Fenícia Silver Waite nem sempre teve esse nome. Ela não se lembrava mais qual era o seu nome de batismo.
Mas se lembrava de ser apenas uma garotinha.
Pele clara, cabelos escuros e olhos negros como o véu da noite mais bela.
Ela, como toda criança, buscava viver com seus amigos, brincar de bonecos, usar sua imaginação e se divertir com todos.
Uma vida alegre, energética e comum como toda criança.
Era uma pena que esse vislumbre de uma falsa realidade não existia mais devido a guerra que se instaurou na região do Norte. Sequer poderia ser alcançado novamente.
— Sons de explosões, de novo.
Era em uma escola com vidros rachados onde ela estava mantida juntamente com outros adultos e crianças.
Barulhos ao longe, seguidos de luzes que podiam ser vistas piscando no horizonte assombrava aquele local a todo o instante.
Guerra. A guerra era sem dúvidas a maior praga da história da humanidade.
Sentada no meio junto de outras crianças, ela pressionava seus joelhos com força e imaginava o momento em que aquelas luzes se aproximariam o suficiente para destruir a todos neste local.
Vestindo nada mais que trapos, sua face era atônita e inexpressiva.
O falar desesperado dos adultos nas portas e janelas não a interessava. Os jovens murmurando e mães chorando em silêncio não faziam seu coração se encher de sensibilidade.
Só o que havia era o completo desprezo por essa maldição chamada "guerra".
Exceto...
— ?
— Estou com medo...
Um menino mais jovem de cabelos pretos que estava ao lado acabou por se escorar no ombro da menina e repetiu essa frase novamente.
— Estou com medo...
Ele instintivamente, por ser menor, segurou-a com seus bracinhos magrelos e escondeu o rosto na roupa dela.
Fenícia virou o rosto para ele e pensou em desvencilha-lo de si.
Mas não o fez.
Quando ela viu este menino que tremia bem ao seu lado, encostando o rosto choroso no ombro dela, o sentimento que teve, diferente do de indiferença de antes, era de complacência.
Era fácil dizer que ninguém ali conhecia uns aos outros, por isso a confiança era facilmente perdida quando se há oportunidade em que um lado vença e outro perca.
Foi assim com seus pais.
Quando pensaram que haviam achado um grupo mediante este território de guerra onde era seu lar de nascimento e que se uniriam todos em prol de sobreviverem, foram abruptamente deixados para morrer quando as bombas surgiriam do céu e os atingiram.
Aquele grupo simplesmente correu desesperado por seus poucos conhecidos, pessoas do qual conviveram maior parte de suas vidas, que tinham mais apreço, e fugiram.
Eles colocaram em uma balança o teor de importância entre um ser humano e outro e escolheram um lado.
Por conta disso, os pais de Fenícia foram mortos.
Mortos diante dos olhos dela...
"...."
Com cerca de 12 anos de idade, ela vagou sozinha de abrigo a abrigo e aprendeu da pior forma possível que não deveria confiar naqueles do qual sequer conhece.
Principalmente adultos.
Passando frio. Passando fome. Passando sede e se machucando. Ela prosseguiu da pior forma possível.
Sempre se assegurando de não por suas expectativas nas mãos de ninguém.
Mas aqui, ela se via em contraste com esse menino.
Menor, mais fraco, indefeso...
Não havia muito o que fazer senão se desesperar, chorar e sentir medo.
E isso, foi o que ela fez durante muito tempo. Se desesperou, chorou e sentiu medo. Muito medo.
Ela teve seu coração conectado com o coração aflito deste menino.
Se ela o ignorasse, ao menos neste gesto, não teria diferença entre ela e aqueles adultos que causaram a morte de seus pais — assim pensava ela.
Por isso...
Por isso Fenícia passou a mão nos cabelos escuros do menino e disse:
— Está tudo bem. Não precisa ter medo.
Que frase mais irracional. Qualquer um poderia ver o tamanho caos que era espalhado e perdurado por todos os cantos.
Mas mesmo assim...
