Chereads / A Representação do Deus Supremo - Apocryphal Testament / Chapter 8 - Arco 1 Capítulo 6 "Uma amizade que distorce o mundo"

Chapter 8 - Arco 1 Capítulo 6 "Uma amizade que distorce o mundo"

Ele ficou deslumbrado com a beleza dela e o vento que soprava faziam aqueles belos e sedosos cabelos quase translúcidos balançarem em harmonia.

Era digno da palavra "divino".

Foi de tirar o fôlego e Sado nem percebeu o que tinha falado.

— ...?

A menina inclinou a cabeça parecendo não entender e vendo esse gesto de confusão nela, Sado voltou à si.

— Ah, uh... Nada não. Eu... Eu quis dizer que foi muito legal você ter pegado a folha na mão. Ah, sim, a propósito é minha folha, há, há...

Todo enrolado nas palavras, Sado se amaldiçoava por ter tão baixa capacidade em comunicação com o gênero oposto.

Para ele era quase um sacrifício ter que interagir com uma garota da sua idade ou próximo.

"Se bem que ela parece mais nova do que eu. Bem mais nova..."

Teria ele atingido um novo nível de reclusão social tão abissal que agora até mesmo garotas menores do que ele lhe deixavam tenso até mesmo para falar?

"Isso já tá virando doença! Paro!"

Enquanto tinha seu conflito interno a menina naquele playground pareceu ter entendido algo.

— Espera um pouco. É o menino daquela vez! — apontou o dedo percebendo isso.

— Oh? Você se lembra de mim?

— Yep. Te vi no trem.

— Que bom que lembra disso. Mas na noite passada também. Ah, cara... Eu tava tão cheio de perguntas você não faz ideia.

— Hum... Noite passada é? — ela cruza os braços e coloca o dedo na bochecha lembrando de olhos fechados enquanto dizia "noite passada... noite passada..."

— Lembrou?

— Ah! — exclamou ela e bate na sua palma como quem se recorda do maior dos achados.

— Lembrou agora?

— Nem um pouco.

— Você tem memória de peixe, é!?

Sado fez um drama exagerado como se fosse atingido por algo e voltou a lembrar ela do evento noturno.

— Aquela mulher me atacou com uma lança monstruosa e você me protegeu, lembra? Lembra, né? Disso você se lembra, né?

Seria praticamente impossível se esquecer da horrível situação daquela vez. Assim como a batalha contra Maxuel, esses dois eventos marcaram todo o ano de Sado Yasutora.

Mas vai ver ele era tão irrelevante na vida dessa garota que ela sequer lembra de ter protegido ele. Era bem comum Sado ser facilmente ignorado por tudo e todos.

Ele mesmo decidiu se acostumar com isso.

Todavia, queria que ela em específico se lembrasse dele. Eram questões que ele tinha que por a limpo e que não poderiam de forma alguma ser ignoradas.

E por algum motivo, ele pensava que essa menina teria algumas respostas.

A primeiro de tudo — ela foi a única que não agiu de forma hostil com ele, tirando o Kitogawa que era uma pessoa comum.

Embora...

— Toma aqui o seu desenho. Fico feliz que fui de alguma ajuda, cara. Se cuida.

Ela agiu da mesma forma como na noite passada e lhe entregou o desenho ignorando as questões dele.

Então quando ela estava se distanciando dele cada vez mais, Sado sentiu um fervor na garganta como se precisasse impedir a todo custo que ela desaparecesse novamente.

Se ela fosse embora agora sem nada dizer a Sado, ele ficaria extremamente chateado e repleto de dúvidas.

Estava aí a sua chance, e estava indo embora.

— Espera um pouco aí, por favor!!

Ele grita e se vira para a menina de costas.

— Você pode não se lembrar de mim, mas eu lembro de você! Lembro também daquela insana que queria me matar sem motivo! Ela falava coisas estranhas assim como o outro! Então dá pra por favor me escutar!?

A menina parou.

Quando ela parou de caminhar, Sado teve certo alívio em ver que ela escutou ele.

Então ela se virou.

Mas o rosto que ele viu nela o fez resfolegar.

— Não se envolva comigo. Por favor...

Ela esboçava uma feição de profunda tristeza e suplicou para ele.

O garoto não entendeu o motivo disso, talvez fosse muito exigente em suas palavras. Sendo assim ele se desculpou.

