Yuki Sato, até onde ela sabe, nasceu com poderes anormais que desafiavam toda a lei da física e do senso comum.
Não havia "bom senso" nisso. Era ilógico o quão habilidosa ela poderia ser se quisesse. Se ela se esforçasse ao limite, poderia alcançar patamares incompreensíveis à mente humana e à existência até mesmo do próprio sobrenatural...
Especial? De fato.
Ruim? Também.
Era um peso que caía nas costas dela desde seu nascimento.
A menina foi submetida a um fardo extremamente pesado só por nascer.
E ela sabia que isso se tornaria um fardo tão pesado, que ela poderia não aguentar mais.
...E era por causa disso que ela adormeceu a boa parte da sua capacidade.
Se não fizesse isso, o mundo, não somente o físico e visível como também o espiritual e invisível, poderiam sofrer mudanças irreparáveis.
A dor de uma calamidade de nível transcendente iria lhe custar um enorme peso na consciência e na alma.
...E ela nunca poderia buscar a verdade do mundo se o mesmo fosse destruído.
Então, restringiu sua capacidade até onde se lembrava, e partiu em uma jornada de autodescoberta.
Ela queria se conhecer.
Ela queria saber o porquê das coisas.
Ela queria entender o porquê de ter nascido assim.
Então procurou na ciência. E nada.
Na religião. E nada.
Na filosofia. E nada.
Era frustação atrás de frustação.
Seu vazio e sede do conhecer nunca eram o ponto final para a sua dúvida.
Nunca era o suficiente para ter a certeza absoluta.
"Qual o sentido da minha existência?"
Quanto mais procurava nas religiões, nas crenças e nas filosofias, mais perguntas e mistérios apareciam.
"Como é feito as estruturas da Realidade que me cerca e como o meu modo de ver o mundo impacta nisso?"
E cada vez mais, Yuki Sato ia entrando em um mundo vasto de grandes mistérios e desilusões.
A verdade parecia cada vez mais distante.
E quando ela percebeu, estava envolvida com o sobrenatural.
Ocultismo, fé, crença, e meios de tentar explicar o porquê das coisas e a origem de tudo.
Yuki via o mundo real da forma como poucos viam.
Mas era a mesma coisa do que ver o reflexo de um espelho borrado.
Ela queria ter a visão completa.
"Não quero viver em um mundo falso só pelo meu ócio. Quero viver na plenitude da verdade."
Era como se... faltasse mais informações das que aquela que ela poderia ter.
Algo estava faltando no mundo...
— O dilúvio é? Torre de Babel... O Budha...?
Soube ela de um enorme evento que marcou a história da humanidade, quando Deus mandou o dilúvio para limpar os males da Terra.
Dali, dizem-se em certos registros que a humanidade se formou a partir dos poucos remanescentes.
E se corrompeu novamente.
Construíram uma enorme torre — e foi destruída no fim com a confusão das línguas diferentes.
A questão é...
Quantos registros se perderam com aquele dilúvio?
Quantas coisas antigas da civilização pré-diluviana poderiam explicar e sanar suas dúvidas?
Não havia mais como saber.
A arqueologia e a teologia tentam descobrir isso.
Mas só não havia como ela saber agora.
Então soube de um homem. Um Budha.
Atingiu um nível superior da realidade e se tornou um deus.
...Conhecer esse ser talvez fosse uma oportunidade pensou ela.
Seria uma boa chance de saber um pouco mais das verdade que aquele indivíduo conquistou.
Embora...
— Não gosto de organizações...
...Ela não entrou para o budismo pelo mesmo motivo de todas as outras formas de crença: organizações.
Por algum motivo do qual nem ela sabe, essa ideia era inviável. Havia algo oculto em seu ser do qual lhe causava medo.
Talvez ela tinha medo de ferir aqueles que estariam ao seu redor.
— Esse fardo é só meu...
...Por isso ela decidiu trabalhar sozinha dês do presente momento.
♧◇♧◇♧◇
Kandori no Uta.
Essa cidade nas províncias do Japão era misteriosa.
Nela havia uma alta pressão subliminar e era alvo de grandes eventos sobrenaturais.
Era como se a película que divide o mundo natural do mundo não-natural fosse extremamente rasa aqui.
E se ela queria entrar cada vez mais fundo neste mundo místico, se mudou para essa cidade e ali residiu.
