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Chapter 5 - Polaroid

Isso tudo é estranho demais para ser real...

Residência dos Wright, São Francisco (US-CA) (3 de março, 2025 D.C.)

— Esther, eu falei algo engraçado?

Ela me encara como se estivesse rindo de mim, seu sorriso nem parece ser o de uma pessoa, e seu rosto me revela que não é a mesma Esther que estava conversando comigo segundos atrás.

— Sai da frente!

Após empurrar ela, corro em direção ao funcionário sorridente e dou um soco potente em seu rosto, exalando todo o ódio que sinto dos meus punhos. Então, ele cai sem nem ao menos reagir. Ao tentar respirar para manter a calma, percebo que já estou hiperventilando.

O que está acontecendo nesse lugar?

Após tossir algumas vezes, como se estivesse engasgada, Esther vomita uma gosma preta que atravessa todo o espaço entre nós. Com o intuito de não ser atingida, lanço meu corpo ao chão para evitar aquele fluido. Olhando para trás, o vômito, que atingiu a parede, causou um estrago grotesco e assustador. Toda a superfície, rapidamente, exala uma fumaça fétida e derrete com a acidez da gosma.

— Ah, droga! Deve ter caído no meu rosto! — digo tentando ignorar o ácido derretendo minha bochecha. — Para com isso, Esther!

Ainda bem que só respingou um pouco. Enquanto me queixo da dor, uma cena aterrorizante começa a tomar forma, algo quase inacreditável: um braço humano completamente preto perfura as costas de Esther, saindo de dentro dela de maneira brutal, tremendo e se movendo aleatoriamente. Logo em seguida outro membro sai de dentro de sua testa e seus olhos são completamente destruídos, fazendo jorrar um sangue negro pelo chão do escritório, e o antigo sorriso debochado é substituído pela mais verdadeira expressão de dor e sofrimento.

— Mas, o quê? Isso é...

Outro braço sai de sua coxa esquerda e isso faz com que Esther caia de joelhos. Não demora muito até seu corpo começar a ser consumido pelos inúmeros órgãos e membros crescendo por toda parte: pernas, olhos, bocas e até cabeças, tornando-a cada vez menos humana. Apesar disso, não me permitirei correr, a minha melhor aposta com certeza é: aquela arma que ela deixou cair!

Sendo assim, corro o mais rápido possível para pegar a pistola. Porém, os membros aumentam de tamanho e suas mãos negras avançam para me impedir, enquanto encostam na superfície da minha pele, causando uma sensação terrível.

No instante em que pego a arma um dos braços negros também a segura, apresentando forte resistência contra a minha investida.

— Me solta! — eu grito, usando toda a minha força.

Ao meu lado, aquele monstro ruge puxando também com toda a força a arma para si. Mas, isso dura apenas alguns segundos... Eu sou pega de surpresa pelo som de algo estourando: a barriga dele explode, jogando sobre mim suas entranhas ácidas. Ao mesmo tempo, suas tripas se enrolam no meu pescoço para me sufocar, se comportando como cobras vivas, enquanto sua gosma derrete a minha pele até os ossos.

O alto som de um tapa faz-me despertar.

— Ficou doida, é? — diz a mulher brega.

— Esther?

— Olha só pra sua cara, você por acaso viu alguma coisa assustadora que eu não vi?

Olhando em volta, procuro pelo monstro em que Esther havia se tornado. Mas, não tem absolutamente vestígio nenhum e todas aquelas coisas de antes desapareceram em um piscar de olhos, como se tudo estivesse normal novamente.

— Por que você me bateu, Esther?

— Por que eu te bati? É sério que isso é tudo que você tem pra dizer? Você estava tentando me desarmar, Bruna! Eu poderia ter te dado um tiro aqui mesmo!

Ela parece bem chateada...

— Até quando você vai ficar me olhando com essa cara de bunda, hein? Me fala de uma vez o que deu em você!

— Não foi nada, eu só não estava pensando direito.

— Fala sério! Ninguém faz algo assim por não estar "pensando direito".

— É, realmente ninguém faz...

— Você tá tirando uma com a minha cara Bruna?