— Foi mal. Eu não queria ser rude...

— Não é isso. Você não entenderia se eu te dissesse. Eu só te peço pra deixar tudo isso pra trás e continuar a sua vida.

"Esquecer? Vai ser meio impossível de eu esquecer tudo aquilo que eu vi!"

A menina tentou afastar ele mais uma vez com suas palavras, mas agora não continham o tom de encenação como na noite em que a viu, onde ela praticamente estava fazendo uma imitação barata.

Dessa vez era uma sinceridade tão grande que chegava a doer.

Seria essa a verdadeira faceta dela?

O garoto vendo isso, mesmo assim decidiu continuar.

— Deixar para trás? Impossível! Sério, não dá. Tudo isso anda martelando na minha cabeça e se eu não obter respostas logo, eu sinto que vou enlouquecer!

— E o que te faz pensar que eu teria essas respostas?

— É que você parecia entender a situação. E você me protegeu. Eu queria ver você de novo. Pode parecer estranho eu sei, mas você só não saiu mais da minha cabeça. É a verdade.

Ele disse um pouco nervoso por dentro, mas era toda a verdade que conseguia revelar. Dizem que a verdade é a melhor opção, então Sado Yasutora foi o mais sincero possível.

Em resposta à isso, a menina de casaco vermelho e camisa branca...

— Você é só um garoto. Não se envolva com o que não conhece.

Ela não disse por mal. Não continha nenhum teor de malícia nas palavras dela. Ela só queria afastar o dito garoto.

Por isso ameaçou dar as costas novamente, e ele sentiu que se ela fizesse isso, talvez nunca mais teria outra oportunidade de falar com a mesma.

— Espera! Se eu sou tão normal assim, então porque aquele tal de... Como era o nome dele? Mago Arcano estava me perseguindo, hein?

— O quê?

Ao revelar isso como suas últimas medidas, fez a garota volta a atenção para ele.

Sendo assim, ele continuou:

— É sério. Ele parecia ser envolvido com a mulher da lança e também parecia te conhecer, eu acho? Bem, a mulher da lança sim, e ele falava umas coisas de magia e religião ou algo assim. Eu não entendi nada! Mas ele deixou claro que queria muito me matar. Inclusive a ferida no nariz que eu já tirei tinha sido por causa disso.

Após ter explicado quase toda a sua situação, o jovem esperou ela responder alguma coisa.

Ela observava ele com um rosto de pura dúvida.

— Ele estava atrás de você? Como... Como está vivo?

— Eu bati nele. Mas por sorte o polícia apareceu e me ajudou de última hora.

— Policial é?

A jovem parecia levemente receosa com essa última revelação, Sado não entendeu e iria perguntar "algum problema?", mas ela logo levou a conversa para outro assunto.

— Eu não entendo. Porquê ele estariam tão interessados em você. Eles pensam que está comigo. Não faz sentido nenhum.

A jovem realmente parecia confusa. Sado imaginou que ela saberia disso e que talvez fosse a dona da verdade. Mas pelo visto até ela tinha seus questionamentos.

E ela voltou à ele:

— E você ainda diz que bateu nele? Não se vence um Arcano assim do nada.

— Eu sei, tá bom? Ele lançava fogo pelas mãos e tudo mais. Mas... Eu não sei dizer... Só não me feria?

— Huh?

Agora mais do que tudo, ele conseguiu um completo rosto de dúvida ser esboçado por ela. Que era tão lindo quando o rosto natural.

Em relação à isso, Sado coçou a cabeça falando um pouco desleixado:

— É uma doideira, nem eu entendo. Até pensei se você tinha feito algo comigo ou se eu consegui um super poder do nada, há, há, há.

— Mas não se consegue um "poder" assim do nada...

Ela falou mais para si mesma. E voltou a atenção para ele.

— Ei. Qual tipo de conexão com o sobrenatural ou o divino você já teve ao longo de sua vida?

— Oi? Uhhh... Nenhum? Porquê? Tá dizendo que eu sou assombrado!?

— Não isso. É que... Você é estranho.

— Você é a pessoa quem eu menos queria ouvir isso!

Se sentindo levemente atingido, o garoto suspira.

A menina colocou a mão no queixo e começou a analisa-lo. Parecia que só agora ele recebeu realmente a atenção dela.

