Correndo pelas ruas movimentadas de Kandori no Uta, sua cidade, Sado se via apreensivo.
Sem celular ou meios de comunicação. Sem dinheiro e recursos.
Sem o saber de ninguém.
Com apenas uma efêmera esperança seguindo a sua intuição (muitas vezes invejável), ele avançou sozinho.
— Eu sou um idiota? É, eu sou um grande idiota!
Não se sabe se ele poderia chamar isso de "senso comum" de algum tipo de sentimento de heroísmo ou apenas uma grande idiotice dele, mas o fato de ter tomado essa ação sozinho o fazia se arrepender enquanto sentia sua determinação de antes se esvaziar aos poucos como água em um balde com um furo.
— É, eu sei que ela é forte. Ela é forte pra caramba! É sobre-humana! E talvez pode cuidar da situação toda sozinha e eu estar indo até lá me faz um idiota por completo. Mas eu não conseguido ignorar que estou preocupado.
Havia nele um sentimento primitivo que nasce em todo ser humano e se desenvolve naturalmente. É abstrato e pode ser vivido por todos — a sensação de empatia e proteção.
Ainda mais quando o combustível motriz desse desejo era uma garota.
Yuki era uma garota de aparência frágil.
Ele se sentia na obrigação de fazer algo.
Sado nutria isso.
— Ademais, se algo acontecer com ela e eu posso evitar, então por que não evitar? Mas que merda! Por que tem que ser logo eu??
Pensou em Kitogawa, a pessoa mais certa para esse tipo de situação. Homem forte, alto, inteligente, policial seguidor da ordem e da lei, e que provavelmente daria um jeito.
Ele seria mil vezes mais capaz do que o Sado em uma situação como essa.
O problema era...
— ...Não devo envolver mais pessoas nisso.
Por mais que o policial foi capaz de abater o louco do Maxuel com facilidade, não tinha como saber o resultado caso Sado o levasse junto. Era provável que ele acabasse fazendo mais vítimas.
Ele estava dividido.
Todavia...
— Pera... Vítimas? O que... O que eu tô pensando!? A confiança em mim tá tão baixa assim é?
Correndo frenético pelas ruas até sentir suas pernas cansarem, ele se questionou rudemente.
Qual era o sentido de se por em uma situação de risco com uma determinação que oscilava toda hora?
Sado Yasutora não era um lutador.
Sado Yasutora não era um guerreiro.
Sado Yasutora não tinha poderes refinados.
Sado Yasutora não era um gênio.
Sado Yasutora era apenas um jovem de dezoito anos do ensino médio que reprovou três vezes por motivos diversos.
E mesmo que a sua mente o bombardeava com negatividade, as suas pernas não paravam de se mover.
— Infelizmente, só eu posso fazer isso...
Era como se ele quisesse chegar lá e ver com seus próprios olhos o que tanto temia, ser destrinchado por uma cena de vitória boba — e tudo ficasse bem logo em seguida.
Como que mostrando para o seu interior confuso e agitado que ele estava errado.
Dizendo para si mesmo que essa situação ruim não passava de um mero receio e que só precisava confirmar com seus próprios olhos.
Por isso...
— Eu sou realmente um grande imbecil...
...Ele continuou correndo.
☆☆☆
...Já era o fim da tarde e ele correu pela mesma direção durante um tempo. Sua velocidade reduziu tanto que começou a caminhar e caminhar antes de voltar a impulsionar suas pernas por mais alguns segundos e repetir o mesmo processo.
— Arff... Arff... Sinto que tô perto. Que bom que não tô correndo à toa.
Quando ficou com dúvida de para onde seguir, ele usou a sua má capacidade de comunicação e perguntou para algum transeunte que passava.
Perguntou sobre a Yuki e se eles tinham vistos alguns eventos bizarros acontecerem.
Infelizmente todas as respostas, ou a maioria era um "não".
Porém, começou a ser mais ousado e falou coisas que o envergonhavam um pouco, como "você passou por algum lugar e sentiu como se estivesse algo estranho acontecendo?", e por sorte houveram pessoas dizendo e apontando.
Coincidentemente era a direção do qual ele se dirigia.
O jovem andou mais um pouco e percebeu que estava indo para uma parte menos cuidada da sua cidade.