— Não vamos perder tempo com coisas fúteis, Esther.

— Mas, isso...

— Procure pela planta da mansão, eu estou bem.

— Ah, certo, se você diz. — Esther me responde com uma voz entristecida.

Simplesmente não vou conseguir voltar a ver essa mulher da mesma maneira que antes, apesar de nem terem feito duas horas desde que a conheci. De qualquer maneira, isso não importa, estamos apenas nos ajudando mutuamente e não somos amigas. Ainda assim, aquilo tudo parece real demais, mesmo que eu estivesse apenas sonhando acordada. Então, busco pela presença do ursinho e vejo que, surpreendentemente, ele não está mais lá. Sem ter muito o que fazer, fico apenas apoiada na janela do escritório olhando para aquele belo jardim, completamente mergulhada em meus pensamentos.

Bruna? Esse nome até que soa bem legal, é imponente. Mas, eu não sei se isso é pra mim, eu sequer vi o meu rosto direito, como posso me dar um nome, como posso só retomar a mansão e procurar o informante fingindo que está tudo bem? É estranha a forma como a Esther consegue lidar com tudo isso, ela nem parece se importar. Mesmo não sabendo a razão da amnésia dela, tenho certeza que qualquer pessoa normal se sentiria assim como eu. Ou, talvez eu que não seja normal. Desde que acordei tenho ouvido vozes e visto coisas. Nada parece fazer sentido, é muita informação para digerir em pouco tempo.

Após esperar bastante olho rapidamente o bracelete.

Nome: Não consta nos registros

Idade: Estimativa de 19 anos

Tipo Sanguíneo: AB+

Frequência Cardíaca: 65bpm

Quociente de Laplace: Menor que 1%

Data e Hora: 11:15 AM, 03/03/2025

— São onze e quinze da manhã!? Nós já estamos nesse escritório há horas! O que você está fazendo, Esther?

— Ah, eu encontrei um mangá aqui e acabei me distraindo, desculpa. — Ela me responde com uma risada.

— Você tá me zoando, é isso?

— Ah, eu também preciso dar uma descansada de vez em quando, Bruninha.

— Você pelo menos conseguiu encontrar a droga da planta?

— Hm? Se eu consegui? Na hora em que você teve aquele surto eu já tinha encontrado, oxi.

— Como assim? Você me falou que ainda iria procurar!

— Ah, agora que eu me lembrei... Foi mal, eu menti.

— Por que você mentiu? Você é retardada?

— Olha, eu queria dar uma olhada nos livros daqui desse escritório, então inventei uma desculpa. — Esther me responde com um sorriso no rosto enquanto se levanta. — E parece que o dono daqui tem um excelente gosto pra livros.

Completamente estática, encaro Esther em choque... Até que...

— Poing!

Ela toca a ponta do meu nariz, simultaneamente fazendo um som com a boca...

— É melhor tirar essa cara emburrada da minha frente, temos uma mansão para conquistar!

Talvez esse jeito animado e infantil dela não seja tão ruim assim...

— Certo, e pra onde vamos agora senhorita madame da realeza?

— De volta para o meu quarto obviamente, ele vai ser o nosso quartel general a partir de agora. De lá vamos planejar todos os nossos próximos ataques. Mas pensando bem, eu acho que o primeiro lugar que devemos atacar é o meu frigobar, já é quase hora do almoço e eu tô morrendo de fome.

— Acho que você tem razão, eu também estou ficando com fome.

Eu a sigo e, percorrendo o caminho de retorno dos longos e agora silenciosos corredores daquela mansão, nós começamos a conversar.

— Sabe, eu andei pensando, Esther...

— Em quê?

— Acho que você está certa, esse lugar realmente é estranho, ele também me causa uma sensação ruim.

— Viu? Eu te disse! Esses corredores não parecem ter sido feitos para receber visitas.

— Muito pelo contrário, parece até que eles foram construídos para afastar visitas indesejadas.

— Mas, quem poderiam ser essas?

— Eu é que não vou ficar aqui para descobrir.

Enquanto caminhamos pelo corredor, deparo-me com uma porta aberta que leva a um cômodo escuro.