— Hum... Você parece normal. E apesar dos meus poderes terem sido reduzidos para estar aqui, não sinto nenhum ínfimo resquício de poder mágico saindo de você. Sei que está vivo, mas não há energia mágica alguma. Então como assim? Seria uma barreira que te protege do perigo? Mas se fosse eu seria capaz de encontrá-la. Ei, jovem, posso tocar em você um minutinho?

— O-oi? Você estava aí falando várias coisas agora a pouco e parecem ser importantes! Mas OK! O que vai fazer?

A menina se aproximou de Sado Yasutora e elevou a sua palma até o peito dele.

— Eu só vou buscar a fonte da sua existência.

Concluindo isso, a palma fina dela foi tocada no peito dele que sentiu certo calor e o fez pensar: "que mãozinha pequena. Mas é fofa".

Todavia, a jovem menina ao entrar em contato com Sado Yasutora, arregalou os olhos e ficou imóvel.

— ...!!!

— O-oi... Aconteceu alguma coisa? Eu não tô fazendo e nem sentindo nada.

— N-não... Pode... Ser... C-como...????

Ela estava pasma. É até justo dizer que empalideceu ainda mais do que já era naturalmente, de tão horrorizada que ficou.

E Sado Yasutora vendo isso ficou preocupado e antes que pudesse verificar...

— Não toca em mim!!

A garota subitamente se jogou para trás e cambaleou um pouco para longe dele, o que deixou Sado amplamente perdido e sem reação.

— E-ei...

Mas mais sem reação do que ele, era a menina de belos olhos e cabelos brancos.

Ofegante ela olhou para suas mãos como que se tivesse perdido algo fundamental.

— Voltou...

No entanto, a breve expressão de desespero dela apaziguou quando a menina pareceu ter recuperado algo.

Sado mais perdido do que tudo, não entendia o que ocorreu neste exato instante. E tomado de preocupação, ele perguntou se aproximando.

— Você está bem...?

No intuito de obter alguma resposta, a pergunta foi lançada. Ele literalmente não havia feito nada então não sabia se pedia desculpas ou não. Foi espontâneo a reação anormal da garota.

E respondendo a pergunta dele...

— Ei... Faz o favor e não toca em mim novamente.

Ela falou tão seria que um silêncio constrangedor se instaurou naquele parquinho por alguns segundos.

E só foi quebrado por um...

— Hãaaaan?

...Um Sado que de nada entendia.

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— Presta atenção, jovem.

Sado se encontrava sentado dentro de uma casinha para crianças brincarem, a sua frente estava a garota de pernas cruzadas.

— Como você é sem dúvidas um "anômalo", eu irei te explicar como esse mundo de fato funciona. Anota que vai cair na prova.

Então a garota limpou a garganta e...

— Opa, opa. Primeiro de tudo, vamos acabar com esse mistério. — cortou ela, o Sado erguendo a palma razoavelmente. — Eu sou do tipo que detesta clichês, e não tô nem um pouco afim de só saber o seu nome em uma situação pós vida ou morte. Então vamos nos apresentar um para o outro, está bem? Eu começo.

— Uh, tá mas-...

— Eu me chamo Sado Yasutora, tenho dezoito anos, cabulo aulas esportivas. Prazer em te conhecer.

A garota foi arbitrariamente cortada e assim o menino Sado se apresenta. E então, ele olhou para a garota de feições mais que adoráveis e esperou-a fazer o mesmo.

Sem ter para onde correr, e vendo que não iria conseguir explicar nada caso não fosse adiante nisso, ela se ergueu aceitando seu destino, foi até o cercado dentro da casinha e se segurou numa extremidade da mesma, fazendo uma pose abrangente e erguendo a palma aberta para frente dizendo:

— Eu me chamo Yuki Sato! Tenho dezesseis anos-...

— Pera quê!? Dezesseis!?

— ...E sou conhecida por atuar nas sombras desta cidade!

— Não... Você têm dezesseis mesmo!?

— ...Prazer em te conhecer, Sado Yasutora.

— Eu buguei na parte dos "dezesseis anos"...

A menina soltou o pole enquanto via um Sado embasbacado com a revelação. Aos olhos dele (e de provavelmente todos que a vissem), essa garota seria digna da palavra "fundamental". Talvez "ginasial" seja o mais adequado, mas só os primeiros anos do mesmo.

Por isso, ficou estupefato quando soube que essa garota na verdade era uma adolescente perto de sua idade e que já estaria no ensino médio junto dele.