O asfalto estava sujo e rachado. Existia uma linha de trem velha e sem uso faz décadas e os apartamentos eram a cara da deterioração pelo tempo e maus cuidados.
E obviamente...
— Não tem mais ninguém por esse lado. Ah, que sede.
Enquanto andava atento por aquela parte assustadora banhada pela luz alva da noite, ele avistou uma máquina de bebidas automática e se interessou em comprar algo.
Chegando perto, ele retirou algum trocado da bolsa (que carregou pra lá e pra cá) e vasculhou algumas moedas jogadas lá dentro junto do material escolar.
— Aquele lanche ainda tá aqui. Mas não é isso o que eu quero agora.
Ele tinha embrulhado e guardado o lanche comprado por Yuki naquela lanchonete e lembrou dela novamente.
"Uma menina como ela... Eu disse que a ajudaria, não disse? He, he... Seja homem e vá até o final".
Resoluto, Sado só precisava repor as forças, então conseguiu achar algumas moedas de Ienes japonês e escolheu uma soda.
— Espera... E se esse aí também for uma maldição como aquele outro? Há, há. Boa tentativa, mundo paranormal. Mas eu não vou cair nessa.
No dia passado, antes de ser recebido pela mulher de preto em seu apartamento, Sado se deparou com uma máquina de bebidas amaldiçoada. Curiosamente nada ocorreu com ele no final disso. Provavelmente "Faker", o seu dom único impediu até mesmo isso.
— Se o meu Faker é capaz de desatar maldições, então é só eu tocar nessa coisa e tá tudo certo, não?
Se indagando, ele olhou para o lado e avista uma movimentação. Era um senhor mal vestido e parecia deslocado.
Era um morador de rua.
— Com licença, senhor. Mas essa máquina aqui tá suave? — apontou ele.
O homem parou e o olhou com cara de quem não vê todos os dias um estudante do ensino médio vagando por essas ruas.
— ...
— ...?
"Será que ele é surdo? Bem, não importa. É só eu repetir o que fiz ontem."
Ele desviou a atenção do morador de rua e foi até a maquina de bebidas. Colocou três moedas e selecionou algo.
No que um som foi produzido e ele pode receber seu refrigerante.
— Caramba, finalmente uma bebida. É até meio estranho uma máquina dessas funcionar em meio à um local assim. Isso tá aqui a quanto tempo, hein, tio?
Se virou paro o morador que ali estava.
E viu que subitamente uma protuberância escura, como uma sombra viva em forma de garra saía das costas do homem.
— .......
Anormal. Sobrenatural. Perigo. Perigoso. Surreal.
Os instintos do garoto apitaram no mesmo instante.
— Uaaah!!
Aquilo avançou em Sado Yasutora como uma coisa viva, afim de desfigura-lo onde estava.
Por puro reflexo, ele se jogou para o lado, caindo no chão e recebendo o impacto do solo.
— Uhg... Agi sem pensar...
Felizmente o seu ato de desespero súbito o fez perceber que foi necessário para não ter recebido o mesmo fim que a maquina de vendas automática.
— ...É mentira, né?
A maquina foi completamente obliterada pelas garras azeviche que a partiram em 3 partes.
"Eu poderia ter morrido."
Quando esse comum, típico e sincero pensamento brotou dentro do seu ser, Sado Yasutora tomou reconhecimento do perigo em que estava diante.
O medo invadiu o seu sistema nervoso.
Ele ficou horrorizado e sentiu seu coração bater mais rápido e cada vez mais forte.
— D-droga!
O morador de rua se virou para o garoto que escapou do seu ataque e retorceu a garra que saía de um lado de suas costas de volta.
Prevendo que era um enorme perigo continuar diante dele, Sado se ergueu as pressas e levou sua mala junto.
"Merda, merda, merda, merda, merda, merda!"
O que poderia acontecer caso fosse acertado?
Faker poderia destruir aquilo, certo?
"Será...?"
Houve um momento de dúvida. Ele não poderia arriscar tentar algo.
Porém, não era como se ele tivesse em posição de escolher.
Diferente das chamas de Maxuel que eram abstratas, essa garra escura parecia algo físico e tangível.
— .....
Vendo o Sado que tentava escapar ligeiro, o morador de rua contorceu a sua garra escura e o atacou novamente.
