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Chapter 4 - Parte I - Atrás da Luz Prismática

"O universo não parece nem benigno, nem hostil, apenas indiferente. " CARL SAGAN.

— Senhora?

Amanda ergueu os olhos, tirando a atenção da tela de seu telefone celular. Fitou a atendente atrás do balcão, esperando-a entregar o pagamento.

— Me desculpe, o que disse? — Amanda averiguou, confusa. Havia se distraído, e não a ouviu falar o valor devido.

— São 12 e 50, moça — retorquiu a atendente, visivelmente irritada.

— Oh! Desculpe... Hum...

Amanda sempre perdia a noção quando trocava mensagens com o seu "namorado virtual", como ela costumava chamar. Um rapaz chamado Rafael, cujo perfil em um aplicativo de paquera havia chamado a sua atenção. Eles conversavam há meses, e agora decidiam se encontrar pessoalmente.

Ela ainda não tinha ideia como após tanto tempo conversando, continuavam encontrando assuntos novos a discutir.

Guardando o telefone no bolso, Amanda procurou pelo cartão de débito em sua bolsa, mostrando para moça do caixa. Apertou os lábios, sacudindo-o no ar.

— Passa no débito — Amanda disse, voltando a atenção para a tela do telefone. Rafael havia mandando outra mensagem. Ela sorriu, escutando ao mesmo tempo, a moça do caixa dizer para digitar a senha.

Após pagar o copo de mocha, a moça saiu de um bistrô perto da faculdade. As aulas do curso de Engenharia Mecânica eram sempre pesadas, mas estava aliviada que finalmente seu dia estava livre. Tinha folga do trabalho, por isso decidiu encontrar um amigo.

Matteo era o que se poderia se chamar de gênio. Um talento desperdiçado pelo poder público e privado; um gênio oculto para o mundo. Um estudante de física fascinado pelo universo e a astrofísica — também muitos filmes de ficção científica.

O jovem era calouro na faculdade de Amanda, e sugeriu abrir um bar estilo arcade perto do campus. Matteo tinha algum dinheiro e conseguiu realizar sua proposta comprando um velho galpão. À noite, seu bar chamado Arcade estava sempre cheio de universitários bêbados. Pela parte do dia, era ocupado por um monte de estudiosos, fazendo experimentos nos galpões longe do bar. Matteo disse que o bar é um investimento com grande retorno financeiro.

Amanda adorava passar por lá uma vez ou outra, porque gostava dos estudos sobre astrofísica de Matteo.

Mesmo distraída, trocando mensagens com Rafael, ela passou pelas portas do galpão aquele dia. Seu amigo parou o que fazia, olhando-lhe naquele momento. Segurava o canudo do copo de mocha na boca, e mexia os dedos com velocidade na tela do telefone celular.

— Você ainda será atropelada, Amanda — disse Matteo, enrugando a testa. — Deveria olhar por onde anda.

A moça ergueu os olhos da tela do telefone para o amigo. Matteo era um rapaz franzino de cabelos encaracolados, e estava muito sujo de graxa.

— Aposto que está falando com seu amiguinho virtual — falou com um tom de ressentimento na voz. — Não desgruda desse telefone há meses.

— Olá para você também — respondeu Amanda. — Para que saiba, caminhar e digitar no celular é um talento. Acha que vou tropeçar por pensar e andar ao mesmo tempo?

O amigo pareceu duvidar. O que fez Amanda sentir o rosto corar, depois bufar com desdém.

— Bem... — ela sorriu. — Rafael é meu quase namorado. Falta pouco.

Matteo riu daquela hipótese.

— Não pode mesmo acreditar, que um cara que nunca viu na vida, é sua estrela gêmea — usou a ironia e o deboche ao mesmo tempo.

— Estrela gêmea? — Amanda repetiu. — Não seria "alma gêmea"?

— Não trabalho com a metafísica.

Amanda riu baixo, parcialmente dividindo sua atenção ao que o amigo construía.

— Sinto cheiro de graxa, parafuso e engenharia mecânica — disse ela, enviando uma última mensagem a Rafael. — Precisa de minha genialidade mecânica?

Matteo mexeu a boca, olhando para sua construção que ainda ganhava formas. Era um telescópio projetado para cobrir todo o teto. Demorou muito tempo e dinheiro, mas estava longe do fim. De vez em quando, Amanda aparecia para ajudar a apertar alguns parafusos. Embora suspeitasse que Matteo inventou aquilo para agradá-la e mantê-la por perto.