— O que tem essa parte? É os meus anos de vida. Ah, você prefere assim: "tenho pouco mais de 5.760 dias de vida"?

— Quê? Não! Só se tornou mais confuso!

— 138.240 horas de vida.

— Piorou ainda mais!

— 497.664.000.000 milésimos?

— Isso lá é número!?????

Embasbacado, ele se ergueu acocado para não dar de cabeça no teto da casinha onde estavam apenas os dois.

— Eu me refiro a você ter dezesseis anos parecendo que tem doze! No máximo eu daria uns quatorze!

— Você também acha? Há, há, há, há.

A menina começou a rir com a mão na boca. Ela não ficou zangada na forma como o jovem abordou seus pensamentos livremente, pelo contrário, pareceu se identificar com o que ele disse.

"Pelo visto, não é a primeira vez que ela escuta algo assim..."

Não era de se esperar que talvez uma garota como ela não tenha sofrido bullying ou passado por maus bocados ao longo de sua vida...

"Não, esquece. Ela é super forte afinal de contas."

Caso algo acontecesse, ele conseguia imaginar o valentão sendo preso pela cueca em cima de um lugar alto.

Contudo...

"O sorriso dela é tão fofo que eu só não consigo conceber de que ela realmente faria algo assim."

Por algum motivo, Sado Yasutora se sentia à vontade aqui nesta casinha. Ou melhor, junto dessa menina.

"Que será que ela faz da vida? No dia à dia? Será que eu..."

...Poderia fazer parte disso? Era o que se recusou a continuar pensando. Principalmente porque não tinha nenhum fundamento para isso.

Ele estalou a língua.

"Se atenha, Sado Yasutora. Você já tem um sorriso no formato de menina ruiva em seu coração!"

Brevemente se lembrou de Seminari Akage — sua admiração por 3 anos consecutivos.

"É melhor do que ficar correndo atrás de garotinhas..."

Enquanto terminava de encher a sua mente com besteirol, Sado se conectou de volta à realidade e prestou atenção em Yuki que se acalmava dos risos.

— Bem, bem. — aprontou ao bater palmas. — A conversa foi boa, mas hora de te explica sobre o mundo, tudo bem, Sado?

— Claro, professora.

Yuki riu.

— É isso aí. Respeite a sua professora, ou pagará 10 flexões no parquinho!

— Nããooo!! Que professora mais má que eu tenho, viu?

Eles riram por alguns segundos, saindo do foco completamente. Isso foi o suficiente para ambos decidirem em como veriam um ao outro com base em suas personalidades.

Nada como uma boa conexão para fazer o momento se tornar mais agradável.

Então Yuki bateu palmas, novamente.

— Certo, certo, certo. Hora de começar a aula de hoje...

E então, o garoto de cabelos pretos se viu sério e começou a prestar atenção.

— Vou começar com o básico, espero que você entenda.

— Manda bala. Pra um cara viciado em mangás e Light Novels como eu, acho que vou pegar bem rapidinho.

— Assim espero. — ela limpa a garganta e passa a explicar. — Neste mundo, Sado Yasutora, onde as pessoas consideradas comuns vivem isentas de certas coisas, a realidade vive se deformando. Do início ao fim. Sem parar. Sem nunca parar.

— Hum... Tipo uma ameba?

— Não é exatamente essa ideia de "deformação da Realidade" que eu quero que você imagine.

Com o rosto de confuso dele (que dizia pegar a explicação rapidinho mas acabou perdido na primeira fase), Yuki voltou a explicar.

— Deformações na Realidade são tudo aquilo que é categorizado como "anormal", "espiritual", "sobrenatural", "metafísico"... Algo que não se provém de toda a lógica do movimento natural das coisas. Em suma: o paranormal.

— Ohh... Saquei... Então o paranormal é uma distorção da Realidade por não ser algo digno da palavra "comum"?

— Bem isso. Você não vai ver por aí uma pessoa se teletransportando ou atravessando paredes. Isso é fisicamente impossível. É antinatural.

— Beleza, beleza. Acho que eu peguei o que é uma "distorção da Realidade", continue, professora.

Yuki sorriu vendo o garoto cheio de ânimo. Muito provavelmente o Sado era um dos poucos dos quais ela poderia revelar tal verdade oculta. Ou talvez ele seja o único em toda a sua vida.