Aquilo definitivamente iria acertá-lo nas costas.
E seria o fim.
A garra o perseguiu com velocidade anormal em linha reta e iria trucidar o jovem chamado Sado Yasutora ali mesmo.
Nada restaria.
Mas...
— FAKER!!!
Houve o som de bloqueio.
Imprudentemente, Sado virou o torço enquanto corria e usou a mão livre para bloquear o ataque anormal com sua "habilidade", dita por Yuki que não é uma habilidade..
O resultado foi um bater de palmas.
Era como se ele sentisse bater em sua palma algo duro e pesado, mas nada ocorreu com seu corpo.
Ambos, Sado e a garra preta, rejeitaram um ao outro após se chocarem e se arremessaram em direções opostas com a onda do impacto.
— Uhg, mesmo assim eu senti o golpe...!
Era como ser capaz de bloquear o tiro de uma bala de canhão, sair ileso, mas a força e velocidade da bala continua sendo maior que a massa do seu corpo, o fazendo ser arremessado para longe.
Embora, a garra aparenta ter batido em algo impossível de se atravessar e também foi bloqueada para longe.
Mesmo não havendo massa.
Mesmo não havendo brilho ou cor.
Nem volume e nem cheiro.
Não havendo nada.
Apenas a ação de mexer o braço daquele rapaz.
Era essa a defesa de Faker e a garantia para a sua vitória.
Caindo no chão novamente, Sado Yasutora ergueu meio atordoado e verificou o que havia acontecido.
O mendigo estava de pé e sem danos aparentes. Claro, o golpe de Sado, que mais serviu para se defender do que atacar, não o atingiu diretamente mas sim aquela garra.
No entanto...
— Por que ela não desapareceu!?
Aquela forma bizarra ainda existia no mundo, bem diante de seus olhos lúcidos.
Aquilo ainda estava saindo das costas daquele morador de rua como se Sado nunca tivesse feito nada.
A premissa da sua habilidade não era destruir outras habilidades?
— Então por que...? O que eu fiz de errado?
Ele olhou para a sua palma pensando no que poderia ser.
— Será que foi muito fraco?
Os mistérios de Faker eram muitos. Ele não sabia usar a sua habilidade. E como poderia? Acabou de tomar ciência de que a tem. Não era como se ela viria com um manual de instruções.
— Será que eu recebi de algum deus ou sou alvo de alguma profecia?
Especular era tudo o que ele poderia fazer.
Tão anormal. Tão incomum. Tão misterioso era esse "dom".
— O pior de tudo é que eu não sei quando ele está ativado ou não. Eu não sinto que sou um "super-herói" ou que tenho algum superpoder. Eu não sinto nada.
Para ele, era como se nada tivesse mudado em seu ser. Nada mudou. Ele era o mesmo Sado de sempre. Não ficou mais forte e nem ágil. Também nada mudou em seu interior e nenhuma aura mística de poder se via nele.
Ele continua o mesmo garoto de aparência indefesa e desarmado diante de uma monstruosidade como essa.
Era por isso que ele não poderia ficar se apoiando nesta habilidade toda hora. E se houver alguma situação em que o garoto acabe por sofrer grandes danos por confiar demais?
Era essa a faca de dois gumes que era o Faker.
Por isso, ele:
— Vou acabar com isso de uma vez por todas. Eu devo acertar um soco no portador da arma e não na arma em si.
Ele cerrou os punhos com força.
— Só assim eu venço.
Se a garra não desapareceu, era porque talvez a fonte natural desse poder era o próprio sem teto. Sendo assim, Sado Yasutora só precisava atingir o núcleo dessa fonte e acabar de vez com esse mal.
— Pode vir. Eu vou destruir essa fantasia e te trazer de volta pra realidade! Onde eu estou!
Determinou assim.
— .....
Por outro lado o morador de rua demonstrava uma feição inexpressiva dês do início.
Estava mais parecido com um "zumbi" se serve de comparação. E isso... Isso era grotesco demais.
Uma caricatura horrenda e ausente das faculdades mentais.
Tal ser assim, só demonstrava uma única característica...
"Deve ser controle mental ou algo assim... Segundo os meus conhecimentos em videogames e Light Novels, então esse aí deve estar sendo controlado por algo. Seria aquela coisa preta saindo das costas? Tipo um... Parasita!?"