Trabalhando o tempo todo destruindo maldições e esquisitices aos olhos humanos.
Mas sem dúvidas, o mais esquisito era aquele evento daquele dia...
♧◇♧◇♧◇
Kandori no Uta: 13 de Setembro de 2012, quinta-feira.
O dia estava cheio como de costume.
Yuki Sato andou pelas ruas da cidade de forma normal e despreocupada e parou em frente à um santuário com algumas velas acessas e cartas espalhadas.
— Certinho, essa foi a última por hoje. Desculpe senhora "Yamanaka".
Retirando a maldição feita por alguém mal intencionado daquele santuário de alguém que faleceu, Yuki se ergueu.
Ela via de fato o mundo sobrenatural não explicado e não entendido pela ciência.
Conduziu sua força contrária a esse tipo de elemento e o nulificou por completo, simples assim.
— Parece que mal agouro é o meu nêmesis natural, huh? Mas eu não me sinto nada sortuda, há, há, há.
A sua "força", era uma energia única que desfazia aquelas névoas obscuras. A maldade era apunhalada e as más sensações eram dissolvidas.
Ao menos era assim que ela pensava.
E tudo voltava ao "normal" depois.
— Poxa vida, esse foi o décimo terceiro só neste dia. O que está havendo com essa cidade hoje?
Ela se questionou.
Havia algo incomum acontecendo e Yuki sentia um pequeno nó na garganta em pensar em uma hipótese.
— Será que já é a hora...?
A jovem de cabelos como nuvem olhou para o céu azul intrigada com algo.
Os seus olhos azul e amarelo refletiam sua paixão no mundo.
— Mas é um mundo que vale a pena ser protegido?
Um mundo tão belo com coisas tão cruéis.
Era assim que era.
— Hah. Eu gosto de fazer isso. Limpar maldições e destruir criaturas. Se eu posso, eu faço.
Coisas tão cruéis por natureza eram bestas do além. Mas Yuki conseguia ser o inverso só por mero capricho.
Afinal...
Era assim que ela era.
Sorrindo para o céu azul, satisfeita com seu método de pensar, ela deu de ombros e dali se retirou.
A garota tinha outros planos em mente.
— É. Terei que visitar aquele cara.
Uma possibilidade que não usava faziam meses. Não era algo que Yuki precisava se apegar para prosseguir, mas o dito-cujo servia de grande ajuda em momentos em que ela precisava de duas cabeças para pensar.
— Ele vai ficar feliz em me ver.
Mesmo que ela não queira envolvidos, tinha ao menos um alguém a quem ela confiava.
...Ela bateu pé dali, rumo ao exterior da cidade.
♧◇♧◇♧◇
Um vale rodeado de árvores era tudo o que ela via.
E ali, bem no centro, um pequeno prédio era escondido de todo tipo de coisa.
Menos de Yuki Sato, que já sabia como encontrar.
— Tá no mesmo lugar de sempre, hein?
Aliviada em ver aquela estrutura que não continha janelas habitando no meio da mata, Yuki andou até a porta reforçada de metal e elevou a palma para bater.
— Você veio mesmo. Sabia que viria algum dia. Pode entrar.
— Feliz que ainda lembra do meu rosto.
Respondeu ela a voz que via do alto falante da parede e automaticamente abria aquela porta com dezenas de trancas internas no meio.
Revelando assim, após as engrenagens pesadas separarem a entrada, um homem idoso sem pelos faciais e no fim da vida.
— Sentiu saudades de mim, Nick?
— Yuki Sato, você ainda está viva. E está com a mesma cara de sempre.
— He, he. Eu não vou morrer tão fácil, você sabe.
A menina riu enquanto entrava.
O homem virou-se então e caminhou utilizando de uma bengala de metal e logo que se afastaram, a enorme porta atrás deles se fechou.
Deixando Yuki e Nick dentro daquele cubículo cheio de luzes, botões e sensores que piscavam regularmente.
— Uau. Você consegue ser mais recluso do que eu.
— O que tem de legal em um velho de 91 anos? Não espere que eu retorne para a sociedade assim de repente.
— É, eu sei. Só estava comentando em o quanto é legal o seu esforço com essa tecnologia toda.
Indo com o homem até as telas e o computador, ela via o quão hábil era ele em digitar no teclado.