Mesmo assim o menino ergueu o rosto choroso e confiou nessas palavras.
Ela conseguiu esboçar um sorriso , mesmo neste lugar.
E ele confiou nesse sorriso.
Em suas palavras e em seu sorriso — ele os confiou.
Foi naquele momento que as bombas explodiram o teto e as paredes.
— ...?!?!?!
O som estrondoso reverberou pelos seus tímpanos e ela sentiu ser acertada por uma onda de choque que a fez rolar e rolar de onde estava, juntamente com destroços de concreto que se espalharam.
Tendo perdido a noção do mundo, seu campo de visão borrado parecia estar de cabeça para baixo e ela via adultos e crianças esmagadas pelas pedras.
Outros corriam assustados para todos os lados sem saberem de qual direção vieram aqueles ataques de luzes.
O som ofuscado pelo zumbido nos tímpanos a fazia estar complemente a mercê da situação horrível em que se encontrava.
— ...Ah, uh...
Um som dolorido saiu de sua boca e ela tentou se erguer.
Pesado.
Seu corpo estava muito pesado. De costas, ela sentia algo pesar em cima do seu tronco.
Levantando o pescoço, mesmo estando zonza, ela viu que existia ali em cima, um pedaço da parede que só não a esmagou até a morte, porque o corpo de alguém estava soterrado por decima dela, servindo como escudo humano.
— ...!!
Pensou em alguém e se desesperou de imediato.
Ela gostaria que não fosse o menino do qual se compadeceu segundos atrás.
— Moça!
Mas ouviu a voz dele que se aproximava correndo.
Ele aparentemente havia sido arremessado para longe com a onda de choque e estava com cortes pelo corpo. Mas fora isso, aparentava estar tudo bem.
— Vem, eu te pego!
Pegando-a pela mão, o menino puxou quase arrastando seus pés, mas sem sucesso ele não moveu-a.
Fenícia estava presa demais com 2 pesos em cima de si que facilmente a tiravam o ar.
— A pedra...! Tira a pedra! — apontou ela.
Obedecendo, o rapazinho não pensou duas vezes e exerceu força com as duas mãos para tentar tirar aquele pedaço da parede da escola decima da garota.
— Uhggg!!
Seu rosto estava vermelho e ele demonstrava um enorme esforço físico para a sua idade.
Mas não era o suficiente. Até sentiu que a parede se moveu alguns centímetros, porém quando parava de aplicar força, ela voltava por causa do peso ao estado inicial.
— Não dá! Não quer sair!
— ....
Se recuperando da tontura, ela escutava sons de explosões nas proximidades. As pessoas correram para o lado de trás da escola e aquele local estava cada vez mais vazio.
Se ela ficasse ali, poderia ser atingida por mais um "bombardeiro". Se dependesse apenas do pequeno menino, jamais conseguiriam sair.
Eles morreriam. Eles certamente morreriam.
Como seus pais morreram.
— ...Não!
Enfurecida, ela grita.
Olhando para todos os lados, ela procurava com seus olhos ligeiros algo ou até mesmo alguém que pudesse servir de ajuda para sair dos destroços.
Foi quando ela viu mais além, indo para os corredores de trás, um homem que estava prestes a sair pela porta.
Ele carregando uma menina pequena em seus braços, era o último dos vivo que iria escapar.
Fenícia rangeu os molares. Ela não poderia deixar que esse homem desaparecesse assim.
Era sua única forma de proteger ao menos esse garotinho que tentava retira-la dos escombros.
Então ela estendeu sua mão.
— Nos ajude!
A voz assustada chegou até os ouvidos do homem, que parou instintivamente.
Esse mero gesto fez uma fração de esperança surgir no coração da menina. Porém, o homem só virou seu rosto, demonstrando dor e relutância em seu semblante.
— Me desculpe... Mas minha filha é mais importante.
— ...!
Ele voltou a correr até se retirar pela porta de metal que seguia pelo saguão, deixando Fenícia e o menino sozinhos no meio de escombros e cadáveres — uma escolha desesperada e dolorosa.