Continuando ela:

— A distorção da Realidade ainda é um mistério, e não sabemos o porquê disso ocorrer. Então no intuito de desvendar isso, as religiões foram criadas.

— Entendi... Então era por isso que aquele cara tava me perguntando qual a minha religião?

— Falou alguma coisa?

— Ah, não. Estava pensando alto. Continue, please.

— All right. Então, Sado, os homens, através de práticas religiosas espalhadas pelo mundo, de sua forma e com seus costumes, conseguiram o impensável...

— Viraram uns cabeça oca?

— ...Eles se conectaram com os possíveis "núcleos" de tamanha distorções. Deuses.

— De-... Deuses!?!? Tipo... A mitologia grega!?

Sado se espanta.

— Exato. Zeus existe e está bem vivinho diga-se de passagem.

— Uohhh! E onde ele está!? Na Grécia??? Como que a gente nunca viu isso de perto!?

— Ele está em Júpiter. Com tamanhas tempestades, é impossível satélites humanos verem eles.

— Entendi...

A mente de Sado Yasutora explodiu neste momento. A mitologia grega, que ele lia, via e ouvia... Sua existência era comprovada por Yuki que verdadeiramente não parecia mentir e sim falar com total seriedade.

Ele preferiu acreditar nisso por enquanto. Era melhor do que ficar refutando a menina.

Por hora, era bom usar o mesmo como quando Maxuel Willians apareceu... Julgar como se tudo fosse verdade.

E assim prosseguia Yuki:

— Todas as mitologias existem. Os panteões e tudo mais. Todas as religiões estão certas em seus deuses e indivíduos.

— ...Insano.

— Mas... Nem mesmo através dos deuses chegamos a alguma conclusão lógica do porquê a Existência é tão estranha e complexa. O mundo metafísico, que é para onde sonhos e pensamentos vão. De um pensamento, a própria Realidade pode ser moldada.

— O-o quê...? Isso... Isso me parece perigoso...

— De fato. Bem... Imagine-se assim. Você em um dia sai de casa e tudo dá errado para você. Você se sente ruim em seu interior e por isso acaba pensando de forma negativa e falando só negatividades. Resultado...?

— Eu ser um ranzinza antes dos 30?

— O seu dia realmente será horrível.

— ...

— Nunca ouviu a frase: "palavras tem poder"?

— Sim, claro.

— Então... O mesmo serve para meros pensamentos. Com eles e palavras, você é capaz de moldar a realidade da forma em que você vê. Porém... Com força e insistência suficiente, isso se propaga não somente à sua percepção, mas sim ao mundo afora.

Sado pareceu pensar sobre algo...

— Então... Os esquizofrênicos...?

— Sim. Eles tem certo poder. Tudo depende da pessoa e da eficácia desse poder. E do quão conectado com a Realidade você está.

— Esse papo parece as aulas de filosofia, gostei.

Yuki riu disso e respondeu:

— A filosofia é uma forma de tentar explicar e estudar esses aspectos. Mas como se estuda algo que em sua maioria são pura reflexões com base na realidade à sua volta? O que de fato seria o "real" para todos, Sado Yasutora?

— Uhh.... Aí você me pegou... Eu diria que... Vai de cada um? Tipo... Se o meu modo de pensar... ele... bem... Ele muda a Realidade à volta, ou ao menos a minha, então cada pessoa, eu diria, que vive entre a sua própria concepção da Realidade e a Realidade compartilhada por todos.

— Bela tese.

— Estou certo?

— Eu não sei. Há como explicar isso? Eu acho que não devidamente.

— OK.

O assunto entrou inteiramente em áreas onde Sado Yasutora basicamente não esperava ouvir. Ele nunca que se imaginou discutir filosofia com alguém assim de repente.

Seria um tanto complexo essa explicação toda para alguém muito leigo. Porém, Yuki tentava fazer de uma forma que até mesmo um Sado Yasutora poderia entender.

Ela continuou:

— Sado... A "magia" existe. E a única forma de utilizá-la é se conectando com a Realidade, o pensamento, a fé e o divino.

— Por quê?

— Porque... A minha teoria é que a alma humana é a fonte de energia e conexão com o sobrenatural. Monges por exemplos, meditam muito para treinar a alma e desenvolver a magia. Houve o caso em que um homem, conhecido como o Budha, transcendeu a Existência subindo à um patamar inalcançável.

