguma coisa desse tipo, ela acha ruim, é de lascar.
O que fiz foi errado? Foi.
Me arrependo? Nem um pouco.
"Lili, me responda isso, você lembra o que significa cuidar pessoalmente do garoto?"
"C-claro que sim!" encolheu os ombros.
"Se você lembra tão bem sobre isso, por que insiste tanto nessa idéia? O garoto também carregaria grandes responsabilidades, caso você o acolhesse oficialmente, e, além do mais, ele seria o seu primeiro, o que piora as coisas." a seriedade com que enfatizei o assunto, deve tê-la feito cair na real.
"Então o que eu deveria fazer? Deixá-lo solto nesse lugar perigoso, sem nenhuma proteção? Ele seria dilacerado em segundos."
Como é que pode, alguém com tantas responsabilidades se deixar levar pelo emocional tão facilmente, e não pensar 2 passos à frente, é inacreditável mesmo. As vezes imagino que ela tenha crescido demais nos lugares errados.
De suas mãos, soltei uma de minha asas, "Entenda, Lili. Se algum Eluni cuidar do humano, você ganha liberdade das responsabilidades atreladas a ele e pode continuar cuidando dele indiretamente, levantando o mínimo de suspeita."
Não achei que precisaria explicar meu plano, uma idéia tão simples quanto essa deveria ser de fácil entendido para ela.
"Aaah!" seus olhos se iluminaram enquanto se dava conta do que prôpus.
"Você é um gênio!" ela disse, pulando de animação.
"Eu posso continuar minha pesquisa de perto, e também posso ensinar todo tipo de coisa a ele, como magia, e dar a desculpa que ele vai precisar disso quando tiver idade para sair da floresta." sua empolgação é quase contagiante a esse ponto.
Ufa... Ainda bem que ela se animou.
"Talvez você esteja muito apressada, lembre-se, ele ainda é muito novo para ter aula, nem mesmo disse as primeiras palavras, como vai ensinar magia a ele? Isso vai ter que esperar uns anos."
"Então, você poderia me soltar agora?"
"..." sem resposta.
"Lili?"
"..." sem resposta.
"Doooom!" → intenção assassina.
"Te soltar? Por que eu faria isso?"
A intenção assassina que ela está liberando agora, desmaiaria um guerreiro treinado com facilidade.
"Usou meu nome sem minha permissão, mentiu em meu nome, agiu com imprudência sem meu consentimento, preciso continuar listando suas transgressões, ou já tá bom?"
"Calma, Lili. Essa quantidade de intenção assassina pode prejudicar a criança humana." tentei desviar sua atenção para longe das minhas penas.
"Huhu, não se preocupe com o bebê vai ficar bem, eu tô bem controlada." riu, preparando para me depenar.
Seriam essas as consequências de minhas ações?
Oh não, já consigo ver a luz no fim do túnel, chegou minha hora de partir, adeus mundo cruel. Minha vida foi boa, a maior parte dela pelo menos, "Yata-yata-yaa...", já posso ouvir minha mãezinha chamando meu nome do outro lado.
Estou indo mamãe, logo chegarei ao gasto reino do alpiste...
"..." pensando pensamentos.
"Gostaria de dizer suas últimas palavras, antes que eu te envie ao reino do alpiste?" ela perguntou, apertando as mãos.
"?" pensamentos pensados.
Quase soprando o ar para fora, perguntei, "Qual o nome do garoto?" sinceramente em dúvida.
Visivelmente confusa com minha pergunta, retrucou, "O quê?" não pareceu entender o significado de meu questionamento.
"Digo, até agora, você só o chamou de 'humano, criança humana e bebê', nunca realmente um nome próprio." esclareci.
Essencialmente, não havia notado isso de começo, até o momento em que se referir a ele, se tornou, de certa forma, inflexível. Continuar chamando-o por sua raça ou estágio de vida, não se mostra confortável, muito menos prático.
Esperei pela resposta, mas ela não disse nada, tudo que recebi foram olhares desviados e gotas de suor suspeitas se formando em seu rosto.
"Lili?" chamei seu nome.
"Fiu fiu." tentou assoviar, coisa que ela não sabe fazer.
...Sus-pei-to... (~_^)
"Você..." sem palavras.
"FIU FIU FIU!" assopra ainda mais intensamente.
Por que eu ainda espero que algum tipo pensamento lógico saia desse cérebro de folha quando ela fica fixada em algo.
"Tá bom, tá bom. Eu entendi que esse assunto nem chegou a passar pela sua cabeça, então, vamos nos acalmar e pensar juntos sobre isso. Nós ainda temos uma semana inteira para decidir um nome para ele, é tempo suficiente para organizar os pontos principais do nosso plano de ação e buscar os melhores termos em relação à maneira que ele será criado."
"Tem razão. Agi sem pensar no futuro, me deixei guiar pela emoção do momento e em meus próprios ideais egoístas." deu um sorriso curto, curvando os lábios.
Nas situações em que ela pensa seriamente sobre o assunto levantando, vejo em sua aura, as qualidades de um verdadeiro governante, alguém que se dedica a cuidar de seu povo.
"Certo, vamos cuidar de tudo" disse, enquanto me libertava, "Mas, lembre-se bem, você pode ter escapado de sua punição dessa vez, contudo, não haverá segunda vez." afirmou, encarando minha alma com seus olhos brilhantes, literalmente.
Ufa. Consegui me livrar por um muito pouco dessa vez, mas ainda não é hora de descansar, na verdade, o trabalho árduo de verdade começa agora, dificuldades aparecerão no começo dessa jornada, mas, os resultados vão se mostrar dignos do esforço investido.