O Hatter nem piscava enquanto apontava a arma pro rosto dela, se ela fizer qualquer movimento brusco ou tentar chamar seu Fable eu não hesitarei em abrir um buraco em sua cabeça. Minha mãe me contou que antes de eu chegar em casa a Alice veio até ela e a atacou, mas graças ao teleporte do Chester ela conseguiu fugir e deixar minha irmã em segurança, mas mesmo assim, ela atacou uma mãe solteira que estava sozinha em casa, ela nem ao menos sabia se ela era usuária de Fable ou não, só um covarde faria algo assim.
—Como...?-Ela nem tenta esconder, provavelmente não esperava que eu a descobrisse, seu rosto ainda tinha aquela expressão de surpresa nele.
—A cicatriz na sua mão esquerda, Alice tinha uma no mesmo lugar.—Digo calmamente, a resposta a faz rolar os olhos, acho que já esperava algo assim de mim, ou talvez não estava esperando que eu fosse notar e agora se surpreendeu com a própria falta de cuidado.
—Por que não estou surpresa? Era óbvio que você iria perceber.—O comportamento dela mudou completamente, antes ela era sorridente e alegre, agora é uma garota cínica e sarcástica, pelo jeito essa é a verdadeira Karol.—O que vai fazer agora? Vai me matar?
—Eu ainda não decidi, me conte a verdade, por que nos atacou?—Ela rolou os olhos outra vez, ela deve ter ouvido isso antes.
—Deixe eu adivinhar, "Se eu não gostar do que ouvir, meto uma bala na sua cabeça.", era isso que ia dizer?
—Se você já sabe disso, é melhor rezar pra eu gostar do que têm a dizer.
Os olhos azuis dela se prendem aos meus, antes dela começar a falar.
—Meu verdadeiro nome é Alice Evelyn, eu nasci bem longe daqui em uma cidade rural no interior da Califórnia, eu cresci ouvindo histórias sobre Alice no País das Maravilhas mas você se engana se acha que eu tive uma infância feliz, meus pais viviam dando tudo de melhor pro meu irmão mais velho e me ignoravam, as vezes, quando eu ganhava presentes ou coisas legais dos meus avós os meus pais os tiravam de mim e davam pro meu irmão, eu não tinha uma vida, tudo o que eu fazia ou deixava de fazer girava em torno dele, por isso ele cresceu achando que podia ter tudo e eu cresci tendo uma vida miserável, quando eu tinha dez anos ele começou a fazer coisas estranhas comigo, ele me tocava em lugares estranhos, roubava algumas roupas íntimas minhas, invadia o banheiro quando eu tomava banho, etc. Eu nunca vi maldade nisso, até porque ele não faria nada contra a própria irmã, não é?
Ou ouvia tudo calado, queria saber onde aquela história toda iria chegar e o que aquilo tinha haver com o ataque de ontem, não podia negar que já podia ver onde isso ia chegar mas preferi ficar quieto.
—Chegou um ponto em que meu irmão começou a fazer algumas "brincadeiras" comigo, eu não lembro se ele chegou ao ponto de me estuprar ou não e tenho que admitir que tenho medo de me lembrar um dia, mas eu sei que essas coisas que ele fazia comigo um dia se tornariam algo muito mais sério, eu tentava avisar pros meus pais o que estava acontecendo mas eles não acreditavam em mim, um dia ele decidiu que levaria a "brincadeira" adiante e temendo por mim mesma eu fugi pra floresta, eu corri até minhas pernas não aguentarem mais, eu podia ouvir ele vindo logo atrás de mim, mas chegou um momento em que eu consegui o despistar e me esconder, foi nessa hora que eu vi, um pequeno coelho passando rapidamente por mim, eu não dei muita bola até que percebi que não era um coelho comum, ele usava um colete e segurava um relógio de bolso, eu não podia acreditar nos meus olhos, a história era real!
Se eu não estiver enganado, essa é a parte em que os Fable vão começar a aparecer na história, esse coelho provavelmente é um Fable de algum usuário que estava tentando enganar ela.
—Eu segui o coelho como se a minha vida dependesse disso, na minha cabeça, a minha vida iria mudar se eu seguisse aquele coelho, eu iria me tornar a própria Alice! Eu parei quando o coelho correu pra trás de uma árvore e desapareceu, o que eu vi foi um livro em cima do toco de uma árvore, eu me aproximei e percebi que aquele era o livro de Alice no País das Maravilhas, eu não pensei duas vezes em abrir e começar a ler, mas aquela não era a mesma história que me contaram quando criança, nessa, a Alice era filha de pais horríveis que deixaram ela sozinha com o irmão, amargurado por ter sido deixado sozinho com a irmã, ele decidiu descontar na pobre Alice, após crescer sendo estuprada pelo irmão, Alice cresceu pra se tornar uma prostituta e em uma noite de trabalho ela foi contratada por um homem rico mas ao invés do trabalho de todo dia, ele a dopou, no outro dia, Alice acordou acorrentada pelos braços, e com o homem ainda terminando de costurar sua boca, no final, Alice passou o resto da vida alí, e acabou morrendo depois que o velho se cansou dela e decidiu tortura-la até a morte, desfigurado seu corpo até ficar irreconhecível.