Quando se conheceram, ela disse ao amigo que amava o espaço e observá-lo pelo observatório da cidade, que foi fechado para manutenção e nunca reabriu. O observatório era uma deliciosa lembrança de infância, e Matteo pareceu sentir aquilo nos olhos brilhantes de Amanda, quando ela mencionou os dias que o pai a levava até o telescópio para "caçar" estrelas.

— Sempre preciso de sua ajuda — disse Matteo. — Sou um astrofísico que entende um pouco de mecânica, mas apenas a teoria. Tenho esse problema em fazer o domo.

— Bem — Amanda fitou para cima —, isso é coisa para um engenheiro civil, mas posso tentar ajudar com algo.

— O projeto é seu — Matteo encolheu os ombros. — Deveria mesmo estar aqui uns dez minutos atrás, antes de eu quebrar a válvula de abertura do teto.

Amanda sentiu um calor subir do peito até o rosto. Largou o telefone no bolso, e correu para encontrar uma das válvulas mecânicas que abriam o teto completamente quebrada.

— Caramba, Gabi! — gritou, consternada. — Isso custou uma nota preta! Por que diabos estava mexendo no que não sabe?

— Por que desde que achou seu namorado virtual, quase não aparece aqui. Outro dia te vi sentada num banco no jardim da faculdade, rindo sozinha com a cara colocada nesse telefone — Matteo tinha uma linha tensa na boca. — Sou ansioso, você sabe, quero terminar isso logo. Não posso esperar você terminar de namorar.

Amanda sacudiu a cabeça. O amigo sempre achava um espaço para implicar com Rafael. Se ela não o conhecesse, poderia dizer que Matteo estava com ciúmes.

— Não tem nada a ver com meu amigo, apenas achei um trabalho. Diferente de você, preciso de dinheiro para me manter — respondeu ela, no mesmo tom. — Quanto a gente gastou nesse projeto, cara? Ah, não! A partir de hoje, te proíbo de encostar no projeto do domo.

— E quando você vai dedicar mais tempo a ele? — Matteo passou a mão suja de graxa no rosto. — Lembra muito meu primo, que fica preso nessa porcaria de telefone falando com seus "contatinhos". É tão linda, tem um monte de caras querendo sair com você. A vida é feita de matéria, não de bits e megabits, Amanda. Precisa encontrar uma pessoa orgânica, não alguém virtual.

— Não preciso ouvir isso de você.

Eles se olharam, então, gargalharam por alguns momentos. Matteo sempre implicava com Amanda sobre sua vida virtual. Ela apenas tinha alguns problemas para se relacionar com alguém real, pois na internet era tudo mais fácil. E mal se lembrava a última vez que tivera um namorado real.

Sua vida estava completamente concentrada em estudar e conseguir um bom emprego depois disso. Havia estudado muito para conseguir uma vaga na universidade federal, pouco lhe sobrando espaço para outros divertimentos. Após passar no vestibular, as coisas não andavam diferentes.

— Bem — Amanda suspirou, olhando para o trabalho de solda e metais ao redor do galpão. — Já que fez o favor de quebrar, vou entrar na internet e procurar uma peça para substituir. Mas você que vai pagar!

— Trato feito — Matteo riu.

Mas bastou algum tempo de trabalho, Amanda e Matteo deixaram as tarefas pesadas, para se divertirem nos fliperamas do bar.

O amigo deles, um gênio em engenharia da computação, havia pedido para eles testarem um novo mecanismo de realidade virtual, que apostava as fichas que faria sucesso no mercado. O simulador de corrida, no entanto, era um tremendo de um fracasso. Amanda e Matteo saíram do simulador vomitando, porque seus cérebros não funcionavam bem quando a tela estava se movendo em seus olhos e seus corpos estavam imóveis.

Depois riram, porque foi bastante divertido.

Como diariamente, os amigos começavam falando sobre o projeto, e terminavam sem ideia como pararam de mexer nele. Amanda acreditava que nunca iriam terminar, sem o foco necessário.

Mais um dia partiu, e ela deu-se conta de que apesar das distrações, faria melhor para o bem do projeto no dia seguinte. Entrou em casa, pensando naquilo com muita força, embora estivesse mais feliz que não teve nenhum incidente com suas alergias irritantes.