— O Budha...

O jovem cada vez mais ficava perplexo.

— Ele conseguiu isso pelo fato de conectar sua mente, como eu disse: os pensamentos; a sua alma, a fonte de todo humano; e o mundo ao redor. Assim, este homem atingiu a sua "iluminação" e talvez descobriu toda a verdade por trás da Existência em si.

— A minha mente está queimando já... Mas continue! Tá interessante...

— Okay. E bem. Quando alguém usa magia, ela está distorcendo a Existência através de seus pensamentos, desejos, vontades...

— E são os deuses que dão esse "poder"?

— Muitos acham que sim. Mas cá entre nós, eu penso diferente. — Yuki se aproxima de Sado e fala em tom de cochicho. — Eu penso que, como esses seres estão em um nível muito superior e mais poderoso da Realidade, quando a "porta" de contato entre um fiel e um deus se abre, a natureza dessa existência é despejada em nossa Realidade. Então assim, o homem consegue usar isso para moldar essa Existência mais baixa que é a que vivemos.

— Existência alta, os deuses. Existência baixa, o ser humano. OK.

— Gostei que aprende rápido. Já ouviu falar na Árvore da Vida Sephiroph?

— Não faço ideia do que seja isso. É de qual mitologia?

— É um pensamento Judaico filosófico e religioso. É basicamente, de forma bem resumida, a estrutura que explica os níveis de hierarquia da Existência, pensamento, concepções e a alma. E ali diz que nós, somos o plano mais baixo de existência e por isso somos tão "pobres" de espírito.

— O que é o nível mais alto?

— Deus.

— .....

— O Infinito. O Eterno. O Tudo. A Luz Primordial. Todo-o-Conhecimento. A origem do "Big-bang". A Energia motriz e essencial de toda a Existência em si.

— Uau... Eu... Eu tô meio bugado agora. É muita coisa pra ficar absorvendo, Yuki.

Sado Yasutora colocou a mão na testa já prevendo uma enxaqueca.

Yuki respondeu:

— Eu sei, eu sei. Confesso que me empolguei um pouco com a minha explicação. Mas enfim. Aqueles que exercitam a alma e se conectam com o universo (criação do divino) e com o divino, são capazes de distorcer essa Realidade baixa como a nossa.

— Hum...

Yuki era muito sábia. Parecia ser uma garota que realmente se importou em estudar o mundo em que vive.

Era chocante saber dessa verdade.

Porém, Yuki parou e se aproximou ainda mais.

— Mas eu não sou vinculada a nenhuma religião e consigo usar capacidades especiais que ninguém acreditaria.

— Como isso? Você treinou a sua alma ou algo assim, fora de alguma crença disponível?

— Não. Eu nasci assim.

— ...

Ele encarou aquela figura de tão perto que estavam face a face. Além das explicações absurdas, o que era mais absurdo era o quanto ela era linda e tinha o rosto bem formado e fofo.

Por um instante, Sado se desligou de toda a explicação e focou no rosto da Yuki que era liso e sem marcas de qualquer imperfeição. Imaculado e parecia macia a pele branca como papel.

Nesse estado de admiração, o rosto dele aqueceu, e ele já não mais foi capaz de manter contato visual com aqueles olhos de cores diferentes.

Sentiu-se aflito e escondeu o rosto.

— Oi... Tá tudo bem aí?

— Ai, caramba...! O-o que foi isso...?

"Tão perto. Muito perto! O rosto dela... Tão bonito..."

Enquanto se dava conta do que falava e de sua própria idiotice, ele ouviu Yuki se pronunciar.

— Você, Sado Yasutora!

— Ikk! Foi mal! Eu não queria ter encarado você assim do nada!

Imaginando que ela iria retrucar com ele, o garoto prontamente se defendeu.

Mas...

— Não é sobre nada disso. Foca aqui, por favor.

— T-tá...

Yuki parecia querer revelar algo a ele, mas Sado só não ajudava com as suas reações internas.

Mas agora tendo a atenção dele, que ainda achava difícil olha-la nos olhos sem se envergonhar, Yuki revelou que:

— Eu também sou capaz de distorcer a Realidade, visto que também uso habilidades especiais. Mas você, Sado Yasutora. Você vai contra tudo o que eu já vi na minha vida.

— Eu...?