Como eu havia deduzido, a terceira forma da Alice era mesmo fruto de um trauma de infância envolvendo a personagem, quem seria doente o bastante pra mostrar uma história doentia dessa a uma criança é que é o verdadeiro mistério agora.
—Eu obviamente fiquei horrorizada mas alguma coisa me impedia de desviar os olhos daquela história até que eu terminasse de ler, quando eu acabei, eu já não era mais uma criança, eu era uma adulta que foi roubada de sua infância e traumatizada com a verdade desse mundo: algumas pessoas se divertem ao ver o sofrimento alheio, e quem quer que seja o usuário daquele Fable estava se divertindo em saber que tinha traumatizado uma criança inocente, eu caminhei até em casa em passos lentos tentando processar ao máximo aquela história que a minha mente de criança me permitia, foi só aí que eu percebi que não tinha casa pra eu voltar, ela simplesmente havia sumido e meus pais tinham ido junto, nessa hora eu tive meu segundo contato com um Fable, flutuando em pleno ar magicamente estava um navio pirata, ele passou por mim com as tábuas rangendo, eu nunca vou me esquecer daquele som, de alguma forma eu sabia que aquele era o motivo dos meus pais terem desaparecido junto com a casa.
Um Fable? Um navio pirata voador? Mesmo sendo difícil de acreditar, eu já vi que os Fables podem ter várias formas, não seria loucura acreditar que um Fable teria a forma de um navio.
—Depois dos meus pais desaparecerem foi determinado pela justiça que eu ficaria com o meu irmão, mesmo eu implorando e contando do que o meu irmão fazia comigo, quando eu coloquei os pés naquela casa eu já sabia que meu destino seria o mesmo da Alice naquela história então eu apenas me entreguei ao destino, mas então eu ouvi uma voz na minha cabeça: "Você não está cansada de só sentar e deixar a vida te chutar? Já não está na hora de tomar o controle da sua própria vida? Eu sou o demônio que reside dentro do seu ser. Eu sou vós, vossa força, vosso poder, vossa vontade é minha majestade, agora até vossa morte sou seu poder para comandar e usar como quiser."
Interessante, parece que os Fables fazem o mesmo discurso quando são invocados pela primeira vez.
—Foi aí que eu vi a Alice tomar forma pela primeira vez, meu irmão estava bem atrás de mim se preparando pra fazer algo terrível comigo então eu comandei a Alice a me dar uma faca e antes que aquele nojento me tocasse eu cortei a garganta dele e fugi, eu mudei meu nome e minha aparência e vivi me escondendo até hoje, e isso tudo leva ao motivo de eu ter atacado vocês ontem, eu não sei quem são os usuários do White Rabbit e o Flying Dutchman, então sempre que vejo dois usuários juntos eu os caço até descobrir seus Fables, entende? Não é nada pessoal, eu só achei que vocês pudessem ser os usuários que eu estou caçando.
Essa história até faz sentido, mas tem alguns furos, então acho melhor os esclarecer antes de a liberar.
—Como mudou sua aparência? Você era só uma criança, uma criança jamais seria capaz de pagar uma cirurgia estética.
—Com o poder da Alice, ela tem três formas, Alice, que é a criança, Agatha, que a jovem adulta e Lillith, o monstro, cada uma dessas formas tem habilidades diferentes, e uma das Habilidades da Agatha é poder moldar a própria forma física e a minha, eu usei isso pra mudar dês da minha altura até a cor do meu cabelo e olhos, eu sou praticamente outra pessoa.
—Pelo o que você me contou, seus pais eram terríveis, por que está caçando os usuários do White Rabbit e o Flying Dutchman se eles se livraram deles?
—Você não entende!—Estava quase chamando o Mad Hatter de volta quando ela começou a gritar, meu reflexo foi de invocar ele outra vez e colocar o dedo no gatilho.—Eu vivo fugindo como uma criminosa por causa deles, se não fosse por eles eu poderia ter saído de casa por conta própria e não teria que preocupar com a polícia! Não teria que viver com medo!
—Eu acho que consigo entender seus motivos, mas isso não é um problema meu. Vá atrás deles se quiser, mas está por conta própria.
Ela arregalou os olhos quando me ouviu dizer isso, talvez ela tenha me contado isso tudo com a esperança de que eu a ajudasse? Pois ela está enganada, eu não sou um herói que ajuda alguém só porque essa pessoa tem um passado triste ou sei lá, chamo o Hatter e me viro pra ir pro trabalho. Escuto ela batendo o pé no chão e desejando que eu vá pro inferno, me perdoe "Karol", mas não vou te ajudar.