— Acho que não reparamos nessa porta antes, Esther... Isso é um quarto?

— Depois a gente vê o que é isso, maior preguiça.

— Você pode ir na frente se quiser, eu vou dar uma olhada.

— Ei, Bruna, eu tô cheia de fome! Não vamos perder tempo com isso agora.

Ignorando Esther, eu me dirijo à porta do quarto. Porém, ela me impede, segurando o meu braço.

— Não toque em mim!

— Eu tô com fome!

— Eu não ligo, cara.

Após dar um tapa na mão dela entro no quarto escuro e úmido que fede a mofo. Além disso, as persianas estão fechadas e pouca coisa pode ser observada no interior deste cômodo.

— Você é chata mesmo! — ela resmunga.

Informo que vou abrir as persianas e após tropeçar em alguns objetos, permito que a luz entre novamente naquele quarto depois de tanto tempo.

— Caramba! — Esther diz como se estivesse impressionada.

Este quarto sem graça, sem cor e sem vida na verdade se trata de um quarto infantil, onde há letras recortadas de uma folha de papel coladas na parede e postas em ordem para formar um nome:

"Esther"

— Então, esse era seu quarto?

— E... Eu não sei, parece que sim! Mas, esse quarto não parece exatamente o quarto de uma criança...

— Não?

— O quarto de uma criança é normalmente colorido e cheio de brinquedos, mas esse aqui tem paredes cinzas. Ele é vazio e escuro, cheio de tralhas, mas, na verdade é como se não tivesse quase nada.

— Então nós duas pensamos na mesma coisa…

— Talvez, eu só fosse uma criança mais reservada... — Esther me responde em um tom desanimado.

— Bem diferente da fase adulta, não é?

— Cala a boca...

Um porta-retratos em cima da mesa de cabeceira chama a minha atenção. Dentro dele existe uma foto polaroid, com a imagem de um homem branco, alto e com uma respeitosa barba, segurando uma garotinha bem jovem em suas costas, ambos felizes na praia.

— Essa é você, Esther?

— Me parece um pouco diferente, mas talvez seja eu mesmo. Aquele deve ser meu pai...

Após observar a foto por alguns segundos, um barulho logo atrás faz-me perder a concentração. Diante de mim, está Esther, a animada garota, agora com os olhos cheios de lágrimas e um sorriso triste em seu rosto, aparentemente chorando sem motivo.

— Por que você está chorando!?

— Eu não sei, Bruna. Eu não sei nem quem eu sou direito, eu perdi tudo que sabia sobre mim! O meu passado foi apagado e eu também! — Esther fala como se estivesse irritada. — Mas, essa foto... Ela me dá uma vontade incontrolável de chorar, e eu simplesmente não sei o motivo. Eu não sei se é choro de felicidade, não sei se é de tristeza, eu não sei nada!

— Eu...

— Eu não acredito que tô chorando na frente de uma mulher que nem conheço direito! Esther idiota, Esther idiota! — ela diz batendo na própria cabeça.

— Não acho que você seja idiota por chorar, Esther. Chorar é a prova de que mesmo após ter perdido as suas memórias, você continua sendo humana. Somente humanos têm esse tipo de fraqueza, então, acho que você pode se alegrar com isso...

— Sério?

— Ah, não finja que não entendeu!

— Sinceramente, acho que nem tem como eu continuar chorando depois de te ver sorrindo assim. — diz Esther com uma voz serena.

— Eu estava sorrindo?

— Que fofa, você nem percebeu! Foi um sorriso discreto, mas foi um sorriso lindo...

— Eu não sei o que você quer dizer com isso, Esther, e também não quero saber. Só espero que você tenha entendido o recado.

— Ah, é claro que eu entendi! Fantasmas e robôs não podem chorar, se eu choro, essa é a prova máxima e incontestável de que eu sou humana!

Ela parece estar animada novamente. Isso é bom, mas não posso deixar que atrapalhe os meus objetivos.

— De volta ao seu quartel-general? Ainda temos uma mansão para dominar e um informante para encontrar.

— É claro! Mas, primeiro eu vou levar essa polaroid comigo!