Ele dizia enquanto isso:
— E o que têm feito? — perguntava com certo sotaque russo.
— O de sempre. Salvando a cidade e vidas, ou algo assim.
— Destruir má influências em cemitérios não me parece algo que uma jovem com sua aparência faça. Tome cuidado.
— Hey, não fale assim, faz parecer que o meu trabalho diário é qualquer coisa. Além do mais, Nick, custa dizer que as "más influências", é o pleno paranormal?
— Eu sou o cara crente mais cético que você verá em toda a sua vida, menina. Ainda descobrirei cientificamente como esse seu mundo funciona.
— Você também faz parte desse mundo...
Ela riu sem jeito soltando os ombros, no que o homem parou de digitar e a olhou nos olhos.
— É. Eu sei. Obrigado.
— Disponha. Foi coisa do destino ter encontrado você.
— Ah, não é pra tanto. Eu só sou um mero cientista. Eu só fiz algumas bobinas elétricas aqui e outras ali. Não criei nenhuma maquina do tempo, ainda, e não serei eu quem impediria a terceira guerra mundial quando os Estados Unidos decidirem tomar a potência.
— Não fala uma coisas dessas! Seu ceticismo russo está agindo novamente.
— Não tenho nada contra os Estados Unidos, na verdade. Mas a Guerra Fria...
— Eu não quero ouvir. Vamos para o que interessa. — tampou elas os ouvidos dramaticamente.
— Mas é claro que não quer ouvir as lamúrias deste velho aqui. O meu nome se perdeu com o tempo e ninguém mais quer saber do velho Tesla! Onde foi parar a minha reputação!?
— E não era você que se considerava um mero cientista...?
Ela exalou um suspiro cansado com os dizeres de Nick e soltou os braços.
O mesmo voltou a sua atenção para o computador quando cortado de assunto.
Mudando automaticamente para outro.
— Você me salvou quando me encontrou congelado. A história da minha morte se espalhou e agora todos acham que aquela farsa de boato de que morri em um hotel em Nova Iorque é real e que sou uma pilha de ossos secos debaixo da terra.
— Nikola...
— Só não vá se ferir, por favor. O seu cérebro é importante demais. Graças a você eu pude obter conhecimento científico o suficiente para ter este laboratório.
— .....
— E graças a você, meu corpo e mente ainda não morreram.
Por mais que as palavras de Nick... Não, o homem conhecido como Nikola Tesla fossem em relação ao conhecimento contido no cérebro da jovem, havia ali um tom genuíno de preocupação e agradecimento.
Principalmente na última frase, onde Yuki consentiu.
— Você implorou pela vida quando te achei congelado e quase demente. Eu só usei meus dons para que você vivesse um pouquinho mais.
— Por isso, passei a crer no incomum um pouquinho mais.
Eles riram levemente, achatando o clima forte para longe.
E logo, outro assunto ressoou dos finos lábios da menina.
— Em falar no incomum... As maldições e maus agouros estavam mais fortes e numerosos ultimamente. Sabe sobre algo que eu não saiba?
— Olha, pra você vir até mim querendo saber de algo, é porque a situação não é boa. Afinal, foi você quem ajudou esse velho aqui a construir esse laboratório, você sabe.
— É eu sei, e não foi nada difícil, gênio. Mas a questão é outra...
Quando Yuki torceu os lábios em relação ao que tinha em mente, Nikola Tesla franziu a testa preocupado.
— Anda tomando os seus remédios?
— Odeio me entupir com aquelas coisas. Sim.
— Imagino que o efeito esteja diminuído... Devo aumentar a dosagem?
— Sim, por favor. Senão, vai tudo pro beleléu caso os meus poderes voltem de forma mais elevada.
— Você controla tantas coisas, mas o seu controle sobre si mesma é horrível. — falou ao suspirar e se retirar do computador.
Nikola então se dirigiu mais além naquele escritório.
Automaticamente luzes se acendiam e o espaço que antes parecia um cubículo se revelava mais e mais amplo.
Yuki o seguia.
— Coé, Nick. Você sabe que pra controlar algo, é necessário conhecimento sobre esse algo. Eu ainda estou me descobrindo. Coisa de adolescente, sabe?
— Falando assim, faz parecer que você é normal.