Não existia nada mais repugnante e miserável do que um parasita. Uma entidade que não consegue viver sozinha e toma posse da vida de outro ser para se tornar vivo e capaz. Eliminando-os aos poucos.
— Pensando assim, faz parecer que eu fui um parasita a minha vida inteira...
Ele soltou um sorriso sem graça enquanto uma gota de suor escorria pelo seu rosto.
Sado Yasutora sempre se apoiou nas pessoas ao seu redor para viver a vida. Sempre dependia de tudo e de todos. Sempre era alvo de olhares que o viam como um humano "indefeso".
Dês da infância. Dês do seu nascimento. Dês do presente momento...
Mas aqui não havia a quem recorrer.
O garoto estava sozinho e isso era a realidade que ele teria que se conformar.
Era a realidade que ele iria trazer aquele sem teto de volta, o livrando desse parasita.
— Ou seja lá o que isso for...
Por isso...
— ...Certo, "Faker-san"... Me ajuda nessa, senão eu posso realmente e literalmente morrer aqui...
Ele se pôs em guarda, afiando o seus instintos e o seu espírito de batalha.
Com o coração batendo rapidamente dentro do peito, era como o sinal de que ele iria lutar aqui e agora.
"Porque eu sou bonzinho?"
Não...
"Porque eu gosto de arriscar a minha vida?"
Também não...
"É porque você quase me matou, seu desgraçado imundo!"
Pela obrigação de fazer algo.
Simples assim.
Quando seu coração gritou isso, ele saiu em disparada correndo em direção ao alvo a toda velocidade.
Músculos cansados eram recebidos por cargas de adrenalina e a dor se tornava algo ínfimo aqui.
Os olhos e audição tornaram-se fixos no seu objetivo e todo o redor era sem importância.
A adrenalina causava isso naturalmente no interior do ser humano quando em estado de emergência e perigo extremo.
Por isso ele deu tudo de si contra Maxuel Willians naquele hotel.
E era por isso que ele daria tudo de si agora, na sua segunda luta onde teria que usar os punhos para vencer.
Cair aqui significaria a morte.
Morrer agora, seria como jogar toda a sua existência de dezoito anos fora.
E Yuki poderia ficar triste.
"Sim... E eu não a quer ver triste por MINHA causa...!"
Então ele tinha que lutar.
— Eu já causo problemas demais para as pessoas. E você, braço esquisito, não está fora dessa!
Ele cerrou o punho pronto para dar o soco da vitória.
Um soco com toda a potência do seu corpo energético.
Todavia...
Todavia o oponente não iria ficar parado.
Aquela mão escura se estendeu das costas do homem e foi em direção ao Sado, um pouco mais veloz que as pernas do garoto, com a intenção de esmagá-lo no chão como se fosse um inseto.
— Não vai não! Faker!!!
Ouve o som de um grande estalo.
O punho dele entrou em colisão com a garra aberta e a jogou para trás como se a massa e a velocidade daquele ataque fossem completamente anulados.
Era como socar uma folha de papel.
— Não tô no fim!!
E ele não deixou que isso o parasse.
Não iria o parar.
Ele cerrou o outro punho e continuou correndo visando o homem de aparência mórbida.
A garra foi rebatida e agora a guarda do oponente estava completamente exposta.
Era só um golpe.
Um único toque.
E seria vitória.
Seria o fim.
Entretanto...
— ....
A garra rebatida se contorceu de forma estranha e se dividiu em dois braços.
O braço novo foi em direção ao Sado afim de impedi-lo.
— Eu disse que não tô no fim! Faker!!!
O soco explodiu a mão daquele tentáculo novo que se formou como se fosse um balão de festas super frágil e inofensivo.
Ele não sabia os efeitos do seu "poder", mas dizer o nome toda vez que vai atacar era a sua segurança.
Ele não disse nenhum nome na luta contra Maxuel quando apagou aquelas chamas, mas Sado não poderia arriscar.
Ele não iria correr o risco de ignorar os seus avisos.
E então, novamente o garoto corria e estava cada vez mais perto.
"Eu consigo!"
Sem peso no corpo, ele havia deixado a bolsa para trás e estava leve.
Aos poucos o medo era substituído por uma sensação de conquista e determinação.
"Quando... Quando foi a última vez que eu senti isso!?"
