A presença de Kitogawa neste exato local foi uma enorme surpresa para Sado Yasutora que se encontrava ferido e com a sua camisa branca manchada de sangue nasal.
E não foi só ele quem se surpreendeu...
— Você... Como chegou até aqui!? Como passou pela barreira!?
— Você chama aquilo de barreira?
— Desgraçado!
Se sentindo insultado por um Kitogawa que não tirava o sorriso do rosto, Maxuel tentou socar novamente a face do loiro.
Porém...
— Ainda insiste em cometer o desacato contra a sua autoridade?
— Uhhg!?
A visão de Maxuel girou e suas pernas perderam o equilíbrio quando sentiu aquele soco básico sendo desferido contra sua testa.
Perdendo momentaneamente a perspectiva dos seu redor, ele cai batendo as costas no chão com os olhos revirados em branco.
O policial acrescenta:
— Sabe. Na hora de dar um soco, não é só força bruta que define o resultado. Técnica de como dar um bom soco somado à prática de como socar alguém com os punhos ajudam muito. Reconhecer áreas de pressão e pontos fracos são de extrema importância. Eu mesmo, quando vou dar um soco, imagino os ossos e os músculos do meu braço vibrando em conjunto. Pode não parecer, mas a imaginação é um enorme poder. Faça tudo isso que eu te expliquei e você terá um ótimo poder de ataque sendo só um cara normal.
E então ele se vira como quem conclui.
— Entendeu, Sado?
— Uh... Tava falando isso tudo pra mim? C-certo... Valeu.
Kitogawa sorriu pra ele contente e logo chamou por alguém.
A pequena sombra se revelou saindo de um dos quartos.
Assim que o Yasutora viu-a, arqueou as sobrancelhas.
— Por sorte, eu achei essa garotinha dando um grande sinal pela janela deste quarto. Graças à isso eu escalei o prédio e pude chegar em bom momento.
— Você escalou o prédio........
Sem ter muito o que comentar sobre as habilidades físicas deste policial, Sado deu atenção para a menininha que estava corada.
— Você fez mesmo um bom trabalho? Parabéns.
A menina recebendo do elogio dele ficou contente e assentiu. Kitogawa acariciando a cabeça dela falava em bom ânimo.
— É. Quando a vi balançando a cortina no lado de fora eu me surpreendi. Ela têm potencial pra entrar pra agência, hein.
— Lá vem vocês policiais. Não podem ver um em potencial que já querem chamar pra servir ao seu lado.
— Ei, não fale assim como se a gente fosse tudo uns lobos sem coração. Estou profundamente ofendido, Sado.
Kitogawa e a menina riram. Sado achou graça, todavia sua risada era fraca.
— Oi, oi, oi...! Seus desgraçados tão aí de risadinha como se já tivesse acabado... Vocês me irritam...! Vocês me anojam...!
O momento ameno então foi quebrado pela voz de Maxuel Willians que parecia não ter se rendido ao desmaio.
Ele, se erguendo do chão, parecia ter chegado ao limite físico e mental quando forçou com pura vontade a sua consciência a não se apagar.
Com os vasos sanguíneos todos soltos dentro de seus olhos esbugalhados, Maxuel transmitia uma aparência horrível e selvagem.
— Vocês...!! Vocês...!!! — apontava dedos para todos, mas principalmente para o homem fardado. — Criaturas sem coração...! Fazem o que querem e agem como querem! Não pensam na gente e vivem nos perseguindo como se fossemos bicho! Eu sabia... Eu sabia que você estaria por aqui, policial... He, he... Sabia perfeita... perfeitamenteee!!
— Para trás de mim, os dois!
Kitogawa protege Sado e a menina que estavam chocados, e confronta um Maxuel completamente fora de si.
— Renda-se, homem. Você já não está mais em condições de lutar. A sua arma já foi confiscada.
Na tentativa de fazer Maxuel recuar, Kitogawa dizia isso. Mas o jovem estava tão fora de qualquer ajuda que nada do que dissessem a ele resultaria em uma possível rendição.
— E quem disse que eu preciso desse bastão inútil, hein!!?!?!? Eu posso simplesmente...
Maxuel abriu os braços em profundo êxtase e tomado pela loucura, quando faíscas piscaram ao redor de todo o seu corpo como um pavio que estava prestes a explodir.
Sado arregala os olhos e Kitogawa parecia que iria retirar algo de seu cinto de utilidades.
Mas antes...
— EXPLODIR TUDO EM CHAMAS!!!
O corpo do garoto alucinado emitiu um brilho escaldante e repentinamente as faíscas estouraram como ruptura de algo.
Todo o corpo de Maxuel se tornara fogo vivo — e foi tudo direcionado ao trio presente ali.