— Falando assim, faz parecer que você é um velho ranzinza...
— É este velho ranzinza aqui que faz os seus remedinhos, lembre-se disso.
— Yokay!
Ela prestou um gesto de continência, não caçoando de Nikola, e foi levada até uma área onde continha alguns químicos, mesas e uma cadeira no meio.
— Tira essa jaqueta. Hora de fazer o check-up em você.
— Tu se amarra no meu corpinho que eu tô ligada.
— É apenas para estudos.
— Sei.
Removendo o casaco e expondo os braços finos e pálidos, a menina esperou por Tesla que colocava luvas brancas.
Ele logo voltou após digitar no computador ali perto e retornou com medidores especiais, ligados por fio às maquinas conectadas ao computador, para por nos braços, pescoço, testa, costas e torço da garota.
Yuki sentia cócegas quando sentia o ponto gelado do metal no centro de cada medidor tocando seu abdômen liso.
Quando Tesla terminou, baixou a camisa branca dela de volta.
— Isso é estranho. — disse ele parando de repente e notando algo.
— Quê foi?
— Suas vibrações estão oscilando mesmo. Talvez, para um trabalho mais profundo, devemos por nos mamilos também.
— Não quero nada nos meus seios. Sai fora.
— Você nem tem.
— Se não tenho, então não há o que fazer.
— Mas...
— Nick... Apenas faça o seu trabalho, por favor?
— Ok.
Tendo sua ideia rejeitada educadamente por Yuki, que seguindo ele: era para estudos, Nikola se dirigiu ao computador e apertou algumas teclas. Ali, um holograma da jovem era visível com um gráfico que se formava, oscilando entre verde e vermelho, baixo e alto.
— É realmente ruim, menina. O fluxo de energia exalando do seu corpo está maior agora do que no mês passado. E pode continuar aumentando a cada mês que passa.
— Poxa vida... Será que já peguei imunidade contra os remédios?
— Disso eu não sei. Mas que não estão surtindo efeito, não estão. E pensar que eu gastei meses produzindo cada pílula...
Tesla falava em um tom de frustação vendo seu trabalho árduo jogado fora.
Afinal, para achar um meio de ao menos "combater" nem que seja um pouquinho os diversos efeitos que Yuki causava no mundo só por existir, fora necessário meses e meses de estudos.
Não era uma tarefa fácil quando também nem ela se conhecia devidamente.
Também tinha o fato de que...
— Reduzir a radiação que sai do seu corpo, ondas eletromagnéticas e até mesmo raios gama de uma única vez não é pra qualquer um. Ademais, o seu cuidado não é só "físico" visto que me pediu coisas que reduzia essas suas "pressões espirituais". Francamente, o que é você, hein?
— Desculpa te dar tanto trabalho, Nick... Eu prometo que acharei uma forma por mim mesma de autocontrole.
Ela se sentiu um pouco mal em relação a tudo isso. Todo o seu ser era moldado em mistérios e precisava de um extremo cuidado.
Yuki poderia ser considerada uma bomba-relógio de níveis inimagináveis.
Tesla que conheceu o mundo quântico graças a Yuki, considerou-a como uma destruidora da própria matéria.
E isso a deixava lapsa.
Mas...
— Não esquente a cabeça. Você curou minhas doenças de velho e me deu saúde. Literalmente revigorou o tecido humano e células cerebrais irreparáveis pelo próprio corpo humano. Ao invés de vencer o mundo com medicina única está aqui me ajudando com minhas pesquisas.
— Awn, que fofo.
— E eventualmente um homem mais apto irá aparecer para cuidar de você.
— Lá vem você com isso...
Yuki entortou os lábios cor de rosa desbotado para o comentário de Tesla. O mesmo virou-se por um instante esboçando seriamente sua preocupação.
— Estou falando sério. As vezes seria bom você aprender a viver como uma garota da sua idade. Não estou dizendo pra você se jogar no mundo, mas dar chances para si mesma de conhecer um rapaz seria bom. Tente viver normalmente, Yuki Sato.
— E você viveu normalmente, Tesla? Todo cientista que se prese gasta sua vida em função de árduos trabalhos. Os religiosos nem se fale. Eu... Eu estou no meio dos dois tipos quando entendo tanto a ciência quanto o paranormal...
Os olhos dela caíram um pouco na feição que era meiga e doce.