A quanto tempo ele não se via tão vivo assim?
Faltava emoção em sua vida.
Faltava o sentimento de que ele poderia fazer algo.
Lhe faltava confiança.
— ...
Assim que tomou noção disso, Sado foi desferir um golpe no homem.
Era nítido sua vitória.
Porém, o homem controlado aparentava ter movimentações e desviou saltando para trás.
— O quê? Tu se mexe também é!?
No que ele saltou, recuperou as garras de volta. Eram 3 no total agora. A segunda que Sado explodiu, se formou em duas.
— Tá me parecendo a Hidra isso aí. Aquela serpente que a cada cabeça cortada, cresce mais duas no lugar.
Ele sorriu e apertou o punho que tremia.
— Eu gostei.
Tamanha era a emoção que sentia. Que percorria cada célula do seu ser.
Era como uma fantasia.
Mas era a realidade.
Então porque tão convicto?
"É porque..."
Aqueles tentáculos azeviches partiram em direção a Sado Yasutora para esmagarem em conjunto.
Os três se juntaram em uma mão gigante e pesada e iria prensa-lo no solo, fazendo dele uma poça de sangue e entranhas.
Mas...
— Faker...
Ele ergueu o punho parado e tudo aquilo estourou, fazendo a pressão do ar jogar vento para todos os lados.
"É porque essa habilidade é realmente invencível..."
A criatura parasitária parecia reter algum tipo de autoconsciência, e por conta disso se sentiu surpresa e desafiada com aquele jovem de aspecto fraco estar se sobressaindo nessa batalha.
Isso era imperdoável.
O mendigo começou a tremer enquanto fazia um som com a garganta, semelhante a um pesado grunhido de um morto-vivo.
Era como se ele entrasse em colapso.
Estrava tremendo com algum desejo incomum que iria sair.
Queria sair.
Seria expelido quando...
— ....
Quando mais uma garra saiu do outro lado das costas do mesmo, destruindo sua carne e o tornando ainda mais horrendo e perigoso.
E essa nova mão pareceu dar forças a outra que se regenerava do simples soco.
Não obstante, ambas criaram outros braços que saíam uns dos outro e uns dos outros. Eram umas dezenas de braços vivos que se remexiam e não paravam de sair.
O horrendo se tornara mais horrendo.
A monstruosidade pareceu ainda mais uma monstruosidade.
E Sado?
Ele...
— Vem.
Ele riu e levantou o punho.
Havia convicção subliminar em seu olhar.
Existia ali um olhar afiado em uma face convicta.
Nenhuma palavra precisava ser dita aqui.
Aquele emaranhado de mãos foram em direção ao infame Sado Yasutora que parecia balbuciar em seu pico de êxtase.
E ele, vendo todo aquela imagem de algo que lhe poderia trazer o seu fim.
Arregalou os olhos.
E sentiu emoção.
Uma emoção enérgica percorrer todo o seu corpo.
Era como se...
Como se...
— Caramba! É como aqueles sonho meus que eu mato os bicho tudo e não sofro nenhum dano!!
O jovem se jogou naquela sensação e saiu dando soco atrás de soco. Pontapés atrás de pontapés.
E tudo era destruído.
E tudo era arrancado.
E tudo era esmigalhado por ele.
— Uuuhaahahahahaha!! Isso tá muito F*! Ca*! Eu me sinto invencível!!
Quando as garras vinham. Ele as golpeava e as dizimavam como se elas fossem de mentira.
Quando os tentáculos se juntavam e o acertavam. Eram igualmente aniquilados como se o corpo de Sado fosse feito de pura matéria destruidora.
Apertavam seus braços. Mas ele não sentia que era segurado. Não sentia dor alguma. Do contrário, as mãos apenas se eliminavam.
Tocavam suas costas e eram apagadas.
Tudo estava sendo apagado.
Um por um.
Apagado.
Dez por dez.
Apagado.
Cem por cem.
Obliterados.
E assim ele foi varrendo tanto, até chegar no ponto de não ver mais nada a não ser uma muralha de braços negros como sombras que se remexiam pra lá e pra cá e tentava impedir o Sado como uma torrente que o afundaria na escuridão.
Mas todas as trevas eram subjugadas com o abanar de uma única palma comum.
— Faker!