O tsunami de chamas vividas e intensas iria dizimar tudo que tocasse pelo caminho. Era suficiente para destruir um quarteirão inteiro inundando tudo com fogo.
Nem mesmo a carne humana mais resistente poderia suportar queimaduras fortíssimas assim. Era sem dúvida o poder máximo de Maxuel.
— Eu não vou deixar!!
Todavia, antes que até mesmo o Kitogawa tomasse uma atitude inusitada, Sado Yasutora pulou na frente do ataque e com seu braço esquerdo pareceu "segurar" as chamas que viam em sua direção.
O fogo daquele pequeno corredor de hotel foi rebatido para os lados como se Sado fosse um objeto inamovível.
As paredes não suportaram tamanha pressão sendo direcionadas para si e foram destruídas. As chamas tomavam conta dos quartos.
E mesmo assim...
— Sado Yasutora, você...?
Kitogawa parecia surpreso em ver que o jovem garoto simplesmente não parecia ser queimado, e mais do que isso, que ele sem nem pensar duas vezes, reagiu rápido o suficiente para pôr-se na frente dos dois e segurar aquela imensa carga flamejante.
— Escuta aqui, Maxuel... — disse indo em direção ao lunático que estava fora de si. Consequentemente afastando as chamas cada vez mais. — Vê se toma juízo nessa sua cabeça, moleque mimado!
E foi quando chegou perto o suficiente do alvo, que Sado moveu seu braço nas chamas, apagando-as por completo como se fossem uma simples vela de aniversário e usou seu braço livre para cerra-lo bem firme...
— E abaixa a tua bola!!
...Socando assim com a força máxima do que lhe restava o queixo do garoto incendiário que morde os dentes e bate com a cabeça no forro do corredor.
Foi o final para Maxuel Willians, o número 5 de paus dos Arcanos Menores.
O corpo sem reação do jovem capotou no chão e ficou imóvel. Imediatamente após isso, Kitogawa observou Sado de costas e pareceu ter alguma impressão sobre o rapaz.
— ...
Porém, antes dele sequer concluir algo, o corpo de Sado cedeu ao cansaço e foi de encontro com o chão duro.
Nenhuma resistência viria dele agora, estava no limite.
— Ah, vamos sair daqui, menina. Venha!
Voltando a si — pois o jovem ficou um tanto impressionado pelo desempenho do garoto de casaco azul — Kitogawa percebe que tudo estava pegando fogo.
— Mas o quê?
...Ou assim deveria estar.
Mas não havia mais fogo algum e em lugar algum. Somente rastros de queimado e o corredor carbonizado.
— Ah, Sado!
Ele correu e rapidamente levantou o rosto de Sado que queimava no chão quente. O garoto desacordado não iria reclamar agora, mas poderia causar-lhe sérios riscos.
— Como assim você não se queimou com as chamas produzidas por esse anômalo, mas se queima com o calor deixado no fim? Caramba, amigo. Você é um mistério.
De fato ele não esperava por isso e nunca imaginou que ao se encontrar com esse jovem, veria algo assim dele.
A verdade é que nem mesmo o próprio Sado esperava por isso.
Mas acima de tudo...
— Gostei do seu desempenho. Mandou bem pra quem se diz o "mais azarado".
Reconheceu que ele fez algo que um estudante comum jamais faria, e nisso ele ficou feliz.
Embora...
— No entanto... Você aí tá realmente sem sorte. Menino biribinha.
Assim concluiu Kitogawa e pegou Maxuel no outro braço.
Então quando se certificou de que Sado e Maxuel estavam bem firmes e desacordados, os levou junto da menininha.
...No fim, Kitogawa foi aplaudido como herói quando a população viu ele saindo com dois rapazes desacordados, um em cada braço, e uma jovem criança.
— Que sorte a minha. Há, há.
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Os fracos raios de luz batiam no rosto de Sado Yasutora.
— Uh...
Quando ele abre as pálpebras e sai do mundo do nada, finalmente acorda, e vê que...
— Não é o meu quarto. Eu tô num hospital, é?
Deitado na cama hospitalar ele olhava em volta mas nada via de incomum.
— Você já acordou?
— Hein?
Nada via na altura do seu campo de visão. Foi só ser guiado pela voz um pouco mais a baixo e viu uma menininha de cabelos castanhos segurando sua mão.
— É a garota de antes. Se você tá aí... E eu tô aqui... Quer dizer que deu tudo certo, né? O Kitogawa conseguiu resolver as coisas pra gente?
— Sim, ele fez.
— Ah, que bom... Sério mesmo. Que bom...
Sado não pode deixar de sentir o alívio percorrer pelo seu corpo, acarretando em um suspiro revigorante.
— Meu pai viu quando ele nos trouxe e como ele é sócio do hospital...