Por um instante, o menino ficou tão espantado que nem percebeu que estava olhando para ela novamente.

Eis então o que Yuki disse à seguir:

— Sim, você, Sado Yasutora. Você é capaz de simplesmente reverter toda e qualquer distorção na Realidade. Foi o que eu concluí quando toquei em você.

— Isso... Eu... Por que...?

— Eu não sei. É um caso raro, viu? E tão raro que nem faz sentido!

A jovem menina levantou as mãos esboçando genuína reação de espanto.

— Eu toquei em você, e simplesmente desapareceu toda a sensação da Realidade que eu tinha sobre o mundo. Era como se... você bloqueasse o acesso da alma para com a distorção, ou algo assim. Simplesmente eu não era capaz de usar nenhuma anomalia.

— E-então é por isso que as chamas daquele mago não me feriam!?!? Porque eu... Eu... O que eu fiz mesmo?

Quando tentou interligar uma coisa com a outra, ele ficou perdido. Quando sentia as chamas passando por ele, elas não desapareciam de primeira, como Yuki descreve. Elas continuavam ali. Só quando Sado tomou uma atitude mais extrema que isso ocorreu.

Todavia...

— Interessante. Parece que "algo" te protege disso. Não... Não é isso também. Nada sai de você. Você literalmente não emana nenhuma distorção no mundo. É zero. Nulo absoluto.

— Como se fosse mentira...

Soltou de repente. Para ele, era como se aquelas chamas fossem algo falso.

Algo que não deveria existir na Realidade.

— Exato. Por isso você anula. Você não só não emite vibração alguma, mesmo estando vivo, mas é capaz de desfazer todo paranormal do mundo, deixando o mundo na forma como ele deve estar: sem nada de bizarro ou fantasioso. Essa é a raiz da sua existência, Sado Yasutora.

— Caracas! Então esse é a minha habilidade natural!?

Sentiu uma emoção avassaladora surgir em seu interior. Ele estava realmente feliz em ser alguém com poderes.

Assim pensou, mas...

— Não.

— Hein?

Não entendeu. E voltou a olhar sério para ela.

— Não é magia, se não seria capaz de rastrear. Não é "anti-magia", se não seria certamente uma distorção. Não pode ser considerado "habilidade", pois assim como o anterior, seria uma distorção da Realidade. Não é nada. É o absoluto querer de deixar o mundo a forma mais natural possível. Não emana sensações, nem sinal. Não se sente e nem se produz. E apenas... Você sendo você. O que é o mais bizarro de tudo.

— Me ofende quando você diz que eu sou o ponto mais bizarro depois de ter me contado a maior de todas as bizarrices que uma pessoa poderia escutar!

— He, he... Desculpa aí.

A jovem se desculpa coçando a cabeça um pouco tímida. O rapaz suspira.

— Então... Todo mundo pode fazer isso que eu faço? Porque eu, assim como uma boa parte da população do planeta, não somos adeptos à religião ou sei lá o que.

— Obvio que não. Pois se assim fosse, não haveria mais magia no mundo. Apenas você é assim. Eu realmente não entendo o porquê. É como a força reversa por trás da Criação.

— Isso me deu calafrios na espinha, nunca mais fale isso para mim, foi assustador pra caramba, tá bom!?

Ele só não poderia segurar mais a barra. Era difícil de aceitar. Tudo isso...

Ele sente medo do improvável. De que seja algum tipo de existência que nem mesmo ele entenderia.

Por isso, colocou a mão em si mesmo e apertou sua roupa com força.

"Eu sou humano. Nasci humano e morrerei como um humano! Eu sou só uma pessoa normal."

Assim preferiu acreditar. Assim queria acreditar.

— Bem. É isso. Então, não me admira que aqueles magos do Tarot queiram a sua cabeça agora. Você assim como eu, não fazemos parte de nenhuma seita.

— Que barra pesada viu? Mas bem... Se eu realmente posso desfazer a magia no mundo como se fosse mentira, então... Hum...

Ele pôs a mão no queixo e começou a pensar. Yuki elevou uma sobrancelha quanto a isso.

Para logo...

— Já sei! Vou dar um nome à essa "habilidade" que não é habilidade. Faker, o poder de destruir tudo aquilo que é falso, imaginário... Incomum!

Brandiu com um enorme sorriso. A ideia dele ser anormal mexia com ele, ainda mais depois de todas essas ideias sendo jogadas para cima dele. Mas Sado Yasutora de dezoito anos se sentiu alegre de ser o único assim.