Ela não acreditava mais que poderia ter confiança em um adulto.
Ela não acreditava mais que poderia depender de mais alguém.
Ela não acreditava mais que outros poderiam vir e salvá-los.
Ainda assim, ela tinha estendido sua mão e gritado por socorro.
"...Por quê?", ela pensou. Mas não obteve resposta.
Mesmo retendo o mínimo de confiança para com os outros, o choque de ser rejeitada e deixada para morrer, de novo, era insuportável e acabava com sua esperanças para com o mundo.
Ela cedeu ao chão e ficou imóvel, sem saber o que fazer. Sem saber o que deveria fazer.
Se as pessoas eram determinadas pelo seu grau de importância, significava que ela não era nada? Que ela não era importante para mais ninguém? Que valia menos do que qualquer coisa e assim como uma estante de pratos em uma casa, ou um armário cheio de livros, era deixada para trás enquanto os mais aptos fugiam com seus filhos e esposas, como se ela fosse um mero objeto de decoração de cenário?
Fenícia não encontrava valor algum em si mesma.
— ....
E tudo o que ela escutava era aquele menino menor que ela ofegando enquanto ainda tentava mover o entulho.
— Ghhhh...! Uff, uff...
Por que ele ainda estava ali?
Ela moveu seu olhar de volta e o viu tentar de novo e de novo.
Por que ele só não fugia com o homem?
Mas ele foi rejeitado também, não foi?
— ....
A resposta era não.
O menino não foi rejeitado. Fenícia quem havia sido.
Quando ela estendeu a mão para pedir ajuda, ela poderia facilmente ter mandado o garoto correr para o lado do homem e seguir a todos.
Mas ela estava tão desesperada por sua vida que acabou se incluindo junto.
"Nos salve!"
O homem acabou medindo o peso de sua filha com aqueles dois desconhecidos, embora crianças, e com grande pesar, percebeu que não conseguiria lidar com mais do que tinha a sua disposição.
Egoísta? Seria aquele homem o pináculo do egoísmo humano?
Fenícia não conseguia dizer.
Na verdade, ela tinha um culpado. Um alguém para quem apontar quando estivesse zangada.
O dedo apontava para si mesma como sendo a maior das egoístas.
Por conta do seu egoísmo em se apegar a vida, a vida do menino também estava em risco, tanto quanto a dela.
Ela pensou sobre isso agora.
— ....
Inaceitável.
Fenícia apertou os punhos.
Era inaceitável que aquele garoto sofresse do mesmo destino que ela por mero capricho da sua vontade de viver.
Mas alguém poderia culpa-la? Alguém poderia julga-la?
Não precisava ser necessário. Ela mesma se julgava.
"Você é a pior."
Mas, sendo a pior ou não. A certa ou a errada. É justo dizer que a garota tomou uma decisão.
Sua altitude mediante a isso foi olhar ao redor, na direção oposta a de antes, e ali ela nota uma barra de ferro de algo que se quebrou.
Estendendo seu braço para aquilo que poderia ter utilidade — mais utilidade do que o resto dos adultos e do que ela jamais teve em toda a sua vida, Fenícia agarrou aquele metal gelado com força e o retirou de onde estava.
Seu corpo, pesado pela pedra enorme e o corpo morto em cima de si, rangeu com esse movimento e a fez apertar os dentes.
Mesmo assim, ela utilizou aquele cabo como uma lança e o almejou para empurrar o entulho.
O garoto olhou pra ela como que esperando por algo.
— Quando eu disser, empurre com tudo o que tem!
— Está bem!
Nesse momento ela firmou seus punhos com força e determinou que iria sair dali e protege-los.
Que ela iria protege-lo.
Os outros não se importavam uns com os outros. Era assim que era.
Em um mundo de guerra, a frieza no coração e os desejos individuais se mostravam extensos e dominantes.
Então...
— Vaii!!
Ela deu a ordem e ambos empurraram com tudo o que tinham para remove o pedaço de destroço.