Os pais de Amanda moravam em um bairro do subúrbio, na Cidade de São Paulo. Vivia em uma vila tradicional, em uma casa grande e térrea.

Seu pai trabalhava como contador em uma empresa própria que dava alguns lucros bons, a mãe era costureira. Levavam uma vida humilde.

Sua mãe trabalhava em casa, em uma oficina montada no fundo do quintal, costurando peças para uma fábrica de sapatos. O cheiro de couro e cola sempre flutuava do fundo da casa até a porta de entrada.

Amanda inspirou assim que entrou em casa. Os cheiros da oficina da mãe, misturou-se com o perfume do jantar. Seu estômago roncou alto, porque estava cansada do dia cheio e faminta por não ter comido ainda.

Passou pela sala de visitas, indo até à cozinha. Seus pais já estavam em casa. O Sr. Rodrigo era um homem alto, de tom de pele escuro e um nariz grande e curvilíneo. A Sra. Luísa uma mulher baixa, menor que Amanda, rechonchuda e longas madeixas descoloridas de bronze. A sua mãe mexia o molho em uma panela velha, cuja cor começava a ficar amarelada — por mais que fosse ariada e lavada.

— Oh, querida! — disse Sr. Borges, sorridente. — Pensei que iria sair com os amigos outra vez.

Amanda amava os seus pais. Eles eram decentes, boas pessoas. Não poderia ter desejado pessoas melhores para criá-la. Nem sequer lembrava uma vez ter sido maltratada. E eles a amavam de modo igual.

— Que bom que veio jantar com a gente — continuou o pai, levando-se para apanhar um terceiro prato para ela de um armário embutido na parede. — Como está o projeto?

— Nem perto de finalizar — Amanda respondeu, sentando-se. — Matteo não estava se sentindo bem, depois que a gente ficou jogando fliperama, então decidimos encerrar o cronograma de hoje.

Sra. Luísa virou-se para a mesa, pousando uma travessa de bolinhos de carne no centro.

— Vocês e esses jogos! — reclamou, olhando atravessado para a filha. — Os olhos de vocês ainda vão cair por tanto jogar esses joguinhos bestas.

Ela bateu na mão de Amanda, quando a menina desviou a atenção para a tela de seu telefone celular, que havia tirado do bolso do jeans.

— E você, seus dedos vão cair por tanto mexer nesse telefone.

— Oh, mãe, peraí. — Amanda ergueu a mão para se defender. — Desliguei meu celular, fiquei o dia todo sem falar com ninguém. Me sinto isolada, sem saber o que está acontecendo.

— Deveria, pelo menos, se lavar antes de vir jantar — a mulher pegou o telefone. Olhou a tela, e sacudiu a cabeça. — Espero que este garoto tenha um emprego, porque para mandar cem mensagens em um dia, tem que ser no mínimo um desocupado.

A mulher olhou para filha.

— Sem telefone no jantar, menina — jogou o aparelho no bolso de seu avental.

— Ah, mãe, qual é? — Amanda tentou se esticar para pegar o aparelho. — Não sou mais uma adolescente.

— Sempre será a minha menininha, que ainda mora na minha casa. Então, está debaixo de minhas regras.

Amanda quis retrucar, mas desde que se conhecia por gente, sua mãe insistia na regra máxima: jantar é hora do jantar, sem televisão, sem telefone celular. O fazia, pois, sabia que a filha tinha uma tendência a se distrair demais quando encontrava algo de seu interesse.

Ela resmungou baixo, pegando um bolinho de carne com um garfo.

Seu pai soltou um risinho baixo, e neste exato momento, Leão, o gato da família, pulou em cima da mesa.

— Hei, gato! — exclamou, Sra. Luísa. — A mesa do jantar não é lugar para você!

— Leão! — Reclamou Sr. Rodrigo, pegando o bichano com cuidado. — Vai comer sua ração.

— Ele quer me ver — Amanda riu, notando o gato vir até suas pernas, roçar com a cabeça. Todas vezes que voltada de seu dia cheio, o animal se aproximava ronronando em busca de carinho.

Amanda acreditava que seus dias eram perfeitos. Não havia um que não se sentisse plena e satisfeita. Seus pais eram bons, fez boas amizades. A vida não era cruel para ela. Então, como aquele dia, quando deitava a cabeça no travesseiro, fechava os olhos e orava para Deus. Agradecia por tudo o que tinha, pela comida em seu prato, até pelos dias ruins, que também vinham ocasionalmente.