Ele sentia que tinha algum "poder" de verdade. Mesmo a ideia dele ter "poder" seja algo paradoxal. Afinal, se ele tivesse algum "poder", o Faker anularia logo em seguida.

— Espera um pouco! Então eu nunca vou poder fazer nada legal como um Kamehameha ou um Bankai da vida?!?

— Desculpe, mas eu não sei o que é isso.

A menina permanecia ao lado dele e se pronunciou então.

— Hein? Não conhece esses poderes famosos de animes e mangás não, menina? Estamos no Japão, e na era da internet onde a pirataria rola solta. Nunca viu não?

— Nem faço ideia. Foi mal aí mas não me dou bem com aparelhos elétricos. Meu corpo é bastante sensível.

— Quase que eu levo pro mal caminho...

— ?

— Nada não. Bem. Eu prometo que te mostro algum dia. Você vai se amarrar. É quase essas explicações doidas que eu já esqueci, que você me deu.

A menina esboçou um sorriso amarelo.

— Hey... Que parte do "eu não me dou bem com aparelhos elétricos" você deixou escapar?

— Nenhuma, não. Mas sinto que é o meu dever como otakau raiz converter outras pessoas à minha religião.

Yuki soltou uma risadinha pelo nariz e se levantou.

— Tá bem, tá bem. Mas se a sua televisão explodir, a culpa não é minha, está bem?

— Há, há. Se isso acontecer eu vô tá muito ferrado.

Sado se ergueu logo em seguida e espaireceu de toda a conversa que acabou de ter.

Ele iria perguntar mais coisas para essa menina baixa e de aparência frágil, mas ela reagiu como se...

— Eu tô sentindo algo! É uma maldição. Está para o sul daqui!

— Epa, sério mesmo? O que vai fazer?

— Não é óbvio? Eu vou eliminá-la. É isso que ando fazendo pela cidade dês de... sempre?

— ....

"Ela sempre era assim? Tão... solitária?"

Imaginou isso. Yuki, uma menina tão esperta e incomum, vivendo assim dia após dia e sem amigos. Ao menos ela não aparentava ter nenhum.

Quem iria entende-la?

Ela sabia dos perigos que teriam caso se envolvessem com ela, e por isso afastava as pessoas de si com encenações.

Sado não podia deixar isso assim.

— Tá certo. Eu me decidi. — falou de repente e bateu o punho.

— O que foi?

— Não é óbvio? Você quer lidar com essa "maldição", não quer? Posso acabar com isso com apenas um toque! — sorriu.

— Você... Você quer me ajudar!? Mas pode ser perigoso...

— E daí? Se for magia, eu nem vou sentir. E você também não sente que precisa de um parceiro de crime?

— Crime é uma palavra bastante ruim... E a gente nem sabe o real significado desse "Faker". Tudo o que eu falei não passa de mera especulação! Devemos estudar isso melhor.

— Tá aí a resposta. Você me vê em ação e juntos, acharemos algo. Que tal?

— ....

Ele pegou ela em suas palavras. Não importa o quanto tente ignorá-lo. Isso seria impossível para a determinação dele.

— Além de que... Você não estaria mais tão sozinha assim...

Falou meio sem jeito. Embora, fez Yuki arregalar brevemente os olhos bonitos.

— Sado...

Ele estava resoluto. Havia como recusar isso?

— Tá certo, então. Você vai comigo. Mas tome muuuito cuidado.

— Tá beleza.

— Vai ser bem arriscado. Por mais que eu estarei com você e cuidando de tudo.

— OK.

— Leve isso a sério por favor... Não quero ninguém se machucando...

Ele sorri.

— Heh. Mas é claro que eu vou, afinal...

— Afinal?

— Você vai ter que assistir One Piece comigo.

— One... O quê? Ah, certo. Deve ser mais um anime, não? — ela suspira. — Tudo bem. Eu assisto isso com você.

— Então tá falado! Simbora!! Bora salva o mundo!!

Diante de tamanha empolgação, ela sorriu e olhou para frente. A vista era da rua. Mas estava diferente.

Era Yuki quem estava diferente.

"Eu percebo. Então é isso?", pensou ela.

Sim, de fato era.

O sentimento de compactuar com alguém. Em outras palavras...

...Amizade.