Era pesado. Extremamente pesado.
O menino exercendo oque parecia ser o máximo de força possível, sentia o interior de sua cabeça arder tanto pela pressão que chamas poderiam sair de seus ouvidos agora.
Claro, no sentindo figurado da palavra.
Sentiram aquele pedaço de concreto se movendo, e só não poderiam parar agora.
Mesmo que a cabeça dele exploda e seus braços se quebrem.
Ou mesmo que as mãos dela se rasguem e se cortem com o metal.
Era esse o esforço para mostrar ao mundo que ainda queriam viver.
— Drogaaaaa!!!
Uma enorme pressão desconhecida fez explodir aquele enorme pedaço de pedra.
— Wah!? — gritaram ambos quando se desestabilizaram.
O menino caiu para o lado e rapidamente Fenícia que se sentia livre, o abraçou no chão.
— Ah! Você está bem!?
A pedra explodiu de repente e ela não viu o que os atingiram.
Erguendo a cabeça ela entra em alerta sobre alguma possível ameaça.
— O que foi...?
— Ah, vejo que consegui salvar vocês, crianças.
Uma voz seguido de passos audíveis no escuro foi ouvida.
Olhando para o corredor, ela e o menino fixaram seus olhares para algo que surgia das trevas.
Havia alguém ali.
Uma silhueta de homem alto, vestindo uma espécie de capa escura sobre um sobretudo?
Ele usava um enorme chapéu na cabeça.
— Eu assustei vocês?
A presença deste homem cujo a face se revela um monóculo no olho direito causava em Fenícia uma sensação de vertigem.
Mais estranho do que isso, ela precisava ter cautela. Foi ele quem destruiu aquele entulho? Mas como?
Ela olhou para algo em sua mão direita.
— Ah, isso? Não precisam se preocupar, crianças. Não irei feri-las.
Em sua mão o homem demonstra aquele objeto fino com uma joia roxa brilhante no cabo.
— Um cavalheiro como eu não usaria uma varinha mágica para o mal. Exceto...
Um disparo brilhante de fora veio em direção a ele pelo buraco da parede.
Dada o tamanho, iria atingir fenícia e o menino. Era algo semelhante a uma bola de fogo.
Dito isso, o homem, sem tirar os olhos das duas crianças que se abraçavam com medo, estendeu a ponta de sua varinha mágica, como um maestro, e segurou aquele ataque com um campo de força invisível.
— Exceto quando há necessidade disso.
Repentinamente a chama se dissipou na ponta da varia, e dela...
— Desapareça.
...A cabeça do oponente do lado de fora simplesmente sofreu um "delete" e sumiu.
Sem som. Sem sangue. Sem miolos. Nada.
O corpo caiu de uma espécie de vassoura que flutuava no ar e se espatifou no chão.
A menina vendo tudo isso não conseguia acreditar em seus olhos.
Fogo, barulho, luzes, um homem decapitado, um homem misterioso, uma vara dita "mágica".
Sua mente de jovem que ainda estava no processo de maturação tentava compreender tudo isso como que ainda querendo se manter na linha da "razão".
Mas era inexplicável.
Diante dela, havia ocorrido um fenômeno que desafiava toda as leis do mundo e do universo. Portanto, algo intrinsicamente indistinguível de qualquer fenômeno senão...
— Magia. — o menino pequeno falou de repente.
Na tentativa de silencia-lo, Fenícia tampou sua boca. Embora, o homem não ficara nada irritado com essa afirmação. Pelo contrário, se mostrou contente.
— Não precisa silencia-lo. O garoto está correto. É magia e nada mais.
— .....
— Você parece não acreditar. Pensei que fosse uma criança como qualquer outra.
— O que quer conosco?
Diferente do que o homem esperava, a menina fez uma pergunta tingida de cautela.
Ao que ele suspira.
— Veja bem. Eu não sou um cara mau. Faço parte dos caras bons, entendeu? Eu salvei a sua vida, da pra entender?
Ela pareceu ponderar quanto a isso.