— Os custos serão por conta da casa, jovem.
Enquanto a menina revelava isso, um homem que parecia entrar na casa dos 30 surgiu na entrada do quarto de hospital e se aproximou.
Ele sorriu e colocou a mão na cabeça da menina acariciando-a como quem demonstra enorme carinho, e olhou para Sado com extrema sinceridade.
— Você salvou a minha filha. Obrigado. Muito obrigado mesmo.
Ele se curvou para Sado Yasutora em extrema gratidão, o que deixou o garoto chocado e um pouco incomodado.
— Não, não, que isso. Eu só... Foi o policial que apareceu por lá que resolveu todas as coisas. Ele...
— Não precisa dizer isso. Minha filha me contou tudo.
O homem voltou a posição e encarou o garoto enfaixado no nariz e rosto. Sobre esse olhar, Sado só pode aceitar calado.
— Eu agradeço a você rapaz. Sem dúvidas, foi um grande milagre.
— Certo...
Envergonhado por estar sendo elogiado, ele sorriu. A menina estava salva. Deu tudo certo.
Ele conseguiu.
"Que bom... Sério mesmo."
— Bem, bem. Se quiser descansar um pouco mais, fique a vontade. O seu nariz ficou um pouco torcido mas já está bem. Só cuida para não bater em nada se não quiser voltar aqui novamente, ouviu bem?
— Certo!
Sob as advertências do homem que não falava por mal, o rapaz assente. O pai da menina ri com tanta energia de Sado e vê que ele parecia ser um jovem bastante agitado.
— Bem. Não que seja problema você aparecer aqui de novo. É por conta da casa. É uma dívida que eu jamais conseguirei pagar.
— Oh...
— Então, meu jovem. Quando precisar de atendimento médico, não importa quantas vezes for. Será por minha conta.
Era o ápice da gentileza. Ele estava recebendo tanta bondade que arqueou as sobrancelhas.
Sobre isso, ele riu.
— Espero não aparece nunca mais em um hospital.
...Era o seu eu sincero não querendo se machucar novamente.
— Aliás, tio. Que horas são?
— Hum? São 16:12, neste exato momento.
Repentinamente um silêncio estranho se instaurou naquele quarto sem Sado nada dizer.
E só foi quebrado quando o mesmo resolve se pronunciar, dizendo:
— Eu tô muito ferrado...
...Ele perdeu mais um dia de aula.
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Com a tarde chegando sobre suas cabeças, Sado Yasutora se sentia preparado para sair do hospital.
Ele que antes vestia a roupa médica, voltou com a sua roupa, agora um pouco limpa. Embora o cheiro ferroso estivesse na camisa.
Enfim:
Estava na frente do saguão e se despedia da jovem menina — Hanako, e seu pai.
— Até mais, tio. Obrigado por me receber. E você, pequena, se cuida e obedece seu papai, está bem?
— Tá. — assentiu e sorri enquanto segurava um papel nas mãos.
Vendo-a assim, o pai chama sua atenção.
— Hanako, minha filha. Você não tem nada para oferecer a ele não?
— Uhh, bem...
Sado ergueu uma sobrancelha curioso enquanto a menina parecia se esconder envergonhada.
— Veja bem. Ela tem 9 anos e ainda sente vergonha com essas coisas, há, há, há.
— Eu mesmo sinto vergonha até hoje. — comentou Sado.
No que tomando devida coragem, ela entrega para ele a folha em suas mãos.
O menino a pega para averiguar, e ao ver melhor, arregalou os olhos.
Ali existia um certo desenho rabiscado com cores vibrantes. Reconhecia-se uma menina dando a mão para um loiro e um rapaz de cabelo pretos.
Acima disso, estava a flecha apontando para o rapaz de cabelos escuros descrito: "Herói, aquele que luta sem poderes".
Ele ficou completamente atônito quanto a isso.
— Herói...? E-eu...?
Estava desacreditado e voltou o olhar para a menina como forma de reafirmar as coisas.
Ela sorria com o rosto vermelho à ele.
Ele não se sentia nenhum herói da vida. Sado não servia para isso.
O conceito de heroísmo que ele conhecia era o completo e total oposto do que ele realmente era.
Mas dessa vez...
Só dessa vez...
— Eu amei o seu desenho. Posso ficar com ele?
Ele riu aceitando de todo o coração.
— Claro. É pra você moço!
Ver esse carinho recebido em um rosto puro, fez valer toda a dor e agonia que teve na hora do desespero.
Ver a pureza e simplicidade de uma criança salva, aqueceu o coração de Sado.
Ela chegou perto dele para lhe mostrar o desenho.
— Essa sou eu e esse é o moço policial.
— Sim, sim, eu tô vendo. Muito bom.
— E esse é você!