Estilhaçadas como vidro, as mãos se quebraram até o cotoco que saíam das costas daquele sem teto.
E toda a visão se tornou limpa e altamente visível.
— Só falta você.
Ele cuspiu no chão após ficar 15 minutos lutando contra braços e formas.
O mendigo pareceu recobrar certa consciência e as mãos pareciam murcharem atrás dele como uma planta sem vida e sem vigor.
Mas elas ainda estava grudadas nele.
— N-não me mata... — suplicou o homem.
Parecia sentir dor. Parecia angustiado.
Mas Sado não deu ouvidos. Guardou uma mão no bolso da calça e andou em direção a ele.
A cada passo de aproximação do Sado, fazia o homem, sem forças, tremer em medo.
— Por favor...! Não me mata...! Eu só... Eu só...
Mas Sado já estava na frente dele.
— Eu só estava seguindo ordens...!
A mão do garoto fechou e se elevou até o rosto assustado do homem.
— Isso é por ter quase me matado.
— Waaah!!
Ele gritou e cerrou os olhos.
Então sentiu.
— Faker.
Sentiu um toque fino na testa.
Não doeu.
— ...Heh?
Ao abrir os olhos atemorizados, viu o menino parado e com um sorriso leve em sua feição.
E o dedo indicador que tocou sua testa.
— O que... O que fez comigo?
— Te livrei dessa.
— Me... livrou...?
Quando percebeu, viu que aquelas protuberâncias das costas estavam se desfazendo como cinzas.
A existência daquela anormalidade foi aniquilada da Realidade com um único peteleco na testa.
Quando percebeu isso, o homem ficou chocado.
Alívio percorreu-o desesperadamente, como se agora ele estivesse livre e sem amarras.
Sem angústia e sem mais dor.
Tudo o que ele falou para o Sado foi:
— Obrigado...
E as lágrimas correram pela sua face sem se conter.
— Muito obrigado, meu jovem...
Vendo o menino dar as costas sem nada dizer, o homem agradeceu dezenas de vezes aos céus.
Sado vendo que já havia terminado. Recolheu sua mochila do chão e saiu andando.
Ele andou se sentindo grato.
Grato por ter concluído a sua tarefa.
— De nada.
...E por ter ajudado alguém desesperado e que parecia irreparável.
♧◇♧◇♧
Em uma área remota, a penumbra da noite estrelada recobria a todos.
Aquela praça abandonada estava vazia e solitária.
Estaria, no caso. Afinal de contas, ali se viam duas pessoas.
Duas mulheres.
— Maxuel foi entregue às autoridades... Eu estou realmente zangada. Que bom que veio. Você é mesmo obediente.
Dizia a mulher de longos cabelos negros e batom vermelho sangue.
A ouvinte, uma jovem pequena de aparência angelical, digna da palavra "deusa grega" respondia com leviandade.
— Nunca desprezo a oportunidade de conversar. Ainda mais vindo de uma amiga.
— Calada...
Ambas as mulheres estavam com suas roupas meio sujas e rasgadas. A menina, Yuki e a mulher de olhos vermelho haviam tido um conflito aqui.
E Yuki parecia um pouco desgastada.
— .....
Segurando seu braço direito dolorido, a jovem tentava barganhar.
— Essa luta não têm sentido, Fenícia! Eu repetirei as mesmas coisas que disse antes de lutarmos: eu NÃO vou ferir você! Eu não quero continuar com isso! Por isso desista!
— Hah. Acha mesmo que palavrinhas soltas irão me fazer parar? Você realmente não entende. É a mesma Yuki de sempre.
— Não entendo? Está enganada. É você quem obedece as normas daquela seita. Olhe pra isso. Está ferindo pessoas. Espalhando maldições por todo canto. E tudo isso pra quê?
— Para provar o meu valor. Isso é tudo.
— Valor? Quê há de valor em tudo isso? Não há valor algum. Não há charme algum. Não há mérito. Não há dignidade nenhuma. É corrupta e maliciosa.
— Calada! Eu faço tudo isso pela sociedade que me acolheu! Não espero que uma largada como você entenda sobre isso!
A mulher pareceu se irritar a respeito das duras palavras de Yuki que atingiram profundamente em seu coração.