A pedra foi removida e aquele ataque havia sido bloqueado, por mais que de forma antinatural.
Até mesmo as explosões de antes já não era algo audível.
— Eu vou dizer o que quero.
Quando ele disse isso, Fenícia e o menino pareceram prestar atenção.
Então ele chamou com seu dedo o objeto flutuante que se parecia com uma vassoura e disse:
— Olhem. Há coisas que de fato vocês não entendem sobre esse mundo. Pensam que com o decorrer da vida, irão aprender tudo e ficarão velhos e cheio de sabedoria... Mas sabe, isso não é nada comparado a verdadeira extensão da Realidade que os cerca continuamente dia e noite.
O home então sobe e se senta na vassoura que não se movia nem mesmo com o seu peso.
— O que vocês veem aqui... Essa guerra. Isso é tudo superficial. Aos olhos normais, é algo cruel e as pessoas vivem preocupadas com seus desejos egoístas, não é mesmo?
— ...Ah!
— É, parece que eu acertei. E você entende isso. Você sabe disso. Você viu isso.
— .....
De fato, tantas e tantas vezes, Fenícia via isso a todo o instante. As palavras daquele homem não poderiam demonstrar mais aquilo que reside em seu interior.
— Sempre, sempre e sempre. É sempre assim. Mas existe algo maior por de trás de tudo isso. Algo que é oculto a todos como uma película que separa e divide este mundo. Ações humanas, desejos humanos... Tudo isso é um mero grão de pó se comparado ao real objetivo por de trás dessa guerra.
— .....
— Mas o meu objetivo, crianças, é rasgar essa película que encobre a verdade e trazer a luz para este mundo!
O homem exclamou com entusiasmo. Os olhos de Fenícia se arregalaram com a declaração dele.
— Chega de guerras! Chega de dor! Chega de fome! Desejos egoístas e práticas humanas que só nos levam a futilidade e a inutilidade de uma vida! Nascendo, vivendo, crescendo em uma mentira imposta por esse mundo dês de sempre! O meu dever é acabar com tudo isso! Vocês não acham!? Vocês não concordam!?
— Eu...
Um som fraco e quase inaudível saiu abruptamente da garganta dela. No que em comparação a isso, o homem apontou com o braço.
— Olhe ao redor! O que você vê?!
Fenícia olhou na direção que ele apontava.
— Destruição. Pessoas mortas. Sangue pra todo lado! Me diz. Você está feliz com a vida que leva!?
— Não...
As palavras dele entravam no coração dela como chutes sem aviso prévio, quebrando todas as trancas.
— Você é feliz vivendo uma vida assim!?
— Não...
Feliz? Como poderia? Seus pais foram mortos. Sua cidade natal destruída e toda a sua infância havia sido queimada pelas chamas da guerra, da violência e derramamento de sangue.
— Você está contente com o que o mundo está se tornando? Com o mundo onde vive!?
— NÃO!!
Ela gritou. Lágrimas escorrendo sem fim pela face saindo como cachoeira de seus olhos.
— Mas é esse o mundo em que você está vivendo agora! É esse o mundo que você sempre viveu! Então pense! Não há algo que possa ser feito!? Não há um alguém que precisa mudar tudo isso!? O mundo não precisa de uma restauração!?
— Precisa!!
— Então diga! Diga do fundo do coração o que você sente! Diga para este mundo o que você tem guardado durante todo esse tempo!
— Eu... Eu...
— Vamos, diga! Diga o quanto odeia esse mundo!
— Eu...
— Vamos!
— Eu...
Ela berrou enquanto suas lágrimas gotejavam no chão.
— Eu sinto falta da minha mamãe e do meu papai!! Eu quero tê-los de volta!! Eu quero!! Waahaaahaa~!
— ...
O sentimento bloqueado pela menina durante meses estava finalmente saindo junto de uma torrente de lágrimas incontroláveis.
Ela limpava, esfregava o rosto e tentava parar, mas as lágrimas não cessaram.