— ...Eu não posso voltar atrás agora. Aceitei o fardo de seguir assim, sem ser como as meninas da minha idade. Sem escola, sem amigos... Sem uma vida comum como a de todos...
Era duro ouvir uma menina pequena e jovem como ela dizer essas coisas tão abertamente. Tesla iria responder com "seus olhos não dizem isso", mas decidiu respeitar a decisão dela e apenas terminou com um "ok".
O check-up durou por mais alguns minutos.
E passado a maior parte, já era o final.
— Certo, Yuki, a menina mais do que especial. Sente-se nessa cadeira e eu vou aplicar o remédio.
— Tudo bem. Está tudo certo comigo?
— Seus dentes estão perfeitos e não há indícios de falta de componentes no seu sangue. Só não gostei quando a minha injeção entortou quando entrou em contato com a sua pele... Você me deve uma agulha nova.
— Desculpa aí. Prometo transmutar a matéria outra hora quando achar os componentes pela rua.
Como dito por Nikola Tesla, a pele de Yuki parecia ser muito mais resistente que a de um ser humano comum. Naturalmente devido a sua natureza mágica.
— Bem, fora isso está tudo certo com o seu sangue. O seu tipo sanguíneo universal ainda continua.
— Maravilha.
— Só não se machuque. É especialmente por ser O negativo, que o seu sangue é o mais raro. Não é fácil encontrar um doador que também seja O negativo.
— Sei, sei. Relaxa, eu fico bem no dia seguinte.
— Yuki...
Tesla olhava pra ela com uma expressão séria, como quem repudia o que via. De fato, a garota parecia leviana demais em relação a isso.
— Olha, não precisa me olhar assim. Relaxa, velhote. Eu sou forte.
Ela piscou um olho e levou toda a responsabilidade para si mesma.
Nikola suspirou com esse gesto e disse: "sente-se aqui", mudando de assunto.
A jovem então sentou-se na cadeira de exames e se ajeitou.
Dada as explicações com os exames, Yuki estava perfeitamente saudável, apesar da sua natureza incomum e pelo albinismo que era uma doença pela falta de melanina.
Embora, ela mesma não ache isso necessário. Toda radiação solar era rebatida naturalmente pelo seu corpo, logo o sistema orgânico da menina se adaptou e achou desnecessário a produção da melanina que pigmenta e protege o corpo.
— Fico imaginando você caso tivesse esse fator. Seus cabelos seriam escuros e a sua pele teria cor de salmão ou seria amarelada como todo asiático? — perguntou o cientista curioso.
— Não temos como saber, ainda mais agora que os meus poderes estão inquietos. Além do mais, eu pareço mais uma europeia com traços de Ásia. Enfim, não temos como saber.
— É aí que eu entro. Veja.
Dizia Tesla quando apareceu segurando uma seringa.
Yuki comentou ao ver aquilo fino que entraria em seu braço.
— Vai ser intravenoso então?
— Infelizmente os comprimidos já não surtirão mais tanto efeito. Teremos que fazer a dosagem internamente e de forma mais eficaz.
Podia se ver um líquido de cor vermelho amarronzado dentro da seringa — nada convidativo.
— Se isso não funcionar, meu corpo rejeitará naturalmente como componente nocivo.
— Ele já faz isso com os meus comprimidos. Aqui tem o seu sangue fundido, vamos apostar todas as fichas.
Em relação a isso, era natural que o sistema imunológico de Yuki agisse contra toda substância que fosse afeta-la. Reduzir a capacidade dos seus poderes através do organismo era um clara alerta do seu cérebro que via como um intruso que enfraquecia a menina.
Mas... Como isso funcionava?
— O seu cérebro vai se tornar mais lento, se me permite dizer.
— Em suma, eu vou ficar mais burra.
— Não foi assim que eu quis que as coisas parecessem! Mas bem... Limitando as ações do seu cérebro, limitaremos o que você é capaz de fazer.
— Mesmo eu sendo um ser mágico?
— Magia e ciência estão conectadas dês do princípio. Vou diminuir o seu espírito amortecendo o cérebro. Segundo o que você me diz, seria isso...
— A alma reside na mente humana. E é ela o ponto de contato para a visão de fé existente no mundo. Ok, acho que isso vai funcionar. Me deixa mais lerda aí.