Um passado. Uma dedicação. Uma convivência. Uma doutrinação. Um voto. Uma confiança e um estilo de vida.
Tudo isso pareceu afetado quando aquelas palavras a atingiram com fervor.
Mas Yuki não estava agindo conforme o sentimentalismo.
— É uma sociedade corrupta e vil que abusa das práticas de tarô para fazer o que querem. Não há louvor algum em suas ações. Nenhum de vocês. Não há nada a não ser engano e designação!
— Vagabunda!! Se quer tanto assim morrer então morra por cada palavra proferida!!
Ela segurou aquela lança de metal com raiva e rancor e a disparou com fervor contra Yuki Sato que arregala os olhos.
Aquela arma perfuraria o peito de Yuki caso ela não tomasse alguma ação agora.
— ....
Porém, nem ela e nem a mulher de preto, Fenícia, pareciam ter percebido o borrão que saiu do matagal logo atrás de Yuki e que...
— Faker!!!
...E que rebateu aquela lança de metal com um chute como se ela não fosse nem feita de isopor.
— .....!?
A arma voou longe tendo sua trajetória mudada pelo ataque súbito e cravou na areia da praça abandonada.
Ambas as garotas ficaram surpresas.
Mas quem mais ficou chocada era a jovem Yuki que via as costas de quem menos queria ver aqui.
— Sa-Sado!? O que faz aqui!? Eu pensei ter dito pra você não vir. Você leu o meu bilhete por acaso?
— Eu li. E eu vim mesmo assim.
— ...
Ela ficou desacreditada por alguns segundos, encarando as costas dele que ventilavam com o vento noturno.
Ele estava aqui. Sado Yasutora de fato estava aqui.
Mas não era a teimosia dele em ignorar os avisos de Yuki que mais abalaram-na. Mas sim o fato de...
"Ele rebateu aquela lança sem se ferir..."
Olhando para mais além, ela via a arma, maior que a própria Yuki em comprimento, cravada no chão.
Ela tinha noção do peso que era esta arma.
Foi uma arma que destruía o asfalto como se fosse uma bala de canhão.
Foi rebatida por Yuki antes, e até mesmo ela sentia o peso maciço do poder que tinha a lança.
Não era uma lança normal. Era mágica, sem dúvidas.
E Sado a repeliu sem sequer sentir que chutava algo pesado.
Concluindo brevemente seus pensamentos Yuki voltou a olhar para frente quando a voz daquela mulher soou novamente.
— Oh, o menino de antes. — ria ela felizarda e surpresa em vê-lo.
— Yo, Sado aqui. E prontão pra te encher de porrada.
— Sado, você vai lutar? Mas você... Mas você...
— Relaxa, Yuki. Eu prometi, não prometi?
— ...
Ele olhou para ela de soslaio.
— Eu disse que iriamos assistir TV algum dia desses. Além do mais, é o meu pagamento por ter lanchado comigo hoje mais cedo. Obrigado mesmo.
— ...Você é meio estranho.
— Olha só quem fala! Você, Yuki Sato, é a mais estranha de todos aqui! — dizia ele se virando alterado.
— Baixou a guarda.
A voz da mulher surgiu mais além, e junto um ataque de faca que iria atingi-lo.
— Faker.
Mas ele repeliu girando a mão pra trás. A faca bateu em seu punho e voou para longe.
Ele nem sentiu.
— Eu ainda não entendo... Você só aparece aqui. Se arriscando e tudo mais... Você ainda é só um humano, sabia?
— É tô ligado. Mas sabe...
Ele se virou e encarou a mulher de preto.
— ...Se eu posso fazer algo... Então eu farei.
— .....
— E se isso for ao menos manter você segura. Então eu vou fazer isso.
— Sado...
Ele estava determinado. Dês do início. Mas agora havia um motivo a mais.
O qual era:
— Após isso, Yuki, eu quero descobrir os místicos mistérios ocultos sobre esse mundo, e saber o porquê eu tenho esse dom agora. E para isso, preciso que você me guie e me ajude!
— Como é bobo... Há, há, há... Eu te ajudo sim. Será um prazer resolver os enigmas ocultos sobre a magia com você, Sado Yasutora de 78.840 dias de vida. — falou rindo.
— Você disse isso mesmo... Certo. Agora... O que eu tenho que socar?
...Ele perguntou remangando o punho.