Com líquidos saindo dos olhos e nariz, ela chorou como nunca antes.
Ela chorou que nem no dia do seu nascimento.
Ela não odiava o mundo. Ela só queria ter aquilo que o mundo não podia lhe dar. Aquilo que o mundo tirou dela.
Seus pais, sua família, na verdade... esse era o seu mundo.
Chorando para os céus incessantemente enquanto abraçava o garotinho de cabelos escuros, ela derramou todo o seu coração.
E foi aí que sentiu um acolhedor abraço envolver ambos.
— Eu sei... Eu sei que sente. Mas eles não podem mais voltar.
— ....
Que cruel. Ouvir isso foi tão cruel que ela parou de imediato e olhava o teto com a visão turva.
— Mas podemos impedir que outras pessoas... Outras crianças como você recebam o mesmo destino. Podemos impedir isso. Melhorar o mundo. Assim como ele era ao seus olhos, quando tudo estava bem.
— ...Ah. Mas eu quero... Eu quero...
— Eu sei... — ele se desvencilha do abraço e a olha nos olhos pondo as mãos nos ombros magros da menina. Ambos, para ela e o menino, ele disse:
— Mas se não unirmos forças, isso nunca vai terminar. Se não confiarmos uns nos outros, nunca dará certo.
— Eu... Eu tentei confiar... Mas estavam mais preocupados com seus filhos e esposas do que com o outro que também sofria...
Ela viu isso. Ela sentiu isso. Ela foi alvo disso.
Por isso, o homem disse convicto.
— Então seja minha filha.
— Heh?
— Eu os adotarei, filha e filho, e serei o pai de vocês. Assim, eu confio a minha vida para protege-los. E eu juro... Jamais os abandonarei.
— ....
— Eu juro! Não morrerei sem que eu veja um mundo melhor!
— ...
— Por isso... Por isso, me ajudem, crianças! O potencial de vocês não deve ser desperdiçado e eu vi isso quando tentavam empurrar aquela pedra. Vamos unir forças e então...
Ele acaricia a cabeça de ambos com cada mão e esboça um sorriso.
Era o primeiro sorriso que ela via em meses.
— E então seremos uma família em um mundo novo. Um mundo belo e sem dor.
Perplexa, ela não conseguia se mover. Cada palavra, cada gesto...
Fenícia conseguia ver pelo olhar dos adultos se eles era dignos de confiança ou não. Uma habilidade que ela desenvolveu para sobreviver até então.
Ela poderia dizer... Não havia malícia alguma na proposta dele.
— Esse mundo... Que você diz... Belo e sem dor. Ele... Ele é real?
— Pode ter certeza. Mas está no futuro ainda. Precisamos mover as engrenagens do destino e chegar até lá. Ou melhor... Traze-lo para cá. Vocês me ajudam? Me ajudam a transformar o mundo para algo perfeito e sem dor?
Ela fungou o nariz e limpou as lágrimas dos olhos que agora haviam secado, e então assentiu com a cabeça.
Ele sorriu.
— Venham. Eu os darei uma casa e uma nova família. Somos muitos, sabe? E buscamos crescer ainda mais.
Ele disse se erguendo e ajudando Fenícia e o garotinho a se levantarem também para logo o seguirem até a vassoura mágica.
— É mesmo? E qual... Qual seu nome? — Fenícia pergunta.
— Meu nome? Ah, eu não me apresentei mesmo, me desculpe!
— Se vai ser o nosso pai, então ao menos devemos saber o seu nome.
O homem de capa subiu no cabo da vassoura e estendeu a mão.
Ele então revelou:
— Eu me chamo Adam Golden Waite, prazer em conhece-las crianças.
Ele disse assim. E a partir daquele momento, Fenícia e o garotinho foram acolhidos e passaram a aprender e a viver em meio a seita esotérica que estão até então.
Porque acreditava em um mundo melhor.
Porque ela cria que o que fazia, iria salvar a todos.
O princípio básico da sua crença: Salve o mundo...
...Mesmo que custe o mundo.