— Ficou incrível.
A pureza e a simpatia de uma menininha era...
— E aqui no canto é aquele desgraçado que tacava fogo.
— Pera quê!?
Olhando mais para o lado, Sado via um jovem sangrando no chão enquanto era pisoteado e recebia xingamentos de uma multidão.
Ao ver isso ele ficou sem ter o que dizer.
— Bem feito pra ele! Tá até chorando, olha só.
— Ah... Bem...
...O desenho era autoexplicativo. Até demais.
No fim, ele se despediu e guardou o desenho. Sado recebeu sua bolsa de volta e ele partiu rumo à sua casa.
— Caramba que dia louco foi esse? Dês de ontem à noite as coisas andam extremamente agitadas e incomuns.
Caminhando pelas ruas, ele refletia nos eventos que se sucederam em menos de 24 horas.
Era muita coisa pra assimilar. Coisas como "mago", "magia" e pessoas insanas de propósitos não identificados.
Tudo isso era visivelmente anormal para a mente do Sado.
"Mas não era isso que eu estava querendo? É igual o que eu sempre sonhei. Então por quê?"
A verdade, não era que ele queria se envolver em situações de quase morte, botando toda a sua capacidade física, mental e emocional para vencer ou ferir o seu corpo.
Mas sim, ter a garantia de que poderia conviver com isso e não se machucar.
Conviver que independente da situação que houver, ele daria um jeito o mais rápido e fácil possível.
Era essa a imagem que ele tinha dos heróis em mangás.
Mas Sado não tinha nenhum poder.
— Será?
Olhou para a sua palma esquerda e lembrou-se que segurava as chamas e que sequer sentia-as queimando outras partes do seu corpo.
Foram chamas reais. Era tudo real.
Mas ele não saiu queimado por elas.
— Que loucura eu estava fazendo!? Eu realmente pulei naquele mar de inferno?!? E se eu morresse!? De que iria adiantar!
Só agora que ele se tocou do ocorrido em que literalmente colocou a sua vida em risco. Talvez por estar zonzo naquele passado momento, essas questões eram irrelevantes.
Mas...
Um covarde só não coloca sua vida em risco assim do nada.
— Eu real poderia tá morto agora! Isso é muita insanidade! Jamais...! Jamais!! Nunca mais farei algo assim em toda a minha vida!
Arriscar tudo e perder o bem mais precioso que é a vida? Jogar todo o seu futuro fora em uma situação de extremo desespero?
Que provas que ele tinha para confiar de que da próxima vez, se houver uma, ele não será ferido caso os eventos se repitam?
— Sinceramente... Prefiro nem pensar nisso.
Ele suspira cansado.
Ele — Sado Yasutora — não queria mais saber de heroísmo. Também pra ele, tanto faz onde está Maxuel. Ouviu dizer que havia sido levado pelo Kitogawa.
Mas...
— Ela me viu como um.
Retirou do bolso da calça o desenho dobrado. Lembrou que pra proteger aquela garota, ele não mais pensava só na sua segurança.
Ele nunca imaginou que seria capaz de tomar atitudes assim na vida.
Proteger alguém tem algum custo. E quando você mede os custos em uma balança e vê o resultado final que as suas ações geraram...
— ...Valeu a pena. Sei que amanhã eu já vo tá melhor.
Assim concluiu.
— Ah, não...!
Perdendo o foco, Sado deixou o vento que passava levar o seu desenho em mãos. Ele não queria perder aquele desenho. Se tornou uma memória marcante para a sua vida.
— Volta aqui!
O papel foi levado, de forma natural, até um playground para crianças brincarem.
O garoto imediatamente pulou a cerquinha para correr atrás desesperado.
Todavia...
— Opa. Isso é seu?
— Ah, uhh...
...Todavia alguém que estava ali o pegou com os dedos e lhe entregou.
Vendo a tal pessoa, ele ficou tão chocado por esse encontro inesperado do destino que até se esqueceu de verbalizar um "sim".
— Hum? — ela inclinou a cabeça sem entender o porquê dele estar apenas parado.
Isso porque ela era quem ele estava procurando hoje mais cedo. Quem não saía de sua cabeça.
No clarear da tarde, ele pôde ver com perfeição como era o rosto dessa menina albina.
O olho esquerdo — azul como o céu mais limpo.
O olho direito — dourado como o sol poente.
Ele ficou sem ar diante da beleza dela. Era inegável ser uma garota bonita.
Parecia uma nuvem materializada em forma de ser humano de tão branco que eram seus lindos e macios cabelos que balançaram serenamente na brisa.
Diante dessa figura que parecia uma obra de arte esculpida em cerca de 1,40 metros de altura, ele só pode concluir que...
— Você é linda...
...Ele falou isso em auto e bom som.