Em resumo: afetando o cérebro, afetaria a alma, o estado de espírito de um ser.
Com isso, Yuki iria parar de perceber tão bem o mundo sobrenatural e sua percepção seria exclusivamente terrena. Ela pararia de expelir distorções na Realidade e sua existência interior estaria um pouco adormecida.
Logo, há diminuição nos poderes sobrenaturais dela.
— Está tudo interligado no fim... A mente, o corpo humano e o cosmos do universo... Religião e ciência não devem andar separadas.
Murmurou ela fechando os olhos.
— Vai, pode fazer isso.
— Vai ser diretamente no cérebro. Irei injetar isso nas suas artérias carótidas.
— Sintomas? — foi só o que ela perguntou. Não era necessário expor mais do que isso.
— Poderá haver zumbido nos ouvidos... Uma sensação anestésica durante o dia como se estivesse um pouco dopada e talvez o seu humor desregule um pouco. Alguém como você não vai ter danos sérios com isso, mas é inviável a um ser humano normal.
— Entendo... Algo mais?
— A radiação que emana de você com certeza será contida e talvez você não consiga manipular o mundo subatômico como deveria. E outros fatores que você costuma influenciar como raios e eletricidades.
— Realmente, meus poderes irão diminuir drasticamente...
— Você ainda vai poder continuar suas tarefas de proteger a cidade, mas tome o dobro, não... O triplo de cuidado.
— Ok. Pode deixar comigo.
Essa foi a resposta de Yuki, instigando confiança e maturidade.
Mas Nikola Tesla ainda se mantinha relutante visto que toda ação tomada por Yuki era com muita leviandade.
— Hoje pode ser o dia que aquela organização aparecerá...
— Se for, assim será. Não posso arriscar a vida dos cidadãos normais que vivem ao meu redor.
Respondeu ela abrindo um olho e olhando para o velho Tesla.
— Francamente, você só diz isso porque gosta de zanzar por aí e comer em lanchonetes.
— Não era você quem queria que eu parecesse mais "normal"?
Ele riu junto dela.
— Tudo bem. Vamos usar isso.
Yuki assentiu e mostrou o pescoço branco puxando a gola da camisa.
O velho Nikola Tesla passou uma pomada no lugar que servia como anestesia e desinfetante.
...E logo, a seringa entrou na corrente sanguínea da menina e os mililitros do remédio foram injetados.
— Uhg...
...Ela contorceu o rosto bonito.
♧◇♧◇♧◇
— Bem, com isso você está pronta. Apenas lembre-se que com o passar das horas e dos dias, o efeito fica maior. Amanhã você estará mais enfraquecida do que hoje.
— É pra isso que eu vim, Nick. Não quero que as plantinhas murchem só de eu aparecer por perto delas.
Yuki que colocava o casaco de volta e se alongava, explicou ao Tesla sobre a radiação do seu corpo que afetava até o meio ambiente.
— Por Deus... Torço pelo dia em que um homem vai aparecer na sua vida e dará um jeito em você.
— Chega de falar essas coisas. Eu não sou do tipo que vive pensando nisso.
— Certo, certo. Só não deixe de me visitar periodicamente.
Ela sorriu.
— E você, tenha mais fé. Seu pai era um padre, não era? Não te custa nada crer no mundo de impossibilidades.
— É. Eu sei. Mas ainda irei explicar tudo isso com ciência.
— Irei te recomendar uns grimórios gnósticos, talvez ajude nas suas buscas de ciência e sobrenatural.
Ela soltou uma leve risada de ar e se despede de Nikola Tesla.
Assim que Yuki foi para o exterior e a porta foi fechada, Nikola ficou sozinho naquele laboratório.
A atmosfera gélida pairava por toda a extensão das salas.
A respeito do que Yuki tinha dito antes...
— Talvez esse velho aqui não esteja preparado para isso...
Ele caminhou até uma parte onde Yuki não viu, e olhou para uma cápsula de líquido estranho, onde um homem nu e cheio de tubos era mantido inconsciente.
— ...Mas quem sabe o "Novo Nikola" presencie seus milagres antes de mim?
Afinal...
— O dom de poder mental vem de Deus, o Ser Divino. E se concentrarmos nossas mentes na verdade, ficamos em sintonia com este grande poder.
Ele concluiu assim.