Depois do jantar, ela esperou algum tempo, após contar aos pais como foi o seu dia. Esperou a digestão, respondendo a Rafael que havia lhe mandando um monte de mensagens bobas. Em sua maioria, ele mandava mensagens engraçadas, os famosos memes. Então, após isso, ela estava sentindo borboletas roçar em sua barriga.

Eles haviam combinado de se encontrarem no dia seguinte. Teriam um encontro em um shopping perto de uma linha do metrô da cidade. Assistiriam um filme qualquer, conversariam pessoalmente. Se conheceriam de verdade, ultrapassando as linhas de códigos da tela de um telefone celular.

Amanda sentia cócegas na barriga, porque Rafael era tão lindo na foto que chegava a doer. Seus olhos azuis quase faziam com que se perdesse em sonhos infantis.

Riu feito uma idiota sozinha, alimentando todos seus sonhos femininos. Se perguntava se Rafael era como um príncipe. Torcia para que sim.

Passando a mão no rosto afogueado, Amanda quase pisou em Leão, que passou correndo por suas pernas ao perceber que ela ia para o banheiro. O gato a seguia por todos os lados, quando chegava em casa.

— Hey, Leão, é capaz que amanhã você ganhe um paizinho — disse ela, rindo para o animal, pegando-o no colo. Ela o olhou, observando como seus olhos eram tão azuis quanto das fotos de Rafael. O gato soltou um miado quando a dona ficou lhe fitando, pensativa. — É, eu sei, não devia criar tantas expectativas. Mas sabe como eu sou... Me apaixono fácil.

Beijou a cabeça do animal, soltando-o para entrar no banho. Amanda cantarolou alto, parando apenas quando sua mãe bateu na porta, brigando porque era tarde.

Depois disso, ainda rindo como uma idiota, Amanda se ajeitou no pijama, pronta para ir dormir. Se acomodou nos lençóis de sua cama, fechando os olhos para uma breve oração. Mas antes de terminar o último obrigado, se assustou quando Leão pulou do guarda-roupas que ficava ao lado de sua cama, para cima de suas pernas.

— Caramba, gato! — reclamou, assustada.

Como se nada tivesse acontecido, o animal ronronou, logo se ajeitando no meio das pernas dela. Rodou um pouco, então começou a se lamber. Passou a mão em suas orelhas, e assim ficou por um tempo.

Amanda sacudiu a cabeça, desiludida por seu desprezo pela dona. Sem querer, no movimento, ela viu seu telescópio que o pai havia lhe dado de presente, depois que o observatório da cidade fora fechado.

Guiou-se até ele e apontou para o céu. Era um pouco ruim observar as estrelas com um aparelho tão velho e com toda a população. Ainda assim, Amanda sempre espiava o espaço como um ritual antes de dormir.

Caçando estrelas, mesmo que era ruim vê-las, Amanda viu algumas delas no mar do espaço. A lua estava bonita aquela noite. Virou de um lado para o outro, procurando nada em específico.

Desistindo de espiou o céu e as estrelas, e naquele momento viu um raio de luz vindo do céu, algo fora do comum. No começo parecia um prisma, mas alguns minutos se passaram, e ela teve plena certeza que estava ficando maluca.

Se afastou, enrugando a testa. Espiou por cima do ombro para seu gato, perplexa. Sentiu seu coração bater forte, olhando de volta para a luz prismática. Por um momento, parecia estar vindo em sua direção.

Confusa, ela se apartou do telescópio. Olhou pela janela a olho nu e viu a luz brilhar mais forte. Cobriu os olhos e se perguntou se ele estava assistindo a um incidente ufológico. A luz parecia um arco-íris descendo do céu como uma ponte.

A garota sentiu a luz brilhante envolvendo-a, e viu pontos feito purpurina rodopiando no ar ao seu redor. Levantou a mão para se certificar de que não estava derretendo, e percebeu sua mão dissolver em pedaços. Ela se viu misturando como uma só com aquele prisma e tornando-se uma partícula de luz.

Amanda não tinha ideia do que estava acontecendo, apenas que o medo lhe tomando por inteira era tão poderoso, quanto a força que a empurrou para a luz tragá-la por completo.